Porteiro ou guardião? O Supremo Tribunal Federal em face aos Direitos Humanos

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Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal em Face aos Direitos Humanos. Antonio Escrivão Filho. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil/Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), maio de 2018, 53 p.

 

Pesquisa de opinião popular realizada em maio de 2018, pela CNT/MDA, sobre o comportamento do poder judiciário brasileiro, trouxe resultado inédito e alarmante. Para a pergunta o que você acha da justiça brasileira, 55.7% responderam que acham ruim ou péssima; 33,6%, regular; e somente 8,8%, aprovaram. A pergunta como você acha que ela trata as questões de justiça, 90,3% acreditam que ela não trata todos iguais e apenas 6,1% acham que ela trata todos iguais e é justa.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Se os números repercutem como sinal de alarme, outras ocorrências factuais corroboram os sintomas de uma institucionalidade sob desconfiança, em descrédito, percebida como partidária e parcial em sentido politico. Juízes da Suprema Corte sofrem escrachos em aviões, restaurantes e nas ruas, no Brasil e no Exterior. Há notícias de ampliação do sistema de segurança pessoal desses magistrados e há poucos dias se anunciou a instalação, no aeroporto de Brasília, com alto custo, de sala especial para o trânsito de ministros do STF, poupando-os de constrangimentos ou ameaças, atormentados que se sentem em consequência de ventos que eles e elas próprios. semearam, prestes a cair-lhes por cima qual punho suspenso por ira insatisfeita (Isaías, 10-3) .

Ao mesmo tempo, a expressão pública desses agentes de justiça, em geral e historicamente muito discreta, passou a rivalizar com personagens da crônica mundana, sempre muito disponíveis para exibirem opiniões, gostos, preferências, inclusive sobre materias adstritas a processos em tramitação em sua Corte de julgamento. Já sem o pudor tão cuidadosamente descrito por Balzac: Em todas as coisas, mesmo na magistratura, existe aquilo a que devemos chamar a consciência da profissão que todo o homem põe no cumprimento dos deveres que lhe agradam, que os sábios levam para a ciência, os artistas para a arte, os juízes para a justiça. Os juízes oferecem mais garantias, pois os magistrados só se fiam nas leis da razão, não se deixam levar pelas ondas e sentimentos da opinião (BALZAC, Honoré de, Um Caso Tenebroso, São Paulo: Otto Pierre Editores (Grandes Romances Históricos), s/d, p. 219), ainda que num tribunal, as ideias da multidão pesem sobre os juízes e reciprocamente (BALZAC, idem, p. 263).

Esse tipo de exposição acaba dissolvendo a aura de intangibilidade que irradiava  simbolicamente do Judiciário, de tal modo que agora se desvenda uma realidade submersa que mostra entranhas necrosadas ou em estado de deterioração no âmago do sistema de justiça. Notícia impactante informa que o Congresso peruano  aprovou na sexta-feira (20/7/18), por unanimidade (118 votos), a destituição dos integrantes do Conselho Nacional da Magistratura (CNM) do Pais. Os sete conselheiros do órgão estão envolvidos em um escândalo de corrupção atingindo os mais altos níveis do judiciário peruano .

O CNM tem funções similares ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Brasil, como a de melhorar a gestão e fiscalizar o Judiciário.  Em meio a crise, agudizada por fortes protestos populares, o Presidente do Supremo Tribunal do Peru , acabou por se demitir.

Assim, volta a aparecer nos discurso de crítica aos sistemas de justiça na América Latina, a palavra de ordem que se inscrevia em muros de várias cidades sul-americanas, nos anos 1990/2000: que se vayan todos!

A esse respeito, lembro que propus ao jurista Carlos Maria Cárcova, antigo membro do Conselho de Justiça da Província de Buenos Aires, uma questão nesses termos (Observatório da Constituição e da Democracia: Brasília: Faculdade de Direito da UnB/SindjusDF,  n. 20, março de 2008, pp. 12-13):

O Senhor integrou como membro o Conselho de Justiça da Província de Buenos Aires. Exatamente numa época em que as demandas sociais por justiça acabaram identificando nos juízes, um grande obstáculo às reivindicações de direitos. A expressão “que se vayan todos” traduz bem o repúdio social à incapacidade dos juízes e do direito positivo de assimilarem ou mesmo compreenderem o alcance dessas demandas. Afinal, que fazem os juízes quando julgam? 

