Desembargadora Carmen Gonzalez concede entrevista sobre a judicialização do assédio moral no trabalho

Carmela Grüne

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Foto: TRT4

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Confira a entrevista concedida pela Desembargadora Carmen Gonzalez, Diretora da Escola Judicial do TRT-RS, à Carmela Grüne, Editora Chefe do Jornal Estado de Direito sobre o assédio moral.

1) O tema do assédio moral cada vez mais é debatido ao longo dos anos. Como a senhora avalia a judicialização desse tema na Justiça do Trabalho?

O assédio moral nas relações de trabalho configura um ilícito. Por uma questão de competência material, a lide será apreciada pela Justiça do Trabalho. A crescente judicialização do tema, ao menos em sua modalidade vertical, guarda relação com a organização do trabalho no âmbito da empresa. Trata-se da adoção de estratégias específicas relacionadas à direção do trabalho dos empregados. O aprimoramento alusivo ao diagnóstico dessas práticas também favorece sua identificação, contribuindo à judicialização do tema.

2) Levando em consideração que é uma matéria de fato a ser analisada no processo do trabalho, quais mecanismos que estão à disposição do magistrado para firmar a sua convicção no caso concreto?

Além da colhida de depoimentos reservados ao esclarecimento das características da prestação do trabalho, o que permite a investigação das práticas de assédio moral mais nítidas e vulgares, o magistrado pode se valer, no caso de adoecimento do empregado, por exemplo, de prova pericial destinada a esclarecer eventual nexo entre as práticas laborais e os danos à saúde do trabalhador. O profissional responsável pela elaboração da prova pericial tem sua especialidade definida em conformidade com o próprio dano alegado pelo trabalhador, que poderá recair sobre a sua higidez física ou mental.

3) Temos notícia da quantidade de processos com essa temática no TRT 4ª?

Consoante dado repassado pela Corregedoria Regional do TRT4 em 27-8-2018, no contexto de 75.300 ações propostas em 2018, o objeto de 4.237 delas abrangeu, dentre outros temas, o assédio moral (5,63%, portanto). Esses dados consideram classificação realizada pelos advogados das próprias partes, por ocasião do ajuizamento da demanda.

4) Em relação aos servidores públicos existe algum estudo ou grupo de estudo sobre o assédio moral dentro da Justiça do Trabalho?

O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio Grande do Sul realizou pesquisa sobre o assunto, repassando-a à Administração do TRT4 em junho de 2017. O correspondente relatório está disponível na página desse sindicato na internet.

5) Agradecemos a sua participação e, para encerrar, como enfrentar o assédio moral no trabalho?

As práticas que caracterizam o assédio moral no trabalho precisam ser reconhecidas e prevenidas, fundamentalmente. Quando provocada, a Justiça do Trabalho deve sancionar o ilícito, mas em regra sua atuação é meramente restaurativa. O enfrentamento adequado do problema sugere adoção de medidas destinadas a forjar a consciência de que o assédio moral viola a dignidade humana, ferindo o direito à integridade física e psicológica do trabalhador. A organização do trabalho que atente contra a dignidade do trabalhador não tem respaldo constitucional e, por isso, merece reação por parte da Sociedade e do Estado.

 

Confira a matéria sobre a participação do psicanalista francês Christophe Dejours no Seminário Assédio Moral:

“O amor próprio é fundamental para combater o assédio moral”. Com essa frase, o psicanalista francês Christophe Dejours, renomado pesquisador sobre o tema do assédio moral no trabalho iniciou a sua explanação, no auditório Ruy Cirne Lima, dia 24 de agosto, no Seminário Assédio Moral, promovido pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), com o apoio do Sintrajufe/RS (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Rio Grande do Sul).

O Jornal Estado de Direito através da sua editora chefe, Carmela Grüne, realizou a cobertura do evento e, de forma exclusiva, apresenta, para os seus leitores, importantes reflexões do psicanalista Dejours e uma entrevista inédita feita com a Desembargadora Carmen Gonzalez, Diretora da Escola Judicial do TRT-RS.

Foto: Secom/TRT-RS

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A temática proposta por Dejours foi direcionada ao público participante composto de servidores do TRT-RS e pesquisadores, abordando o assédio no trabalho e as suas implicações na saúde mental e na saúde do corpo.

A forma como se trata a pessoa é um ponto de partida, mas acima disso, Dejours demonstra que o ambiente e a cultura organizacional da empresa são as dimensões capazes de afetar profundamente as relações no trabalho, gerando consequências para saúde dos trabalhadores.

Para Dejours, hoje se fala mais nisso, mas na década de 1990, com a publicação “Mobben no trabalho” ampliou-se a discussão. De lá para cá na verdade, agravou-se. Assim, assevera que o assédio no trabalho não é algo novo. Ele sempre existiu dentro da antiguidade: assédio dos servos pelos representantes dos senhores e, durante todo século XIX, crianças e mulheres eram assediadas até a morte.

