Proteção internacional aos refugiados: o contexto brasileiro e o estado do MS (Parte 1)

Coluna Direito dos Refugiados

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Foto: ACNUR/Giles Duley

Foto: ACNUR/Giles Duley

Resumo

O fenômeno internacional dos refugiados ganhou enorme destaque a partir da Segunda Guerra Mundial, sendo que nesse período a América Latina recebeu grande contingente de refugiados provenientes da Europa e se inseriu internacionalmente neste tema. O Brasil teve relativo destaque neste contexto, porém foi somente a partir de sua redemocratização que consolidou com outros países as diretrizes do multilateralismo e em defesa dos direitos humanos. Através de levantamento bibliográfico e pesquisa de campo buscamos analisar a região do estado do Mato Grosso do Sul como local de passagem de imigrantes e refugiados, suas dificuldades quanto às várias etapas do processo decisório, e o importante papel de iniciativas para essas pessoas com a criação de um Comitê Estadual para Migrantes, Apátridas e Refugiados, enquanto um espaço para propor políticas públicas e estratégias para solucionar os problemas atuais para esses imigrantes internacionais.

Introdução

O fenômeno mais recente das migrações internacionais forçadas, particularmente do deslocamento dos refugiados vem ganhando grande destaque mundial nos últimos tempos, encontrando-se na pauta central da agenda política das principais nações do sistema internacional, visto que conforme o ACNUR (o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), e seu relatório “Tendências Globais” de 2015 há mais de 60 milhões de pessoas sendo forçadas a se deslocar no mundo seja por motivos de guerra, conflitos armados e perseguições (Quadro 1). Somente no Brasil conforme relatório de 2015 do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) apontado pelo ACNUR (2015) houve um aumento de 2.868% nas solicitações de refúgios nos últimos anos. Sendo os sírios, angolanos, colombianos e congoleses, constituindo a maior parcela de solicitantes.

 

 Quadro 1: Tendência de deslocamento mundial e proporção de pessoas deslocadas | 1996 – 2015 ( final do ano). FONTE: ACNUR (2015).

Conforme outra instituição, a Organização Internacional das Migrações (OIM) os números e as tendências são semelhantes: Em torno de 1 bilhão de pessoas são migrantes ao redor do mundo, sendo 1 em cada 7 pessoas encontrando-se como migrante. Até 2015, o mundo possuía 14,4 milhões de refugiados sob o mandato do ACNUR e outros 5 milhões sob administração da Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA), perfazendo um total de 19 milhões de refugiados. Sendo que a Turquia e o Paquistão haviam se tornado os principais países de destino dos refugiados (OIM, 2015, p.8).

Um fenômeno contemporâneo enquanto consequência de uma sistemática cultura de violência generalizada, das violações maciças de direitos humanos, de várias perseguições ou razões combinadas, praticamente existindo em todos os lugares do mundo, o que acaba por produzir refugiados, solicitantes de refúgio e deslocados internos. Visto que pessoas migram de maneira forçada por diversos motivos combinados, naquilo que é conhecido por migrações internacionais mistas (SILVA, 2015).

Daqueles refugiados (assim considerados conforme os parâmetros internacionais da Convenção de Genebra da ONU de 1951 e seu Protocolo Adicional de 1967) regularmente aceitos pelos governos dos Estados, apenas 8,4% encontram-se nos países do continente europeu. Pois, a maior parte deste contingente de refugiados encontra-se nos países vizinhos da origem dos grandes fluxos migratórios. Ou seja, nos países periféricos do sistema internacional, com alguns dos países mais pobres do mundo recebendo mais da metade dos refugiados do mundo. Em outros termos, África do Sul, Paquistão, Turquia, Palestina, Jordânia e Líbano, em conjunto recebem mais de 12 milhões de refugiados (56% do total), enquanto que Alemanha, China, Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido, globalmente suportam 2,1 milhões de refugiados, perfazendo um percentual de 8,88% do total[1].

Ou seja, uma distribuição desigual dos refugiados entre os países componentes do sistema internacional, com os países periféricos e de menor potencial econômico recebendo e integrando a maior parte dos solicitantes e refugiados do mundo. A crise internacional de refugiados parece ter alcançado seu apogeu pelo fato dos deslocados forçados alcançarem em grande número os países europeus e as potências do Ocidente, no entanto ela já estava presente nos países vizinhos às grandes crises migratórias há muito tempo, conforme revela os relatórios do ACNUR e da OIM.

