O processo de execução e suas repercussões na lei de falências

Coluna Direito Empresarial & Defesa do Consumidor

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Finalidade do processo de falência

É de conhecimento geral que a finalidade do processo de falência, reside no interesse coletivo, sendo o instituto de ordem pública, embora vise resolver em conjunto questões de interesses privados.

Indiscutivelmente, a especialidade do processo concursal falimentar são os interesses supremos da economia nacional que estão acima, inclusive, da realização da par conditio creditorum ou do saneamento do meio empresarial.

A mais de doze anos, o Brasil intentou ampla reforma na sua legislação falimentar, dotando o ordenamento jurídico pátrio de uma lei moderna e consentânea com a aspiração do crescimento econômico e redução das desigualdades sociais, através do fortalecimento das empresas, o estímulo ao empreendedorismo e a liberdade de iniciativa.

Seguindo a tradição das revogadas leis falimentares no Brasil, a Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 permeia normas de direito material e processual. Portanto, as alterações introduzidas através das Leis nº 11.232/2005 e nº 11.382/2006 no Código de Processo Civil de 1973 e mantidas no Código de Processo Civil de 2015, repercutiram no processo de falência, notadamente ao que se refere a causa de pedir com fundamento no artigo 94, II, da Lei falimentar, que trata da presunção de insolvência do empresário, in verbis: “Será decretada a falência do devedor que: II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.”

Tríplice omissão

O principal requisito para requerer a decretação da falência do devedor reside na caracterização da tríplice omissão, ou seja, o devedor, devidamente citado em execução ou intimado para cumprir a sentença, sem relevante razão de direito não paga, não deposita a importância devida e não nomeia bens à penhora dentro do prazo legal, restando caracterizada, assim, a sua insolvência.

Observa-se pelo Artigo 515 da atual Lei processual que a execução por título judicial transformou-se em simples cumprimento de sentença, refletindo no processo falimentar, exatamente porque o credor pode requerer a falência do devedor, quando este executado, por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia bens suficientes à penhora dentro do prazo legal.

Convém lembrar, que o requerimento da falência, nessa hipótese, deve ser instruído com a certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução, conforme disposto no artigo 94, § 4º da Lei falimentar.

Logo, a tríplice omissão deve ser comprovada mediante a juntada nos autos de certidões que descrevam brevemente o processo de execução frustrado e as infrutíferas tentativas de satisfação do crédito, pelo credor, além de conter o valor atualizado da dívida.

Deve-se, também, demonstrar que o processo de execução que fundamenta o pedido de falência esteja extinto ou, ao menos suspenso, tendo em vista que o devedor não pode ser demandado duas vezes pela mesma dívida.

Salienta-se que, o pedido de falência embasado no inciso II do artigo 94 da Lei falimentar refere-se à quebra do devedor que já teve demonstrada sua insolvência por meio de processo judicial válido, sendo meramente facultativo, o protesto extrajudicial do débito segundo a condição prevista no inciso I do mesmo dispositivo legal.

Citado, o devedor terá a opção de contestar o pedido ou, se preferir, depositar a importância devida, corrigida e acrescida dos juros legais até a data do efetivo depósito, sob pena, de ser decretada sua quebra.

Nota-se que a atual Lei processual alterou a sistemática dos procedimentos judiciais relativos à execução por títulos judiciais e extrajudiciais, exigindo nova interpretação da Lei de Falências no que tange ao pedido com fundamento no artigo 94, II, que será objeto de análise a seguir.

Foto: Fotografia CNJ

Execução singular

No que tange a repercussão da execução singular na Lei de Falência, entende-se que não tendo o devedor garantido a execução através do depósito da importância da dívida ou a nomeação de bens à penhora, o credor pode com fundamento na execução frustrada valer-se da Lei falimentar, requerendo com base no artigo 94, II, a falência do devedor empresário.

O devedor que contrai uma dívida se obriga a pagar quantia determinada e quando não o faz, o credor poderá exigir o recebimento forçado de seu crédito através do processo de execução. Porém, sendo o objeto da dívida dinheiro, no processo de execução o credor não poderá pleitear de imediato o recebimento em pecúnia, cujo valor tenha equivalência com a dívida, portanto, se faz necessário que agrida o patrimônio do devedor e o transforme em dinheiro, para que assim consiga receber o seu crédito ou se preferir requeira a adjudicação do bem penhorado pelo valor devido.

