Ocupa UFRGS

Coluna Democracia e Política

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Fonte: Ufrgs.br

Fonte: Ufrgs.br

Mobilização nacional

Desde a semana passada,  estudantes ocuparam cursos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Depois de várias ocupações nas unidades do Instituto Federal, as dependências da maior universidade do sul do país fazem agora parte de uma mobilização nacional contra as políticas neoliberais do governo Temer. Na UFRGS até o ultimo dia 8 havia 38 cursos ocupados e a tendência é o movimento crescer cada vez mais e vários colegiados de professores já manifestaram apoio a iniciativa. Os protestos são contra a PEC 241, a reforma do ensino médio e os projetos Escola Sem Partido. “Não tem arrego”, dizem os estudantes.

A primeira ocupação ocorreu no dia 26 de outubro, quando estudantes de Letras ocuparam o prédio do instituto no Campus do Vale. Na manhã do último dia 31 foi a vez dos estudantes da FACED, seguidos pelos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da FABICO, Arquitetura e Urbanismo e outros cursos, acirrando-se na noite . É a reação a uma crise política e um projeto de desenvolvimento que suscita revolta contra as instituições políticas. Os atores alvejados são os de sempre: trabalhadores, estudantes, classes excluídas, que sem serem ouvidas reagem para superar a crise.

A primeira constatação: embora a crise política e os pacotes do governo não tenham as mesmas consequências para todas as classes sociais, são os estudantes, em primeiro lugar, que se deram conta de que elas devem ser confrontadas. A recusa das medidas adotadas pelo presidente Temer, seguramente não engendrarão, na ótica dos estudantes e demais classes vitimizadas, um novo tipo de sociedade, ao contrário, é justamente o movimento autoritário na direção do desaparecimento dos atores mais pobres que os preocupa.  É mesma  questão que atormenta, por exemplo, a esquerda da capital, que face o extermínio de qualquer representante no segundo turno das eleições em diversas cidades, exige a convocação de um amplo debate, como fez recentemente o PT.

O movimento

As vítimas da crise não se calam frente a programas e projetos que encarnam o conservadorismo e o fim dos direitos humanos. A receita da ocupação foi dada pelos movimentos dos estudantes secundaristas das escolas paulistas contra o seu fechamento em 2015. Esse movimento só poderia ter acontecido após os efeitos dos movimentos de 2013, mas não somente. Foi preciso aprofundar o compartilhamento da indignação via redes sociais, grupos de WhatsApp e no cotidiano das escolas. Diferentemente, agora o estopim dos conflitos não é contra diretorias, mas contra medidas do governo central e que resultam nos protestos dos Institutos Federais e da própria UFRGS.

Na UFRGS, eles geram uma dinâmica de organização coletiva que a capital só tinha visto na ocupação/invasão da Câmara Municipal de Porto Alegre. Ali experimentaram a dinâmica de organização coletiva e forjaram novas relações sociais: lá, com políticos, aqui, com professores. Mas o que é fascinante é que foram capazes de romper a lógica consumista individualista do cotidiano e criaram uma sociabilidade baseada na corresponsabilidade: páginas no Facebook organizam o movimento e já pedem doação de alimentos para o movimento se manter de pé.  Pablo Ortellado afirma que “essas novas relações são o que uma tradição autonomista chama de política pré-figurativa, a capacidade de forjar, no próprio processo de luta, as formas sociais a que se aspira, fazendo convergir meios e fins”.

Essas reações fortalecem a dinâmicas dos Diretórios Acadêmicos (D.As), fortalecendo-os. Alguns estudantes são, de fato, vinculados a partidos políticos, mas nem todos; sua ação altera a dinâmica da sala de aula e os estudantes, conscientes dos processos políticos, participam mais inclusive em cursos sem tradição de participação. É o caso da Arquitetura, que declarada ocupada, retoma a vivacidade política que possuía nos anos 70 na capital.

Prédio do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS Foto: UFRGS.br

Prédio do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS
Foto: UFRGS.br

Ocupar cursos é uma ação de empoderamento: os estudantes estão cobrando, mais uma vez como no maio francês, a responsabilidade do governo e das autoridades.  As ocupações são esta pós-graduação a jato que forma milhares de estudantes ativistas, gerações futuras para a política, algo que é essencial para esquerda.

Longa caminhada pela frente

Os grupos ainda estão na sua primeira semana. Eles têm ainda uma longa caminhada pela frente. Terão de estudar suas estratégias, fazer seus movimentos, seja abaixo-assinados, protestos de rua ou passeatas no centro da capital. Em ocupações passadas,   grupos se organizaram na internet para ministrar aulas nos espaços ocupados. Fica a dica.

Sua bandeira de luta provoca atenção, já que se luta contra a redução do investimento em educação e saúde. É um movimento que envolve a comunidade através dos pedidos de doações, e há muito voluntariado na sua organização. Mas os estudantes deverão se preparar. Já é possível observar o braço forte do estado. Na própria UFRGS, na semana passada, uma manifestação foi encurralada na Universidade, que teve seus portões invadidos por policiais. A UFRGS, dias depois, emitiu uma nota de protesto.

Interação e apoio

Uma notável conexão se produz. Grupos paralelos conectam com os jovens, oferecendo seu apoio, integrando o movimento. Intelectuais do grupo Em defesa da democracia e do Estado de Direito ou do Movimento Contra a Mordaça já se manifestaram em seu apoio. Essa sinergia é autêntica, e é também uma estratégia de luta. A Associação dos Juízes para a Democracia emitiu nota em defesa da livre manifestação dos estudantes. E os manifestos dos próprios estudantes são uma autentica demonstração de consciência politica. Na página do Ocupa IFCH, pode-se ler:

“- Estamos vivendo, historicamente, a maior onda de ocupações estudantis do país. Já são mais de mil ocupações secundaristas Brasil afora e diversas universidades e institutos federais também ocupados; todos contra os ataques do governo Temer. Sabemos que a depender do Congresso, do Senado, do STF e do governo, o conjunto dos ataques que vão precarizar as condições de vida da população serão implementadas. A resistência é urgente. Mas se não ganharmos a unidade das trabalhadoras e trabalhadores, para a nossa luta, dificilmente conseguiremos avançar contra a retirada de direitos. Por isso escrevemos esse manifesto. ”

O rumo

De agora em diante, será preciso acompanhar como os grupos em suas ocupações articularão sua organização com suas táticas e como estabelecerão hierarquias nas diversas pautas. A direita já começou a se organizar. Um mandato de segurança impetrado por estudantes de quatro cursos  exige do Reitor uma tomada de posição. A Universidade convocou uma reunião com representantes das ocupações  para resolver o impasse. Não há prazo para terminar o conflito estabelecido, que não é contra estudantes ou contra a universidade, mas contra políticas do governo federal que prejudicam ambos. Por essa razão, a Reitoria marcou uma reunião para o próximo dia 18 de novembro. A negociação é necessária mas a manutenção do movimento também. Reitoria, alunos prejudicados e alunos em ocupação devem chegar a um acordo. E os estudantes devem ter em mente também que a guarda da memória do movimento deve ser um dos objetivos dos estudantes. Os estudantes estão enfrentando mais uma vez o Estado. E não podem fraquejar.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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