O extermínio do servidor público em nome do mercado

Coluna Democracia e Política

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Sessão extraordinária para apreciação de projeto do Executivo que trata do aumento da alíquota da previdência dos servidores municipais. Foto: Ederson Nunes/CMPA

Sessão extraordinária para apreciação de projeto do Executivo que trata do aumento da alíquota da previdência dos servidores municipais.
Foto: Ederson Nunes/CMPA

Instrumentos do avanço neoliberal

Os acontecimentos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e da Câmara Municipal de Porto Alegre desta última quarta-feira(5/7) guardam uma notável conexão entre si. Ambas instituições políticas democráticas serviram de instrumento para o projeto neoliberal em implantação no estado e na capital avançar a passos largos; ambas instituições mostraram  a força do capital sobre os interesses de cidadãos e servidores públicos; ambas mostraram que mesmo a união das esquerdas não é suficiente para barrar iniciativas que ferem direitos para beneficiar o mercado. A lição é que a esquerda precisa repensar suas estratégias politicas para defender a democracia das instituições.

A aprovação pela Assembleia Legislativa por 29 votos a sete do projeto de lei 88/2017, do Executivo, que permite elevar a concessão de incentivos fiscais para os setores de implementos rodoviários e automotivo foi votado com abstenção da esquerda. PT e PCdoB, que juntos representam 13 votos, se abstiveram de votar porque não houve discussão devido ao regime de urgência.  Da esquerda, somente votou contra o deputado Pedro Ruas (PSol). Segundo o site do jornalista Felipe Vieira “os demais foram de deputados de siglas independentes: Juliana Brizola e Enio Bacci no PDT, Luis Augusto Lara e Marcelo Moraes no PTB e Regina Becker (Rede). O sétimo voto contrário foi dado por um integrante da base governista, o deputado Marcel van Hattem (PP).” A oposição ao pacote do governo partiu de Ruas e dos pedetistas. Segundo o site o deputado do PSol comparou os montantes concedidos e a economia que o governo anunciou a partir da extinção de fundações estaduais, e deu destaque para os incentivos que são concedidos a empresas de grande porte.

Projetos aprovados

O que estava em jogo no projeto aprovado pela Assembleia? A defesa da renúncia fiscal para aumentar o lucro das grandes empresas. São recursos que deixam de ir para a área social, educação, segurança e cultura para alavancarem o capital. A estratégia faz parte do projeto do PMDB no governo estadual de promover o lucro das empresas em detrimento da questão social. Qual era a proposta de José Ivo Sartori quando se apresentou como candidato? Combater a dívida pública, que então passava dos 50 bilhões. Que faz Sartori? Envia para a Assembleia um projeto que reduz o ingresso de receitas ao Estado pelas renúncias fiscais. Como se sabe, elas já são alvo de apurações do Ministério Público Estadual e de outros órgãos. Hoje, o Estado já  concede cerca de R$ 9 bilhões ao ano em incentivos e isenções ao setor empresarial. Graças a Assembleia Legislativa vai conceder ainda mais.

A aprovação pela Câmara Municipal por 20 votos favoráveis e 6 contrários do projeto que amplia a alíquota previdenciária de 11% para 14% foi votado com a ausência dos vereadores do PT e do PSol. Mas o que aconteceu na Câmara foi mais complicado do que o que aconteceu na Assembleia. Reportagem do Jornal SUL21 descreve que no Plenário os servidores respondiam aos vereadores com gritos “eu contribuo”. Como afirmou a vereadora Fernanda Melcchionna (PSOL), o governo veio com o mesmo discurso de que “não tem dinheiro por conta dos salários dos servidores”. Para os servidores, o projeto é um confisco. Porquê? A Vereadora Sofia Cavedon (PT) lembrou que a LC 478 estabeleceu em 2004 que a contribuição dos servidores seria de 11% e da Prefeitura, 22%. O Conselho Administrativo do Previmpa afirmou que o órgão é superavitário e que qualquer déficit é de solução ao longo do tempo, e não de forma imediata.  Afirmou que “o Conselho lembrou ainda que um estudo técnico que analisou cálculo atuarial concluiu que não havia gravidade na situação que justificasse o aumento da alíquota”. Além disso, a Procuradoria da Câmara de Vereadores se posicionou contrário ao reajuste porque não havia cálculo atuarial.