En el año 96, la Ciudad Autónoma de Buenos Aires se dictó su propia Constitución, la más avanzada de la República, y constituyó mediante elecciones sus propias autoridades, con un Jefe de Gobierno -denominación elegida- y una Legislatura. En cuanto al Poder Judicial la Constitución local previó la creación de un Consejo de la Magistratura integrado por tres abogados elegidos por los matriculados, tres representantes de los legisladores que no deben ser legisladores y tres jueces. Yo integré el primer Consejo que tuvo a su cargo organizar desde cero, una nueva jurisdicción que, por ahora, sólo cuenta con dos fueros, uno con competencia Contencioso-Administrativa y otro con competencia Contravencional y de Faltas. Los fueros ordinarios como el civil, penal, laboral, son en la Ciudad, propios de la jurisdicción nacional, pero esta es una situació anómala, resultado de la transición en curso, que más tarde o más temprano deberá modificarse con su traspaso a la justicia local. Mi mandato duró de 1998 a 2002. Cuando mis colegas de entonces y yo nos retiramos de la función pues no hay reelegibilidad, dejamos la justicia funcionando a pleno. Los fallos de los jueces Contencioso-Administrativos, se han distinguido por un marcado activismo judicial y por una gran sensibilidad frente a los problemas sociales. También el Tribunal Superior de Justicia de la Ciudad ha cumplido un papel interesante renovando la jurisprudencia mediante decisiones de alta significación. A esta altura es preciso introducir una segunda aclaración: La consigna “que se vayan todos” estuvo claramente dirigida a los políticos, sea del partido que fueran. Era una consigna más que discutible desde una posición democrática y transformadora, con un tufillo algo facistoide, pero que prendió en la gente, frente a una situación de ingobernabilidad extrema, de una crisis económica sin precedentes y de un saqueo ilegítimo de los ahorros de la ciudadanía, cuyos depósitos en cuentas corrientes bancarias, cajas de ahorro, acciones, plazos fijos, etc. fueron incautados. ¿Qué hizo la ciudadanía? Confió en los jueces y colapsó los juzgados con recursos de amparo (mandatos de seguranza). La Corte Suprema de entonces, de mayoría menemista, intentó legitimar las decisiones expropiatorias del Ejecutivo, pero la Justicia de Primera y Segunda Instancia siguió haciendo lugar a los amparos y declarando la ilegitimidad de las medidas. Luego el Gobierno fue dictando medidas tendientes a arbitrar entre ahorristas y banqueros y lentamente se llegó a acuerdos que significaron recuperar parte sustancial de los dineros reclamados. En cuanto al desprestigio de la Justicia, debe consignarse que estuvo fundamentalmente acotado a la denominada justicia federal, que era la encargada de juzgar a los funcionarios y perseguir la corrupción. Esa fue constituida en épocas del menemismo bajo un signo de marcado clientelismo político, (todavía no había concursos para la designación de magistrados). La mayoría de esos jueces ya han renunciado y los nuevos provienen de concursos cuya legitimidad no se ha cuestionado. En mi opinión, para concluir, durante la crisis del 2001/2, la ciudadanía buscó protección en la Justicia y, por lo general, la obtuvo.

Tratei desses temas em debate acerca do papel e das funções de juízes e do Judiciário, em seminário realizado na última década do século XX e, posteriormente em livro de cuja organização participei (padre José Ernnanne Pinheiro, José Geraldo de Sousa Junior, Melillo Dinis e Plínio de Arruda Sampaio (orgs). Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do Judiciário, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1ª. edição, 1996), mostrando que as profundas alterações que se dão na sociedade e nos valores que estruturam as bases éticas das instituições, afetam igualmente o Judiciário e os juízes, postos diante da necessidade de compreender essas mudanças. O claro esgotamento do modelo ideológico da cultura legalista da formação dos juristas e da função adjudicatória que lhe é conseqüência, caracterizando o agir dos magistrados, quando já entre eles se assiste um franco questionamento ao papel e à função social que exercitam, e que não poucas vezes tem empurrado seus principais órgãos e operadores à inusitada situação identificada pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, segundo a qual, “faz-se da lei uma promessa vazia”.