No contexto das Américas, a Declaração de Cartagena de 1984, que recentemente comemorou 30 anos por meio de uma reunião comemorativa que acabou produzindo a Declaração do Brasil de 2014, considera “violação generalizada dos direitos humanos”, também como uma das hipóteses fundamentais para a solicitação de refúgio. Logo, com este aumento vertiginoso de refugiados no contexto global, percebe-se que em vários Estados nacionais os direitos de seus cidadãos não são respeitados e se produz uma sistemática violação, os quais então solicitam proteção de outros Estados que se disponham a acolhê-los.

Artistas pintam em fachadas de antigos armazéns na Orla Conde os rostos de atletas do time de refugiados das Olimpíadas Rio 2016 Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Artistas pintam em fachadas de antigos armazéns na Orla Conde os rostos de atletas do time de refugiados das Olimpíadas Rio 2016
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

E o Brasil é um desses países que busca aumentar o recebimento e acolhimento, pelo menos no plano dos discursos oficiais[2] no qual se encontram quase nove mil refugiados oficiais de mais de setenta nacionalidades distintas, até meados de 2016, e a maioria advinda da África, Ásia (Oriente Médio) e do Caribe, particularmente da Síria, Angola, Colômbia, Congo e Palestina[3]. Por meio de sua legislação específica, ainda ao final do século XX, foi criado o Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), um organismo ligado ao Ministério da Justiça, responsável por analisar e aprovar as solicitações de refúgio, tendo recebido um considerável aumento nas solicitações entre 2010 e 2015[4]. Além disso, existindo uma grande variedade de organizações não governamentais espalhadas pelo território nacional que oferecem uma mínima assistência e proteção aos migrantes e refugiados, normalmente ligados á Igreja Católica (IPEA, 2016).

Por ser um país com dimensões gigantescas, o Brasil acaba por receber uma razoável quantidade de migrantes internacionais por suas fronteiras secas. No caso específico do estado do Mato Grosso do Sul, estes municípios de entrada são conhecidos como locais de passagem, tais quais as cidades de Ponta Porã e Dourados, bem próximas da fronteira com o Paraguai. Por esse motivo, existe uma dinâmica de mobilidade humana em ambas as cidades advindas da região fronteiriça, particularmente de Pedro Juan Caballero (Paraguai)/ Ponta Porã (Brasil), principalmente migrantes da América Latina, e dentre estes se encontram possíveis solicitantes de refúgio. Do mesmo modo que na cidade de Corumbá-MS, bem próximo da fronteira com a Bolívia.

Este texto exibe uma breve análise histórica do movimento de proteção aos refugiados na região latino-americana, a atual situação brasileira neste contexto, as dificuldades encontradas pelos solicitantes de refúgio no Brasil, e por fim, centraliza sua análise no caso específico do estado do Mato Grosso do Sul. O artigo tem como base a política migratória brasileira, com uma abordagem normativa e de relações internacionais. Os resultados da pesquisa apresentados ainda são parciais e buscam expor a (ou a falta dela) política estadual existente para o auxílio e o recebimento dos imigrantes internacionais.

Com essa finalidade, foi realizado um levantamento bibliográfico nacional e internacional, além de pesquisa de campo, enquanto consultas ao Grupo de Trabalho para formação de um Comitê Estadual para Migrantes e Refugiados no Estado (que acabaria se transformando no Comitê Estadual a partir do mês de setembro de 2016), uma coleta de dados, com base em documentos, e uma análise dos resultados alcançados até o momento.

 

[1] Disponível em http://www.projetocolabora.com.br/fotogaleria/geografia-do-refugio.  Acesso em 03.09.2016.
[2]
[3]  Disponível em  http://www.acnur.org./t3/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/  Acesso em 03.06. 2016.
[4] Disponível em  http://www.acnur.org./t3/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/  Acesso em 03.06. 2016.

 

Cesar Augusto Silva da Silva é Articulista do Jornal Estado de Direito – Doutor em Ciência Política pela UFRGS, Mestre em Direito pela UFSC. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Coordenador do Mestrado Interdisciplinar Fronteiras e Direitos Humanos (PPG-FDH) e da especialização em direitos humanos e cidadania da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD.
Paola Nicolau é mestranda em Fronteiras e Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação strictu sensu Interdisciplinar da FADIR –  Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD.

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