O governo reagiu. Seu líder na Câmara Municipal, o Vereador Cláudio Janta (SDD), apontou o déficit, o que o governo despende é de 658 milhões, valor do aporte da Prefeitura à Previdência dos servidores.  Sua manifestação e provocação das galerias terminou por provocar a ocupação do Plenário pelos servidores. Porque os servidores ocuparam o plenário? Por indignação. O problema é que não é favor do Prefeito contribuir com a Previdência de seus servidores, é obrigação estabelecida pela LC 478 . Quer dizer, os servidores pagam a sua parte mas a Prefeitura não quer pagar a dela. Qual a opção de Marchezan? Repassar o que é sua obrigação para o servidor, aumentando a alíquota dos servidores que também não tiveram reajuste salarial devido. Não reajusta o salário mas aumenta a contribuição, nada mais perverso.

Foto: Ederson Nunes/CMPA

Foto: Ederson Nunes/CMPA

O que estava em jogo no projeto aprovado na Câmara de Vereadores? O confisco da renda dos servidores pelo Prefeito. São recursos que são obrigação do Prefeito em aportar ao Previmpa, é a sua responsabilidade que ele repassa para os servidores. A estratégia faz parte do projeto do PSDB no governo municipal que visa retirar os direitos dos servidores para implementar na Prefeitura o modelo gerencial nos moldes do mercado. Nesse modelo, a Prefeitura é administrada como uma empresa. Qual era a proposta de Nelson Marchezan quando se apresentou como candidato?  Em seu programa, assinala no item Valorização dos Servidores (p. 8):”Não existe resultado, nem eficiência, sem o comprometimento dos servidores públicos. O comprometimento é resultado da valorização por parte da instituição a que servem. Os servidores são peça fundamental em qualquer processo, e precisam ter condições para estarem em seu melhor estado, para assim prestarem o melhor serviço à população.” Que faz Marchezan? Envia para a Câmara Municipal de Porto Alegre um projeto que aumenta a alíquota da contribuição do servidor para o Previmpa, onerando-o. É assim que valoriza servidores? É assim que pretende dar condições para os servidores estarem em seu melhor estado? O discurso de candidato é um, a prática é outra.

Vergonha

O dia foi vergonho mais para a Câmara Municipal do que para a Assembleia por duas razões. A  imagem de 27 vereadores reunidos na sala 301, no terceiro piso do legislativo, em sessão extraordinária fechada ao público convocada por e-mail, sob a proteção do Pelotão de Choque na calada da noite  evocou, pela primeira vez desde a abertura politica, a memória das reuniões secretas da Câmara Municipal realizadas durante o Regime Militar. Para seu presidente, isso precisava acontecer porque o legislativo foi desrespeitado e com a invasão a matéria precisava ser vencida “Quando se viola o parlamento, se viola a democracia”, afirmou.  Para mim a invasão do Plenário foi um erro dos servidores mas a reunião a portas fechadas foi um erro pior porque manchou a história da instituição. Ambos expressam a falta de diálogo de nossos tempos: dos servidores, com os espaços democráticos, dos vereadores, com o desejo dos servidores por respeito por seus direitos. Havia para o Presidente uma terceira opção: realizar a sessão em outra data, como aconteceu com vários projetos polêmicos. Porque? Porque a invasão teve  atenuantes no comportamento da milicia do MBL e da atitude do Vereador Claudio Janta, ambos provocando os servidores. Seu Presidente poderia ter considerado a opção mais sensata, a de adiar a votação, como já aconteceu com projetos polêmicos. Sua decisão de finalizar o processo deu vitória ao MBL, grupo alienígena ao debate e favorável ao governo, responsável pelo acirramento dos ânimos dos servidores públicos e dos vereadores da base do Prefeito, que assim garantiam a retirada de 30 milhões dos servidores.  Votaram em apoio ao governo e contra os servidores os vereadores Alvoni Medina (PRB), Cássio Trogildo (PTB); Clàudio Janta (SDD), Comandante Nádia (PMDB), Felipe Camozzato (Novo), Idenir Cecchim (PMDB), João Carlos Nedel (PP), José Freitas (PRB), Luciano Marcantônio (PTB) , Mauro Pinheiro (Rede); Marília Fidel (PTB), Matheus Ayres – (PSDB), Mendes Ribeiro (PMDB),  Moisés Maluco do Bem (PSDB), Mônica Leal (PP), Paulo Brum (PTB), Professor Wambert (Pros), Reginaldo Pujol (DEM), Rodrigo Maroni (PR),  Valter Nagelstein (PMDB). Votaram a favor  dos servidores e contra o Prefeito os vereadores Airto Ferronato (PSB), André Carús (PMDB); Cassiá Carpes (PP), Dr. Thiago (DEM), João Bosco Vaz (PDT), Paulinho Motorista (PSB). Mauro Zacher (PDT) se absteve. O PT e o PSOL não reconheceram a sessão extraordinária como legal e por isto não participaram, sendo que até a edição deste artigo, o PT foi o único a publicar uma Nota de Repúdio.