Elas também interpelam os agentes públicos responsáveis pela formulação de políticas públicas legislativas, funcionais e judiciárias, na medida da oferta de análises críticas às modernizações meramente funcionais do aparato, sem levar em conta novas subjetividades sociais que abrem perspectivas para outros modos de considerar o próprio Direito ou a estabelecer soluções não judiciais  e até mesmo comunitárias para conhecer, mediar e resolver conflitos.

Um pouco desse processo pode ser demonstrado nos estudos que compõem a série Pensando o Direito que a Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça promoveu em seus editais dirigidos aos grupos universitários de pesquisa. Num desses trabalhos, que tive a oportunidade de liderar (Observatório do Judiciário, Série Pensando o Direito, UnB/UFRJ, PNUD/Secretaria de Assuntos Legislativos/Ministério da Justiça, Brasília, nº 15/2009), foi possível estabelecer pesquisa com assessorias jurídicas de movimentos sociais e extrair de suas observações, a visão negativa dos modelos adjudicatórios do sistema legal e judiciário, presos às normas constituídas como unidade de análise das relações de conflito e incapazes de realizar até mesmo as promessas constitucionais de realização da Justiça, entre outros fatores, pela “resistência a trabalhar com o direito da rua”, pela “baixa sensibilidade para as demandas da comunidade”, pelos “limites culturais para a percepção de sujeitos e demandas inscritas nos conflitos sociais”, pela manutenção de “corpo com formação técnica desvinculada das experiências do mundo da vida”, pela “postura institucional burocrática” e pela “pouca permeabilidade ao controle social”.

Série Pensando o Direito.

Série Pensando o Direito.

Em contrapartida, pediam esses prestamistas de uma Justiça atualizada e modernizada para além do simplesmente funcional-burocrático-legal: “respeito às temporalidades democráticas”, “fortalecimento comunitário”, “educação em Direitos Humanos”, “uso dos meios de comunicação”, “conscientização e sensibilização” e, em síntese, “reconhecimento e acreditamento do protagonismo das experiências de mediação social realizadas fora das instâncias estatais”.  Remeto ao texto do relatório publicado no volume indicado, especialmente, as ementas explicativas das categorias acima destacadas, conforme as páginas 22, 23, 26 e 27 do Relatório, na página do MJ (http://bit.ly/2vtdV8c).

No fundo, o que está em causa, não é só reivindicar acesso à justiça, mas um repensar e reorientar a própria concepção de justiça para a qual ter acesso. E isso não pode ocorrer sem que se abra o tema à participação popular porque, como eu próprio já afirmei, as Reformas do Judiciário em curso atingem o núcleo central, funcional, organizativo do sistema de justiça como estrutura de poder mas não o abre à participação social democrática. O tipo de acesso à justiça que tem sido debatido é ainda o “acesso a um sistema de justiça patrimonialista, sexista, patriarcalista, que criminaliza os movimentos sociais”. Uma reforma do judiciário de raiz precisa ser construída pelos movimentos sociais, e, neste sentido, requer abrir espaços de articulação das grandes pautas que envolvem a democratização da justiça (http://bit.ly/2KCmZwu).

É nessa linha de interpelação que se localiza o trabalho que estou comentando Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal em Face aos Direitos Humanos, estudado coordenado e redigido por Antonio Escrivão Filho.  O autor, que integra a equipe de conselheiros da JusDH, é doutor em direito pela UnB e a sua tese, defendida em 2017, sob a minha orientação, é o lastro de onde recolhe os pressupostos teóricos para a análise que agora nos oferece.

Com efeito, na tese, a que se pode ter acesso pelo Repositório de Teses da UnB – Mobilização social do direito e expansão política da justiça: análise do encontro entre movimento camponês e função judicial. 2017. 315 f., il. Tese (Doutorado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017 – Escrivão Filho oferece o resultado de uma pesquisa que tem por objeto o fenômeno de encontro entre o movimento social e a função judicial no Brasil, analisando a experiência do movimento camponês a partir da década de 1980, com foco empírico (primário e secundário) e bibliográfico nos conflitos fundiários e no MST, observando a sua capacidade de reivindicação e mobilização constitutiva (criação) e instituinte (efetivação) de direitos.

