Sense 8 é aqui!

Coluna Democracia e Política

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Foto: Wikipedia

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In-sensatez

O que poderiam ter em comum Michel Temer, Nelson Marchezan Jr, José Ivo Sartori, Sérgio Moro, João Doria, Marcelo Crivella, Gilmar Mendes e Rodrigo Maia?. A princípio, nada. Mas como no seriado Sense 8, é como se o cérebro deles estivesse interligado emocional e psiquicamente como os personagens das irmãs Wachowski, mas, ao contrário deles, chamados sensatez, nossos políticos, por suas ações, pudessem ser chamados de in-sensatez.

O critico Alexis Parrot lembra que no seriado, os sensatez “são o que são porque descendem de uma mutação genética do homo sapiens, o homo sensorium”. Ao contrário, nossas lideranças descendem do homo economicus, fazem tudo para a defesa dos interesses do Capital e com essa característica de DNA, suas ações estão sempre em conexão entre si, o que os transforma num grupo. Como os protagonistas da série, é como se entrassem “em rede”, em contato, mesmo estando em diferentes estados da federação, pois encarnam a ideia de que a rede de interesses substitui a rede humana. Sua capacidade de produzir ações similares, espetaculares, para deleite das elites, à revelia de qualquer defesa de direitos,  metodologia de agir sobre o estado que o transforma em refém dos postulados neoliberais, essa aplicação da lógica da mercadoria, em completa sintonia, não lembra os personagens do seriado funcionando como um grande organismo simbiótico? Enquanto os sensatez do seriado são uma metáfora da globalização sem fronteiras, nossos in-sensatez são a metáfora da política sem fronteiras: a diferença é que, enquanto os personagens das irmãs Wachowski lutam contra diversos tipos de fascismos, os nossos os produzem: eles são a anti-política democrática.

Vida real ou Sense 8

Estamos exatamente no momento da segunda temporada, tanto no seriado quanto na vida real. Nossa realidade também não virou um thriller policial exatamente como a nova temporada, com direito à perseguição à Lula e ataques de morteiro em Curitiba contra trabalhadores? Nossos personagens não estão no meio de um tiroteio da mídia, da opinião pública e dos movimentos sociais? Nossos in-sensatez tem um poder único, a capacidade de destruir direitos sociais conquistados, e são, como afirma Parrot, uma espécie de Wolverine  do mal. Não foram deixados cegos do lado de fora da Prefeitura de Porto Alegre quando reivindicavam direitos? Não foram retirados os cobertores de moradores de rua pela Prefeitura de São Paulo? Não foram fechadas 12 das 22 vilas olímpicas que atenderiam crianças  e adolescentes no Rio de Janeiro? Isso tudo é ser…Wolverine – mas do mal!

Essa similaridade, essa comparação, típica dos estudos zizekianos, é necessária para dar sentido a ações sem sentido. É preciso ver como se conectam interesses, mostrar como decisões políticas de instituições diversas encarnam afinidades ideológicas: enquanto que no seriado os humanos rejeitam os diferentes, onde os sensatez são perseguidos, na vida real os nossos in-sensatez abusam do autoritarismo, defendem o empresariado e o capital financeiro, temem a democracia e a liberdade de opinião. A OPB (Organização de Preservação Biológica), que faz as vezes de Gestapo, é substituída na vida real pelo próprio poder judiciário e poder legislativo. O poder judiciário, com sua opção preferencial pela investigação dos crimes de integrantes do PT, deixando de lado os crimes de integrantes do PSDB e o poder legislativo,  na figura da Câmara dos Deputados, vemos a opção de seus dirigentes claramente pela defesa do mandato de um Presidente ilegítimo, com a recusa de pedidos de impeachmet para um acusado em delação pública com fartas provas. Há outros níveis, entretanto. Quanto do Tribunal de Contas do Estado publica um estudo que põe em destaque a necessidade de intervenção na rede escolar de Porto Alegre para atingir “indicadores”, não é a própria autonomia da escola que é atingida?Não é notável afinidade desta ação com os objetivos do secretário municipal de educação? São alianças estabelecidas entre atores cujo único objetivo é servir a dominação do capital.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Outro ponto de ligação importante entre a série e a realidade é a sexualidade . Ela tem uma presença importante na série criada pelas irmãs transexuais Lana e Lilly Wachowski. Os sensatez são interligados mentalmente e podem vivenciar o que o resto do grupo está sentindo. O seriado é sobre ligações humanas e o sexo é um tipo de ligação, dizem as irmãs Wachowski. A realidade de nossos in-sensates tem sexo também, uma sexualidade simbólica, a necessidade de tirar prazer da nossa sociedade, de gozar, extrair dela seu rendimento é o que lhe produz prazer. Não é o que dizemos quando afirmamos na linguagem comum que os “políticos fodem a sociedade”, não é essa interligação que nossos políticos in-sensates tem entre si que os une? Como no episódio da primeira temporada, onde os sensatez realizam uma orgia que ultrapassa todos os limites do espaço, na vida real, a orgia é dos órgãos e atores das mais diferentes instituições e nível de governo. Imagine a cena dos sensatez na versão…in-sensatez!