Análise e apontamentos

Reuni-me com estudiosos dos procedimentos da Câmara Municipal para analisar o que aconteceu. Eles questionaram a aprovação do projeto do executivo por ter sido aprovado através de  um ritual informal de poder que substituiu procedimentos públicos por procedimentos privados. Para o Mestre em Ciências Criminais  Tiago Cruz, se levado ao limite o procedimento “o que impede de agora em diante que sua excelência, o Presidente do Legislativo, convoque vereadores que quiser para aprovar os projetos de interesse do prefeito na Casa?” Esse é o problema do Prefeito ter maioria, sentenciam. Salvo maior juízo, os intelectuais consultados não veem como possivel reconhecer a validade da reunião extraordinária pelo precedente que instala: um mandato é regido por regras, não pode inventá-las no meio do caminho, sentenciam. Não se inventa reunião onde bem se quiser e a hora que quiser. Há rituais. O Presidente poderia transferir a data e não o fez e por isso, precisa explicar melhor a sociedade e aos servidores sua atitude. Por isso se exige servidores públicos atuantes e qualificados capazes de apontar as eventuais irregularidades regimentais dos procedimentos que o calor do momento pode provocar, afirma o doutor em história Thiago Moraes “precisamos valorizar servidores não porque sua função é um privilégio, mas porque tem autonomia para combater ilegalidades porque não estão expostos a pressão dos governantes de ocasião”. Para a mestranda em educação Debora Fleck  faltou publicidade prévia a sessão. Os estudiosos são unânimes em afirmar que os vereadores estavam em seu direito de se reunirem a portas fechadas, inclusive sem assistência ou sem público, mas lamentam que isso tenha ocorrido do jeito que ocorreu porque criou o  problema da publicidade prévia: para os pesquisadores consultados,  não foi suficiente, e portanto, toda a reunião é  passível de questionamento junto aos órgãos competentes. Pode-se considerar um aviso de reunião um e-mail emitido minutos antes da reunião, questionou a Vereadora Fernanda Melchionna com razão em vídeo postado na internet. O espirito da lei é que a comunicação aos vereadores deve ser feita com antecedência, mas também inclui a ideia de que a comunicação deve ser feita também à sociedade com antecedência. A sociedade precisa saber que mesmo sem sua participação, mesmo a portas fechadas, uma reunião será feita na Câmara Municipal, o que não ocorreu. Como o exíguo prazo da emissão do e-mail poderia ser acessado pelo vereador, por sua assessoria ou qualquer cidadão se já era noite e o expediente havia terminado, questionam os pesquisadores consultados. Com a palavra, os senhores vereadores.

Mas existe outra razão pela qual os acontecimentos desta quarta-feira foram vergonhosos. Esta razão é um pouco mais complicada. Por que uma situação é vergonhosa? A vergonha é um estado de consciência do comportamento desonroso, de uma ação condenável moralmente.  Na minha opinião, os vereadores com sua ação de votar da forma como foi feita afetou a dignidade da instituição:  os vereadores expuseram publicamente que para fazer valer os objetivos do Prefeito contra servidores são capazes de ocultar-se na noite sob a proteção policial pesada. Porque eu considero a aprovação do projeto da alíquota vergonhoso para a instituição? Porque ela impõe uma violência a um grupo vulnerável, no caso, o servidor público concursado. Ele é vulnerável porque ele deve se submeter a quem quer lhe fazer mal. Por isso os servidores em uníssono diziam aos vereadores favoráveis ao projeto que “deviam ter vergonha de si mesmos”, querendo dizer que eles cometeram algo que desonra a Casa. Que valor foi violado pelos vereadores que é sinônimo de vergonha? O valor que diz que os servidores são objeto de proteção de seus governantes, que os valorizam e apoiam: a aprovação do projeto foi percebido pelos servidores como um elemento a mais na política de agressão do Prefeito a seus servidores, o contrário que esperam de seu governante, do qual se  esperam atenção e amparo. Porque os servidores apontam o sentimento de  vergonha para os vereadores? Para estabelecer limites a atuação do vereador, para lhes mostrar que precisam serem respeitados, que existem ações que são vistas como moralmente erradas, como expor servidores à execração pública, como faz o Prefeito.