Neste cenário, segundo o resumo do trabalho, observa-se um fenômeno de expansão política da sociedade brasileira, e com ela uma dialética de expansão política do direito, no bojo da ativação social dos direitos fundamentais. De modo complementar, neste período observa-se ainda a densificação das funções de controle judicial sobre a sociedade e os entes estatais, o que, por via de consequência, proporciona uma potencial transferência da deliberação de assuntos de elevada intensidade política para a arena judicial – como a relação ‘Estado-sociedade’ inscrita nos direitos fundamentais- culminando, enfim, no fenômeno identificado pela noção de expansão política da justiça. Identifica-se, assim, que a análise da mobilização social do direito realizada pelo movimento camponês, e o respectivo padrão de enfrentamento judicial com proprietários, tanto pode ser melhor analisada sob o enfoque da expansão política da justiça, como fornece elementos para a própria compreensão do fenômeno da expansão judicial no Brasil, a partir do regime de enunciado democrático.

 Esse é o mesmo cenário, embora alargado em alcance histórico e político, no qual Escrivão, aqui denominando contexto, instala sua análise sobre o Supremo Tribunal Federal em face dos direitos humanos. Trata-se, diz ele (pp. 5-6) de reconhecer a política como o campo constitutivo (de criação) e instituinte (de efetivação) de direitos, a partir do que antigos e novos movimentos sociais, urbanos e rurais, comunitários e eclesiais, locais e nacionais, de Gênero e étnico-raciais emtram em cena, primeiro deslocando o lócus da ação política dos espaços institucionais para achá-la na rua, espaço público por excelência, depois, ocupando também os espaços institucionais para então disputar a participação no próprio processo constituinte de 1987-88. Assim que, se não parece Possível afirmar a existência de um regime democrático sem direitos fundamentalmente referidos à cidadania – ou seja, às garantias de dignidade, bem estar social e participação ativa na vida política da sociedade – não soaria lógico conceber um regime de direitos sem identificar que, por detrás da sua conquista, traduzida em reconhecimento jurídico-institucional, estão os sujeitos que irromperam a história, superando violências, exploração e opressões cotidianas para, a cada novo momento, a cada nova emergência em luta social, afirmar novos direitos.

Pensando, pois, os direitos e principalmente os direitos humanos, como a resultante política das lutas concretas pela dignidade, nesse contexto, para o Autor,  de pouco ou nada adianta o reconhecimento jurídico-normativo de novos direitos, se ele não for acompanhado por uma equivalente e muitas vezes Drástica transformação dos órgãos estatais, institucionalmente desenhados e politicamente delegados para o exercício das funções de proteção, defesa e efetivação de direitos (p. 6).

Esse é o contexto em que se constitucionaliza o sistema de justiça e o próprio Supremo Tribunal Federal, num descompasso que a pesquisa identifica, entre as expectativas instituintes da soberania popular e as recalcitrâncias constitucionalizadas de aparatos institucionais pouco afeitos à necessidade de seu desenho em trânsito democrático. Razão pela qual, o Autor vai configurar o contexto de institucionalização do sistema de justiça e do Supremo Tribunal Federal, com uma anotação incisiva relativamente a tal descompasso. Em outras palavras, ele diz (p. 6), a positivação de direitos e até mesmo de direitos humanos desfaz-se em encantos e ilusões imobilizantes se, de um lado, não conta com um processo social de tomada de consciência, reivindicação e mobilização instituinte e, de outro, não encontra uma institucionalidade concebida, organizada e culturalmente comprometida com a proteção e efetivação destes direitos. De pouco ou nada adianta novos direitos, se a institucionalidade responsável pela sua implementação (executivo), regulação (legislativo) e aplicação (judiciário) não os acompanhar no processo histórico de mudança política.

 Tomando por base a configuração antropológico-sociológica que preside o empírico que dá concretude ao presente estudo e as inferências  que levam a uma agenda de democratização da justiça em face aos direitos humanos (pp. 44-49), o Autor ele próprio, sintetiza um quadro de expectativas para trazer o Supremo Tribunal Federal ao tempo político do presente:

– A forma de escolha dos ministros do STF, fundada sobre a indicação presidencial e aprovação do Senado, aliada à vitaliciedade e remota hipótese de impedimento, produziu a partir de 1988 uma Corte forte em suas bases de independência judicial e de grande influência sobre o sistema político brasileiro, mas tímida e conservadora na promoção, proteção e efetivação de direitos fundamentais. Sem qualquer referencial de legitimidade, participação e controle social, o destino é a adesão a uma cultura autoritária.