Pelo fim da temporada de horrores

Foi a jornalista Duanne Ribeiro que publicou no site Capitu análise sobre o cancelamento de Sense 8. Ribeiro critica a interpretação do seriado que diz que ele encerrou porque a serie não dava lucro, o que leva a conclusão de que, ao final das contas, “cidadania é consumo”. Com o cancelamento, manifestos na internet e ações foram marcados  “a aposta comercial da empresa se baseia em certo cenário cultural construído não só pelos seus assinantes como pelos militantes (…) o ativismo vende(…)defesa de direitos sociais ou de rupturas comportamentais podem, para a Netflix, de fato não significar nada (ou só potenciais ativos ou passivos de um produto comercial); mas os valores moldam como os objetos culturais conseguem penetrar na sociedade“.  Na vida real, é exatamente o contrário, nossas manifestações sociais, nossa ocupação das ruas é para que nossos in-sensatez encerrem sua temporada de horrores: que encerrem sua politica de privatização, de que terminem com seu processo de esmagamento dos servidores públicos e das instituições: não é exatamente um novo capitulo de temporada de nossos in-sensatez  essa ligação entre o voto de Gilmar Mendes pela absolvição de Michel Temer, não há ai uma ligação notável e extracorpórea entre os personagens da política e do judiciário? Na realidade, a aposta dos atores políticos é equivalente, ela diz “política é interesse” e cumpre o mesmo papel do que para os produtores diz “cidadania é consumo”. Mas nossos in-sensates não podem fugir das manifestações da vida real tanto quanto a Netflix tem de suportar as manifestações de rua: elas são o dedo em riste da critica moral, da exigência de uma sociedade por algo novo, seja da qualidade da política, seja da qualidade da mídia.

Sentimento primordial

O psiquiatra Guilherme Spaldini, da USP, em um artigo publicado no Huffpost,  assinala que a questão do seriado é  sobre a aceitação alegre do outro, daí seu progressismo “ Progressismo é a afirmação alegre de valores como respeito, liberdade, aceitação, autodeterminação. Os personagens de Sense 8 conseguem sentir o que o outro sente, intimamente. Por isso, não se odeiam, não se culpam, não se acusam. A cena mais emblemática é a “orgia mental” que todos experimentam no episódio 6. Cada um na sua, mas unidos em uma experiência comum, humana, uma espécie de “forma platônica” da sexualidade, que não reconhece barreiras.” Como não relacionar com nossos in-sensates, exatamente porque eles “ sentem o que o outro sente” eles agem do modo que agem: todos estão afinados com os interesses do capital e da mesma forma, “não se odeiam, não se culpam, não se acusam”. Sabe-se que o resultado do julgamento da chapa Dilma-Temer terminará por absolve-los da ação do PSDB: nada mais representativo de uma orgia sem barreiras da política, que chega ao judiciário, cada poder na sua mas contribuindo para manter o capital financeiro exatamente ali onde está.

O sentimento de se colocar no lugar do outro é primordial na relação entre os oito integrantes do grupo e é o que os mantém vivos. Em uma conversa, Sun e Riley se lembram como há um ano estavam em posições trocadas e chegam à conclusão de que “estão no mesmo lugar”. Esse simbolismo não é exatamente o mesmo das classes dominantes, simbolismo da afirmação da empatia, não é também o sentimento das classes médias  que em 2013 estavam na rua exigindo mudança e que agora estão no mesmo lugar? Não bastasse os problemas do governo Dilma em ceder cada vez mais as grandes corporações, a troca de lugar com Temer não significou aprofundar mais ainda um projeto em andamento, agudizar um processo de tomada do estado pelos interesses do capital? Não foi o que vimos com as denúncias da JBS, de que teria comprado dezenas de deputados?

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Outro momento do seriado que ecoa na realidade é quando as personagens Nomi e Amanita, um dos casais da série, conversam e  Nomi se mostra preocupada com o rumo que a vida da parceira tomou por conta dos seus problemas, Amanita então responde que “ninguém tem o controle de escolher quais situações vai passar na vida, mas que temos o poder de decidir como vamos encarar essas situações”, esta não é a posição que resta a esquerda e aos movimentos sociais? A cada nova vitória da direita, resta a esquerda refletir como irá encarar a situação: ela pode fazer a opção conservadora, como fez com a eleição de Gleisi Hoffmann para a presidência do PT, o principal partido de oposição, num claro aceno a manutenção das coisas como estão. Ou pode ver nas manifestações de reação contra a postura de estudantes de uma escola particular contra trabalhadores o sinal de que não estão de acordo com um estilo de vida: não, não é “se nada der certo, serei gari”, esse é o tipo de pensamento que faz parte do universo da dominação e exclusão, é preciso reagir a isso, e nisso,o seriado mostra que mudamos  sempre quando mudamos a forma como encaramos o real.

Única luta possível

Os sensatez oferecem uma mensagem importante para a sociedade, de que é possível uma espécie ultrapassar o individualismo, conversar e se aceitar. Ultrapassar o individualismo de cada um por si, de cada categoria profissional por si, é que pode fazer diferença na luta contra o capital. Ao final, enquanto no seriado inúmeras lutas emergem contra a homofobia, transfobia, etc, na vida real a única luta possível é em defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito,  contra o avanço generalizado da corrupção, a defesa da liberdade e dos direitos sociais. É como o que acontece com a personagem Riley, que enfrenta na primeira temporada seu medo e decide voltar a se apresentar como dj em Amsterdam. Ela faz um discurso para o seu público dizendo que andou olhado para baixo por muito tempo, mas Will,s eu namorado, a incentivou a erguer a cabeça:  ela diz “enquanto estivermos juntos, não há nada que não podemos fazer”. A sociedade precisa dar-se conta da força desta frase para poder enfrentar seus in-sensates.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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