É LUTA! Feminismo Camponês Popular e Enfrentamento à Violência

Coluna Lido para Você

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É LUTA!  Feminismo Camponês Popular e Enfrentamento à Violência, de Ísis Menezes Taboas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2018,  186 pp.

O trabalho de Ísis Táboas se enquadra, com rigor, nos parâmetros metodológicos por ela enunciados em estudo anterior presente em obra trazida a público por sua editora (Lumen Juris), diligentemente organizada por Vanessa Dorneles Schinke (A Violência de Gênero nos Espaços do Direito. Narrativas sobre ensino e aplicação do direito em uma sociedade machista, Rio de Janeiro, 2017).

Com efeito, nesse estudo (“Métodos Jurídicos Feministas e o (Des)Encobrimento do Direito no Cotidiano das Mulheres”, páginas 337-354), Ísis, parte das afirmações político-teóricas, que convidam a “refletir sobre o processo de invisibilização das lutas das mulheres por direitos e a instrumentalização da linguagem dita neutra e universal para dissimular e ocultar relações desiguais de poder entre homens e mulheres”.  Lá, como aqui, seu intuito é “evidenciar a existência de desigualdades e introduzir questionamentos sobre a ausência das mulheres produzida no mundo jurídico” e, com intencionalidade política e precisão e especificidade teórico-metodológica, assegurar que a “a entrada das mulheres no campo do Direito não apenas acrescenta novos elementos à ciência jurídica, mas a perturba intensamente”, pensamento que compartilho com Mirla Cisne e a Ísis.

Um pouco dessa dimensão perturbadora aparece em narrativa sobre estratégias para propagandear “bandeiras políticas pelas quais lutam e agregam novas integrantes” que Ísis, juntamente com Letícia Pereira e Rosângela Piovisani, fazem a propósito de protagonismo de mulheres camponesas, organizadas no Movimento de Mulheres Camponesas. Nesse caso, por meio da criação de grupo teatral formado por mulheres do Movimento, para desenvolver empatia e identidade entre artistas e público, durante as apresentações de grupo teatral, transformado em instrumento politico feminista para comunicação e expressão de seu movimento organizado (Resistência e Arte: o teatro do Movimento de Mulheres Camponesas, in SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et alli (organizadores). Série O Direito Achado na Rua, vol. 8: Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação. Brasília: UnB/FAC Livros. 2017, págs, 415-422).

Foto: Blog "O Direito achado na rua"

Foto: Blog “O Direito achado na rua”

No presente livro – É LUTA!  Feminismo Camponês Popular e Enfrentamento à Violência – mais uma obra de referência da Editora Lumen Juris, a autora retoma o tema do feminismo camponês para, segundo suas próprias palavras, transformar “ o relato de experiências concretas de luta das coordenadoras em categorias analíticas sobre o feminismo camponês popular e o enfrentamento à violência doméstica e familiar no campo”. Isso, conforme ela, com vistas a promover “um processo de interlocução entre a academia e o movimento social, buscando colocar as ferramentas acadêmico-científicas a serviço do povo”.

Não por outra razão está presente no livro, em registro de sua 4a. Capa, a certificação dessa pertinência no comentário de Rosângela Piovisani Cordeiro, membra da Direção Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas. De fato ela afirma ter Ísis Menezes Taboas traduzido “com delicadeza, serenidade e fidelidade a vida cotidiana das mulheres camponesas, ao analisar com atenção as elaborações do Feminismo Camponês Popular, trazendo o recorte da luta de classes e a ousadia na construção e organicidade do Movimento das Mulheres Camponesas na luta pelo socialismo como projeto político.”

Em Roda de Conversa com a autora na Universidade de Brasília, no espaço pedagógico da disciplina O Direito Achado na Rua (Pós-Graduação e Graduação em Direito e em Direitos Humanos e Cidadania, Faculdade de Direito e Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB), no dia do lançamento do livro em Brasília, Rosângela Piovisani que teria sugerido a Ísis tomar o tema do enfrentamento à violência contra as mulheres camponesas, como uma contribuição necessária que a pesquisa acadêmica deve aos movimentos sociais, destaca da abordagem da autora, entre aquelas múltiplas e possíveis abertas a diferentes estudos e aproximações, designando-a como uma expressão fiel, política e teoricamente, ao objetivo que se coloca para a liderança do Movimento e para o ofício orgânico do intelectual. Tal como ela escreve em seu comentário ao livro e ao trabalho de Ísis:

“No último período, nós, mulheres da classe trabalhadora, fomos desafiadas a romper o silêncio que nos cerca, estudar, escrever, externalizar, traduzir em linguagem falada e escrita nossos sonhos e rebeldia. Aqui é narrado o que praticamos ao longo da história de luta e resistência das mulheres camponesas brasileiras: os trabalhos da roça, a militância, o saber e poder da cura, a ousadia de enfrentar o machismo e o patriarcado, os sonhos e o desafio de firmar uma organização autônoma feminista de mulheres do campo.”

O livro de Ísis e seu compromisso autoral responde ao desafio posto pelo Movimento e se presta, para além de sua narrativa intrínseca, a ser roteiro para um auditório muito ampliado que abrigue e faça reverberar, a partir desse encontro de vozes que deliberadamente querem romper o silêncio  com o diálogo entre pensamento e ação, em critica que busca responder às exigências da práxis. Algo, lembra a Professora Ela Wiecko V. De Castilho na Apresentação do livro, que tem o mérito de trazer “pela primeira vez, para o âmbito da pesquisa acadêmica esse feminismo popular” e mais ainda “mostrar que ele não é mero objeto de uma pesquisa científica, mas uma via de produção de conhecimento da realidade das mulheres que se identificam como camponesas, por elas próprias”(É Luta!… p. 2). Nesse sentido, é notável a interlocução entre Ísis e Rosângela, realizada por ocasião do lançamento em Brasília, no Programa Diálogos, da UnBTV (É Luta: Feminismo Camponês Popular), conforme link para acesso em complemento a esta edição de Lido para Você: http://bit.ly/2HXOowa.          

O trabalho, conforme se notará promove um “diálogo entre aportes teóricos e os saberes e práticas cotidianas das mulheres camponesas; realiza a tradução dos saberes em outros saberes”. Vale dizer, registra e organiza o dizer e o saber do sujeito protagonista, na sua autenticidade e consoante o sentido interpretativo de seu próprio projeto (vida e sociedade), para promover uma interlocução entre os saberes que os movem, o do senso comum comunitário e o acadêmico, ambos aspirando a um conhecimento que deles se projete com o máximo de enunciado explicativo-compreensivo.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Esse objetivo se enquadra no propósito designado pela autora: “As reflexões são contextualizadas na realidade camponesa, descrita pelas coordenadoras do Movimento. Assim, é a práxis histórica (ação-reflexão) das próprias mulheres camponesas, no seu trabalho de construção do Feminismo Camponês Popular e de enfrentamento à violência doméstica e familiar, que se expressa em teoria. ‘É o real que filosofa’, como diria o Karel Kosík”.  

Daí, a meu ver, a riqueza e a singularidade do trabalho. Com esse diálogo, a autora exterioriza conceitualmente os achados constituídos ontologicamente, enquanto categorias com disponibilidade realizadora (o filosofar), para que os conteúdos, expondo-se pela práxis, se exibam (realizem-se).

A simples vista do Sumário da Obra, denota, nos capítulos 1 e 2, esse enlace. No capítulo 1, “É luta!”: o Movimento de Mulheres Camponesas, esse processo é exposto, com simbologia e mística (para adotar uma expressão tão própria aos movimentos camponeses):  “Afirmação de muitas histórias”: processo de construção; “A cor lilás, o chapéu de palha e o lenço”: mística e simbologia; “A sementeira”: militância e organização; “Bandeiras de luta”: agenda política; “Da indignação à liberdade”: enfrentamento à violência domestica e familiar.

 E logo a seguir, no capítulo 2 – “Diálogo dos saberes”: a dimensão teórica do Movimento de Mulheres  Camponesas – o modo quase poético, claramente metafórico, trazendo a novidade de uma categorização conduzida pelo discurso dos sujeitos (das “sujeitas”) para fazer fluir a análise: “Produção, território e compromisso com o Projeto” a categoria campesinato; “Luta, força e trabalho”: mulheres camponesas; “Homem e cachorro na estrada; mulher e gato em casa”: a categoria histórica de análise de gênero; “Mulher guerreira”: relações de gênero e poder no campo; “A mulher como um avestruz”: a opressão feminina pelo patriarcado; “Oxigênio que dá vida ao sistema”: a relação simbiótica patriarcado-racismo-capitalismo; “Presas à mesma teia”: violência doméstica e familiar; “Reconhecimento e condições reais”: Lei Maria da Penha e Tratados Internacionais.