– Com o advento da Constituição de 88 e a transição para a democracia, o sistema de justiça e em especial o STF expandiram exponencialmente sua influência, poder de intervenção e controle judicial sobre a política e a sociedade, agora sob a blindagem de um modelo absoluto de autonomia e independência judicial. Um elemento essencial para a compreensão dessa expansão, é a ausência e negação de um referencial de participação e controle social sobre a condição política da justiça, o que assume caráter especial para o STF.

– É preciso avançar para um processo de regulamentação da indicação presidencial para o STF, instituindo transparência e participação social, podendo contemplar uma chamada e delimitação pública de candidaturas, complementada com consulta pública virtual ou via audiência e sabatina. De modo complementar, as duas vagas do CNJ destinadas para a representação da sociedade devem ser preenchidas a partir de chamada pública de candidaturas, audiência e deliberação social sobre a indicação de uma das Casas Legislativas (Câmara e Senado).

– Seria interessante avançar para um sistema de composição de comissões para a formulação de listas de candidatos à Corte, ou mesmo a destinação de uma cota na composição da Corte para uma/um candidato indicado pela sociedade. Também é relevante estabelecer medidas afirmativas que imprimam efetiva diversificação de escolhas, fugindo ao perfil liberal conservador e centrista apontado na literatura, notadamente um perfil de Ministros do STJ e advogados de grandes bancas de advocacia.

– A esta altura parece consenso a necessidade de se estabelecer um regime de mandatos para os membros do Tribunal, pois o cargo não pode ser ocupado por mais de vinte anos por uma mesma pessoa, como usualmente acontece. Alem disso, cumpre estabelecer novas formas de quarentena a ser cumprida com a saída do cargo. No tangente à remoção, o modelo atual relega o instituto à representação de impeachment perante o Senado Federal, o que certamente garante estabilidade e independência para os membros da Corte, mas poderia ser aprimorado talvez com a possibilidade de referendo ou recall, a exemplo da experiência japonesa e a “retention election”do judiciário estadual estadunidense.

Para chegar a seus resultados, a pesquisa seguiu um protocolo político-epistemológico, descrito numa nota de abertura elaborada por seu Autor. Conforme a nota, o texto está inserido no âmbito do Projeto “Caminhos para o STF que queremos”, desenvolvido pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), em parceria com a Fundação Friederich Ebert (FES), sob coordenação de Luciana Pivato (JusDH) e Gonzalo Berron (FES). O projeto contou com a ampla contribuição de membros da JusDH, e uma versão do estudo foram apresentados em workshop, realizado em Brasília (01.11.2017), para recolher criticas, sugestões, contribuições. Participei dessa oficina de trabalho, juntamente com as professoras Beatriz Vargas (UnB) e Élida Lauris dos Santos (Fórum Justiça). Na nota há relevo para o belo trabalho coletivo de levantamento das Propostas de Emenda Constitucional e das experiências internacionais, mais especificamente dos modelos de nomeação e composição das Cortes Constitucionais de diferentes países, a saber: Argentina por Maria Eugênia Trombini (Terra de Direitos), Equador e México por Larissa Pirchiner (Coletivo Margarida Alves), África do Sul por Alynne Andrade (IBCCrim), Portugal e Inglaterra por Élida Lauris (Fórum Justiça) e Canadá por Guilherme Manhães (Escritório Schwalb Légal/Montreal).

Entretanto, para contextualizar os dados de análise, sobretudo no manejo comparativo das situações tomadas como referencia, a pesquisa tomou como eixo interpelante dos dados, o percurso institucional do sistema de justiça, notadamente o Supremo Tribunal Federal em seu trânsito de refundação entre conjunturas políticas em deslocamento (da ditadura civil-militar de 1964 ao sistema de enunciado democrático pós 1985 e delineadamente pós 1988 com a Constituição da transição). Esse eixo foi designado pelo Autor como o espocar de um curto-circuito histórico: autonomia, independência e protagonismo judicial no Brasil (pp. 18-26).

Do que cuidou foi conferir a ocorrência de uma expansão política do judiciário em face de sua interação com o sistema político e a sociedade civil (p. 18). E de modo mais preciso, a necessidade de considerar nesse processo, não bastar compreender a ideologia que compromete a ação individual de juízes sem entender o fluxo de interação ideológica entre tribunais e academia, mídia, grupos sociais organizados e outras instituições políticas (p. 20).