Discussão e votação de projeto do Executivo a respeito do aumento da alíquota da previdência dos servidores municipais. Na foto, manifestantes entram no plenário durante a sessão. Foto: Ederson Nunes/CMPA

Discussão e votação de projeto do Executivo a respeito do aumento da alíquota da previdência dos servidores municipais. Na foto, manifestantes entram no plenário durante a sessão.
Foto: Ederson Nunes/CMPA

Protagonista do mal

A aprovação do projeto do prefeito foi vergonhoso porque a Câmara Municipal foi protagonista de um mal, um mal contra servidores públicos dedicados. Roger Scruton, em Uma filosofia política (É Realizações, 2017) dedica o capítulo 10 a natureza do mal. Scruton inicia pela constatação de que o sofrimento existe porque existem más ações, maus pensamentos, maus desejos e más pessoas “situações só podem ser consideradas más se alguém for culpado por elas”, afirma (p.215). A razão está exposta na Critica da Razão Prática de Kant: “bem e mal sempre pressupõem uma referência à vontade”. Scruton lembra que Mefistofeles quer roubar e destruir a alma de Fausto: “Porém, essa palavra (alma) é apenas outro nome empregado para se referir ao profundo mistério da liberdade individual”, diz Scruton.

Havia algo de maligno na imagem da votação secreta da Câmara porque eram vereadores votando um projeto que produz sofrimento nos servidores públicos, um projeto que quer afetar a liberdade do servidor pela redução salarial que impõe. O projeto do prefeito lhes tira a liberdade de agir. Não foi assim com o parcelamento salarial feito pela primeira vez pela Prefeitura Municipal pelo governo? Isso não limita as suas ações? Talvez o termo “alma” aqui seja melhor do que a opção de liberdade individual defendida por Scruton. O efeito da votação é maligno porque significa produzir o mal aos servidores, afetando não apenas sua vontade mas a sua alma, o seu espírito, a sua vontade de ser. Não é maligno o fato da destruição do espírito de dedicação pública dos servidores seja o principal efeito das medidas do atual governo municipal que, ao contrário do que defendeu em sua campanha,  desvalorizam servidores? Ora, a construção de um verdadeiro espírito público, a verdadeira alma do servidor que se dedica e sente prazer em prestar o bom serviço público é algo que leva uma existência para ser construída, muitos anos. O que presenciamos desde o inicio do atual governo municipal é a destruição do espírito público por sucessivas ações malignas que criam no imaginário local a ideia de que servidor municipal é o bode expiatório das mazelas da cidade, quando não o é.

Não são fatos isolados

Os fatos da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal de Porto Alegre não são isolados. Hoje, governantes de norte a sul, Prefeitos, Vereadores e governadores  do país agem como Iago, o vilão de Otelo, de Shakespeare, lembrado por Scruton. São autoridades políticas que, por meio de suas ações, querem destruir os servidores públicos de norte a sul do país “não há motivo suficiente além do desejo de realizar esse ato terrível e que não há suplica nem argumento que possa desvia-lo de seu caminho”(p. 217). Há prefeitos que agem como Iago, com sua maldade direcionada aos servidores públicos, como o Prefeito Rafael Greca (PMN) que reprimiu pelo uso da polícia e bombas lançadas por helicópteros no último dia 26 de junho os servidores públicos quando se manifestavam contra as medidas de ajuste fiscal também chamado, por essa razão, de …”pacote de maldades”. O que dizer do Prefeito João Doria que autorizou a retirada de colchões de moradores de rua por decreto no mês de janeiro deste ano? Isto não é um ato genuíno de maldade?

Scruton diz que isso acontece porque, como na alma de Iago onde  há nela um vazio, uma insignificância, hoje os políticos são a negação da política. Mas há outra forma de ver a questão do vazio politico. Para mim, governantes que agem assim, que desprezam seus trabalhadores, também contém em sí um vazio, mas é um vazio não da politica, mas da liderança política. Que se espera de um político? Que ele saiba liderar, que saiba as necessidades da sociedade e de seu corpo de servidores para exercer proteção. Que faz um político maligno? Ele é egoísta, só pensa em si mesmo, em seus interesses, em honrar seus pactos que lhes garantem vantagens junto ao Executivo e suas ações são apenas formas de abandonar a sociedade e seus servidores a sua própria sorte. Basta verificar o tempo que o governante gasta com propaganda ou com as redes sociais, esse templo do narcisismo político e que tem-se transformado, naquilo que a filósofa Marcia Tiburi chamou de “ridículo politico”. Não é o caso do Prefeito João Dória com suas frequentes ações de mídia, ora vestido como lixeiro, ora pixando muros, o exemplo de governante que pensa somente em si mesmo e não na comunidade que deve proteger ou dos servidores que deve amparar?