O estudo de Ísis Menezes Táboas fomenta a disposição analítica para captar o movimento de transformação do social operado por práticas de mobilização e de organização que levem a modos emancipatórios de protagonismos, na medida em que desvendem as formas de sujeição dos sujeitos em movimento. No caso do feminismo camponês, Ísis identifica, com os autores e as autoras do pensamento crítico decolonial, a simbiose patriarcado-racismo-capitalismo que asfixia a vida no interior do sistema, para designar as situações reprodutoras de violência e as condições de reconhecimento e de ativismo real aptos a modificar essa realidade, na direção emancipatória.

O que ela propõe, na mesma linha de, juntamente o que eu próprio escrevi com Lívia Gimenes da Fonseca, e essa autora ela mesma desenvolve em estudo específico, aprofundando essa elaboração, é um processo de transformação, no qual as práticas de organização feminista decolonial sejam capazes de se abrir para os aprendizados coletivos entre as mulheres, por meio de trocas interculturais,  em contextos de diálogos horizontais no qual não se busque uma resposta única para a superação do patriarcado moderno, mas que constrói relações de uma rede de solidariedade e de práticas coerentes de respeito às vivências coletivas diversas” (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; e FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. O Constitucionalismo achado na rua – uma proposta de decolonização do Direito. Revista Jurídica  Direito e Práxis, UERJ: vol. 8, n. 4 (2017); FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. Despatriarcalizar e decolonizar o Estado brasileiro – um olhar pelas políticas públicas para mulheres indígenas. Tese (Doutorado em Direito). Brasília: Universidade de Brasília, 2016, p. 182).

Voltando ao título do livro de Ísis Menezes Táboas, é preciso registrar que a luta social de sujeitos coletivos por libertação, tal como constata o programa de estudos e de pesquisas desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq), do qual Ísis faz parte, se expressa como fenômeno jurídico que tem a potência de realizar um poder constituinte aberto e soberano que se atualiza constantemente sem se fechar nas estruturas normativas estatais. Desse modo, apesar de na atualidade as coletividades travarem as suas lutas sociais na disputa interna da estrutura estatal, o que se coloca no horizonte é a busca pelo rompimento das colonialidades que a sustenta, base para um Constitucionalismo Achado na Rua (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; e FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. O Constitucionalismo achado na rua – uma proposta de decolonização do Direito. Revista Jurídica  Direito e Práxis, UERJ: vol. 8, n. 4 (2017).

Pode se dizer, aliás já o fizemos Antonio Escrivão Filho e eu próprio (ESCRIVÃO FILHO, Antonio e SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Para um debate Teórico-conceitual e político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: D’Plácido Editora, 2015, pág. 106), trazendo à baila a reflexão de Ísis Taboas, que se está adiante de um “giro epistemológico feminista (que) se apresenta desde um potencial transformador cujos resultados ultrapassam a própria fronteira dos direitos das mulheres, para incidir de modo estrutural na reformulação de toda a teoria do direito e dos direitos humanos, através da atividade social e científica protagonizada por mulheres negras, latinas, camponesas, lésbicas e outras mais”.

E é assim que Ísis, neste giro epistemológico feminista, fecha o seu trabalho, afirmando (veja-se o Capítulo 3 –  “Dando vida à teoria”: a práxis do Movimento de Mulheres Camponesas para o enfrentamento à violência domestica e familiar), tal como demonstra em todo o desenvolvimento da obra, que é o Movimento Social (MMC) que se constitui como sujeito coletivo de direitos em sua condição de potência política portadora de uma capacidade instituinte de direitos, num duplo e simultâneo processo: desenvolver no social, novas formas de organização, de mobilização e luta feminista, popular e camponesa capazes de fundar e fomentar a construção de direitos humanos; e no plano comunitário, de viver sem violência doméstica e familiar.

 

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José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil , Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

 

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