Embora o devedor possa embargar a execução, a penhora deve ser realizada após 03 (três) dias da citação, desde que não seja feito o pagamento, conforme dispõe o §1º do artigo 829 da Lei processual “O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação. §1o Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado.”

Ainda convém ressaltar que conforme disposto no §2º do mesmo dispositivo, a penhora recairá sobre os bens indicados pelo credor/exequente, salvo se outros forem indicados pelo devedor/executado e aceitos pelo juiz, mediante demonstração de que a constrição proposta lhe será menos onerosa e não trará prejuízo ao credor/exequente.

Execução por quantia certa

No que tange a execução por quantia certa fundada em sentença, o credor pela falta de título executivo extrajudicial, terá que obter, através do processo de conhecimento, a sentença condenatória, para posteriormente atingir o patrimônio do devedor, onde segundo o §3º, do artigo 523 da atual Lei processual, por força da própria sentença condenatória dar-se-á a expedição, após o transcurso do prazo de pagamento voluntário, do mandado de penhora e avaliação dos bens necessários à satisfação do direito do credor, seguindo-se aos atos de expropriação, in verbis: “Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.”

Acredita-se que consoante à sistemática da Lei processual o prazo legal seja àquele para o pagamento, e caso o devedor não pague sua dívida revela-se, portanto, a sua incapacidade de pagamento, mas não sua insuficiência patrimonial.

Diante dessa realidade, a certidão mencionada no §4º, do artigo 94 da Lei falimentar, que deverá instruir a inicial do pedido de falência, com fundamento na insolvência presumida prevista no artigo 94, II, somente poderá ser extraída após o cumprimento do mandado de penhora, atentando que o devedor não possui bens livres e desembaraçados para a satisfação do crédito.

Sendo assim, a hipótese do pedido de falência com fundamento na insolvência presumida, conforme disposto no artigo 94, II da Lei nº 11.101 de 2005, somente será possível, após o cumprimento do mandado de penhora, e quando este, tanto no cumprimento de sentença, quanto na execução de título extrajudicial, restar frustrado.

Logo, concluí-se que no cumprimento de sentença, caso o devedor não efetue o pagamento da dívida no prazo de 15 (quinze) dias conforme disposto no artigo 523 da Lei processual, e de 03 (três) dias na execução por título extrajudicial consoante ao artigo 829 do mesmo diploma legal, o credor não poderá, munido simplesmente da certidão de que não houve o pagamento no prazo legal requerer a falência do devedor empresário, sendo, portanto, necessário que o credor para fundamentar o pedido de falência do devedor com base na insolvência presumida, consoante o artigo 94, II, tenha em mãos a certidão extraída após o mandado de penhora, demonstrando a execução frustrada.

Logo, a insolvência é o estado onde o patrimônio do devedor se revela incapaz de saldar os débitos a que se obrigou, ou o estado patrimonial em que se encontra o devedor que possui ativo inferior ao passivo. Esta se constitui num fato de que o Direito Falimentar só se ocupa quando ingressa no mundo jurídico, por meio da sentença declaratória da falência. Antes da sentença que decreta a falência, não existe insolvência, podendo haver apenas um devedor em estado presumível de insolvência. Portanto, no Direito Falimentar, a insolvência é um estado de fato, enquanto a falência corresponde a um estado de direito.

Assim, a insolvência é um fato econômico patológico que pode ser confessado pelo próprio empresário, ou presumido por atos que demonstrem a ruína da empresa.

Portanto, observa-se pela atual Lei processual a busca do estabelecimento de um diálogo entre o regime legal reformado e as tendências predominantes na jurisprudência, principalmente a estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, após o advento das aludidas Leis.

Fonte: STJ

Fonte: STJ

Alterações positivas

Levando-se em conta esses aspectos, nota-se que as recentes reformas do Código de Processo Civil de 2015, justifica-se pela necessidade de se dar maior efetividade e celeridade ao processo de execução.