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Hoje, governantes e políticos por todo o pais estão colocando a população contra servidores públicos em uma cena digna do Inferno de Dante. Pior é que neste inferno, eles estão conseguindo colocar os servidores públicos uns contra os outros nas imagens de servidores da Brigada Militar enfrentando e reprimindo seus colegas servidores. Hoje, os servidores públicos municipais  sentem uma certa familiaridade com cenário demoníaco de Dante, sente-se que vivem numa nova Idade Média exatamente porque, novamente, há uma caça às bruxas em andamento.  E os servidores públicos municipais se tornaram a bruxa da vez, o bode expiatório da sociedade.

Tanto a Câmara Municipal quanto a Assembleia Legislativa contribuíram para esta fratura do mundo politico, que é, de certa forma, o começo do extermínio do serviço público como já vemos acontecer no governo estadual em nome das leis do mercado. Não é disto que se trata, de que os projetos neoliberais em andamento no estado e na prefeitura que estão exterminando direitos, exterminando categorias sociais diversas de servidores públicos ao impor  medidas neoliberais e adotando as lógicas de mercado que visam dar tudo ao capital e nada a sociedade ou a seus trabalhadores? Que visam retirar todos os direitos dos servidores públicos para em nome da terceirização? Essa política tornou-se maligna exatamente porque assumiu em seu corpo a lógica e o pensamento daquele que realmente é a encarnação do mal hoje… o mercado!

Conclusão

Estamos diante do processo de extermínio da função pública, da alma pública, em andamento em nosso país. Por todo o lado de norte a sul servidores públicos concursados hoje ocupam o lugar dos prisioneiros de Eichmann retratados por Hannah Arendt ”são tratados como coisas, humilhados, degradados, reduzidos a uma condição de carência absoluta e extenuante, sem receber apoio algum, algo que os privava dos últimos vestígios de liberdade”. A descrição de Scruton dos prisioneiros de  Auschwitz, o exemplo não se encaixa como uma luva para descrever o sentimento dos servidores públicos do governo Pezão ou José Ivo Sartori ?

Hoje, o estado se tornou um grande campo de extermínio de servidores, seja real pela expulsão de servidores (Saskia Sassen) pelo incremento de aposentadorias e demissões, seja simbólico pelo fim da vontade de trabalhar,  desaparecimento considerado necessário pelos governantes que assumiram para sí, exatamente como nas figuras de possessão, o espirito do capitalismo de mercado. Pois é preciso exterminar o estado que foi construído para que o mercado possa se afirmar, é preciso expulsar seus servidores para que parcerias público-privadas possam ocupar o seu lugar, penetrar em seu interior, se apossar definitivamente do corpo estatal produzido pela sociedade para apropriação privada de lucros. Não é essa a face perversa da terceirização do serviço público, onde trabalhadores com menores remunerações garantem a um empresário o lucro desmedido? Não é essa a intenção da transferência da administração de órgãos públicos da cultura para terceiros àvidos por lucros?  E não há os casos paradoxais de que Prefeitos deram inicio a licitações para contratar… professores, uma atividade fim, pela simples desculpa de que….é mais barato?

As medidas em andamento pelo governo Pezão, José Ivo Sartori e outros prefeitos guarda semelhanças com as ações dos campos de extermínio porque são iniciativas que visam não apenas causar sofrimento nos servidores públicos, mas também, foram planejados para eliminar a sua alma, corroer sua dedicação e esforço pela coisa pública: “Uma vez destruída a alma, a destruição do corpo não seria mais percebida como assassinato, mas apenas como uma espécie de controle de peste. Para mim, esse é o paradigma do mal: a tentativa ou o desejo de destruir a alma do outro, de modo que seu valor e seu sentido sejam apagados. Portanto, o torturador quer que a vontade, a liberdade, a consciência e a integridade de sua vítima sejam destruídas pela dor (…) ele  usa o corpo para destruir a alma e se regozija com a ruína e a humilhação que pode provocar por meio da dor”, diz Scruton.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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