Não é difícil estimar o potencial curto-circuito, quando se constata a súbita sobrecarga política sobre uma estrutura destreinada a participar democraticamente da deliberação sobre conflitos de elevada intensidade política, econômica e social, na medida da Formula que alia expansão política e blindagem institucional e em oposição à sua abertura democrática ao dialogo nos termos da participação e controle social (p. 23).

De certo modo, eu já havia antecipado essa sobrecarga, ao examinar esse tema a partir de uma questão política que me havia sido formulada por um Sindicato de servidores do judiciário como tema de um de seus congressos: é possível uma sociedade democrática com um poder judiciário conservador?. Minha resposta, à altura, trilhou a mesma senda que Escrivão Filho percorre agora em seu estudo  (Que Judiciário na Democracia?, in SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Idéias para a Cidadania e para a Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008): A resposta, obviamente, é não. Não é Possível uma democratização plena da sociedade se uma de suas instituições essenciais se conserva como modelo instrumental resistente porque ele se tornará obstáculo à própria mudança. Esta é sem dúvida a questão candente hoje, em nosso pais, quando se coloca em causa o problema de sua democratização e se identifica no judiciário a recalcitrância que é social e Teórica para a realização de mudanças sociais, conferindo à regulamentação jurídica das novas instituições o seu máximo potencial de realização das promessas constitucionais de reinvenção democrática (pp. 13-17).

Para Escrivão Filho, voltando ao texto de sua pesquisa, ao contrário da disposição de fomentar noções de autonomia e independência concebidas como princípios políticos próprios da função judicial diretamente referentes à garantia da sociedade contra a arbitrariedade do Estado, as alianças então construídas sobretudo durante a mediação constituinte (1988), ao invés de forjar requisitos de neutralização do sistema – reconhecimento ontológico da condição política da justiça – deixou que esse se visse permeado pela ideologia da neutralidade – enredando-o em injunções a serviço da reprodução das tradições de uma cultura institucional acostumada e orientada à manutenção do status quo.  (p. 25).

Eis o tamanho do desafio que se coloca para a sociedade na qual se constitui a expressão de soberania popular que deve designar o perfil do Judiciário no desenho da institucionalidade em construção.

Para o Autor da pesquisa, o sistema de justiça e o Supremo Tribunal Federal restarão em uma promessa completamente vazia se não for vencido esse desafio, algo ainda pouco animador à luz dos registros taquigráficos sobre as PECs em curso nas duas Casas do Congresso Nacional, cf. pp. 26-44):

Desse modo, na nova ordem constitucional, o poder judiciário se vê, assim como toda a institucionalidade estatal e a sociedade, diante de desafios históricos para a reconstrução da sua função social. De notar, portanto, o tamanho do problema no qual nos situamos nesta complexa relação política entre o desenho institucional da justiça, a democracia e os direitos humanos no Brasil: se por um lado atingimos um estágio político e social, no qual se vislumbra confiar ao Poder Judiciário a função de solucionar ou intermediar conflitos sociais de alta intensidade política, como a efetivação ou proteção contra a violação de direitos humanos, de outro é justamente essa hipótese que desperta o alerta e sérias preocupações acerca da legitimidade e capacidade institucional do Poder Judiciário para lidar com tamanho alargamento político das suas funções (p. 26).

Foto: U.Dettmar/SCO/STF

Foto: U.Dettmar/SCO/STF

 Ou ainda pior, algo que estamos assistindo agora em nosso próprio País, com a Constituição arguida contra a própria Constituição, para dela extrair-se, com o uso meramente formal de seus enunciados, como por ocasião do afastamento da Presidenta da República, numa aplicação de retórica mobilizadora de engajamentos (sociais, políticos, jurídicos), delirantes de seu necessário fundamento material; na seletividade de decisões envolvendo lideranças de oposição político-partidária; na tipificação criminal do protesto  social; na judicialização da política; tudo levando à configuração desse processo como um golpe, sem armas, sem quartelada, mas uma ruptura com a base de legitimidade do sistema constitucional-jurídico, um atentado à democracia, uma forma de traduzir, sem nenhuma sutileza, o Estado de Exceção Democrática, que se vale da lei e da Constituição para esvaziá-las de suas melhores promessas (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de.  Estado Democrático da Direita, in BUENO, Roberto, org., Democracia: da Crise à Ruptura. Jogos de armar: reflexões para a ação. São Paulo: Editora Max Limonad, 2017, pp. 407-424).

            

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José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

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