Indiscutivelmente que as alterações feitas, tanto no cumprimento da sentença quanto na execução de título extrajudicial ensejaram maior eficácia e segurança na satisfação do crédito. No entanto, a Lei falimentar não tem a mesma eficácia, ou seja, satisfazer o crédito como meio ordinário de cobrança, tendo em vista que a finalidade da falência é a defesa do crédito e da economia em geral.

Sabe-se que o direito é uno e em qualquer de seus ramos, visa ao bem comum, ao bem estar social, à paz, ao equilíbrio e à segurança, logo, tanto o processo civil quanto a falência têm a mesma finalidade, sendo apenas um meio de que dispõe o Estado e os particulares, para realizarem a justiça social.

Além disso, o princípio da preservação da empresa, estampado na Constituição Federal de 1988, no Capítulo referente à Ordem Econômica e Financeira do país, transformou-se em regra fundamental da Lei de falências de 2005, ao instituir o procedimento judicial da recuperação de empresas, mantendo as relações trabalhistas e a atividade econômica, onde a principal preocupação foi preservar a empresa viável economicamente.

O instituto da preservação da empresa não é focado no interesse individual da pessoa do empresário, mas sim em salvaguardar o interesse de toda a coletividade ao redor daquela atividade empresarial, proporcionando a sua função social que visa, sobretudo, o interesse da própria empresa, quando do seu processo produtivo, da geração de renda, de empregos, de lucro, de tributos, do desenvolvimento, da preservação dos interesses da coletividade e de outras empresas do ramo, visto que é tão somente a partir do exercício concorrente e da competição pela preferência do mercado consumidor que o usuário final tem o seu quinhão de direitos e vantagens garantidos.

Logo, conclui-se que, o correto será interpretar a lei de uma maneira que não vulgarize o pedido de falência, transformando-o em um meio coercitivo de recebimento do crédito. O credor deve primeiramente buscar através da via ordinária a satisfação de seu crédito e caso não consiga lograr êxito, vendo-se frustrado na execução, aí sim, deverá buscar a via extraordinária através do instituto da falência.

Em face dessa realidade e das reformas introduzidas através das Leis nº 11.232/2005 e nº 11.382/2006 e mantidas no Código de Processo Civil de 2015, entende-se que não há necessidade de alteração, no tocante ao artigo 94, II da Lei falimentar, devendo em caso de lacunas, omissões ou imperfeições da norma, a interpretação estar voltada a importância de seus objetivos, privilegiando assim, os valores a serem tutelados.

Tendo em vista os argumentos apresentados conclui-se que o credor tem mais esta alternativa para as execuções frustradas, desde que, por lógica e gestão processual, aceite pagar as despesas (custos processuais) do ajuizamento do requerimento de falência, e que o devedor tenha local certo e sabido.

Nota-se que o Legislador Constituinte não se limitou em apontar os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, mas preencheu as lacunas existentes e instituiu preceitos, regras e princípios que devem ser observados e respeitados. Dessa forma, a Ordem Econômica Nacional foi alicerçada sobre os pilares dos princípios fundamentais, que fomentam e garantem a dignidade da pessoa humana.

Conclusão

Portanto, é a partir da aplicação em larga escala do princípio da preservação de empresa que a dignidade da pessoa humana estará assegurada. A atividade empresarial deverá atingir a sua função social e não se limitar a auferir lucros, mas sim cooperar para com os interesses da sociedade que são os verdadeiros sujeitos da atividade empresarial. A Empresa, o Estado e a Sociedade não existem por si, todos devem relacionar-se entre si, de forma harmoniosa, visando garantir a preservação dos interesses coletivos e, sobretudo da dignidade da pessoa humana que não é um dever privativo do Estado, mas de toda a sociedade, dos empresários e sujeitos atuantes no mercado.

Sendo assim, a preservação da empresa é erigida a principio constitucional, sob a pena de, com a sua negação, não ser alcançado os objetivos fundamentais pretendidos, dentre os quais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, pautada no desenvolvimento nacional e na dignidade da pessoa humana.

Afinal, já dizia Henry Ford que “O insucesso é apenas uma oportunidade para recomeçar de novo com mais inteligência…”

 

Maria Bernadete Miranda é Articulista do Estado de Direito, Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais, subárea Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora de Direito Empresarial e Advogada.

 

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