Dejours relata “Quando eu comecei as minhas investigações há 45 anos, (estudei) o assédio dos operários nas linhas de montagens de automóveis. As técnicas foram experimentadas no exército e depois importadas para indústria. Oficiais do exército eram contratados para estar na linha de montagem, monitorando a linha de produção… De lá para cá o que mudou não foi o assédio ou as técnicas, mas sim mudou foi o aumento impressionante de patologias mentais e somáticas decorrentes do assédio. Enquanto uns sofriam assédios outros trabalhadores assediados conseguiam superar o sofrimento psíquico, mas será que os homens e mulheres de hoje são mais fracos? Essa é uma tese defendida na clínica. Só que esses especialistas não conhecem o mundo do trabalho de dentro dele, estão longe do contato dentro das empresas. Desde os anos 1990, considera-se que há uma relação específica entre a saúde do corpo e do trabalho, isso está relacionado com as condições físicas, químicas e biológicas do trabalho que são higiene e ambiente, quando se trata da saúde mental”.

Ficou evidenciado que fatores como: a hierarquia, a disciplina, o comando, o sistema de gratificações, os prêmios, a progressão, a formação na carreira e, também, os métodos de direção, o que chamam management, influenciam na saúde dos trabalhadores.

CRÍTICA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO INDIVIDUAL

Dejours critica a introdução da avaliação individual de desempenho. Para ele “esse dispositivo de avaliação individualizado é supostamente técnico e neutro, pois se trata de uma forma objetiva e de resultados quantitativos sobre o desempenho dos trabalhadores acima de qualquer suspeita, todavia, na realidade esse método é muito discutível. O que estamos medindo no melhor dos casos? O que está se mensurando é o resultado do trabalho e não tem proporcionalidade com o trabalho em si. Se levarmos em conta o desempenho quantitativo vamos considerar número de sentenças, processos que serão redigidos por cada magistrado. Porém, se o magistrado durante o seu trabalho encontra um processo difícil, espesso, talvez ele passe muitas horas estudando esse caso para entender o processo, identificar as lacunas. Esse trabalho produzido, strictu sensu, embora ele tenha trabalhado muito, não tem muitos julgamentos, ou seja, nem todo número representa a quantidade de trabalho. A avaliação individual gera injustiças que são indiscutíveis nos magistrados e nos servidores públicos também. A avaliação individualizada exalta a competição de trabalhadores, o que acaba funcionando como uma ameaça. Se eu não for bem não poderei progredir na carreira como eu gostaria. Esse tipo de avaliação acaba por fazer com que trabalhemos mais e, pode levar, à diminuição do número de efetivos. Em muitas empresas a avaliação individual é utilizada para fazer com que as pessoas trabalhem mais em dados quantitativos e trabalhem mais para diminuir o número do efetivo e o aumento efetivo de patologia de carga. Exemplo: transtornos músculos-esqueléticos, lesões por repetição, morte súbita, burnout, uma última patologia a dopagem – o consumo de produtos que começam pelo café e pelo álcool e que funcionam como estimulantes. Na França há pessoas que consomem cocaína para aguentar a sobrecarga de trabalho. São patologias que põem em primeiro plano o corpo. Entre a organização do trabalho e o pulso temos a questão psíquica, ocasionada pelo ritmo de trabalho, algo é bloqueado no funcionamento psíquico, o que facilita a manifestação desse transtorno. Sobretudo no setor bancário muitas mulheres têm lesões por esforço repetitivo e o acometimento de esforço psíquico. A avaliação individual de desempenho provoca a seguinte ideia: se meu colega tiver bons resultados isso é ruim para mim. As relações de confiança enfraquecem. A regra é cada um por si, as pessoas evitam conversar e mal dizem “bom dia” um para o outro. A generosidade, solidariedade, o convívio, o viver junto vai se derrogar ao egoísmo a hostilidade, e, o mais grave do ponto de vista psíquico, provoca a manifestação da solidão. Cada um passa a se sentir sozinho. Muitos chefes são perversos e vão utilizar a avaliação individual para aumentar o desempenho no trabalho – se alguém é tomado como alvo do assédio à vista de todos, ninguém se manifesta. Todo muito vai se fechar no seu silêncio e esse é o último efeito da avaliação individualizada de desempenho. Se você é honesto, sempre foi valorizado por superiores no trabalho e, de repente, abate-se em você a desqualificação e as ameaças, você vai se perguntar o que fez de errado e, se você não conseguir entender o que está se acontecendo, você vai se voltar aos colegas. Se todos os colegas desviarem o olhar, se não manifestarem nenhuma iniciativa, você se sentirá culpado por essa avalanche de injustiça, você ficará tomado por angustia e vai se sentir sobrecarregado, podendo chegar até mesmo ao dito burnout. Chegará a um ponto de exaustão, cansaço, desanimado, tornando-se impossível conviver com você, ocorre o nervosismo e a insônia. O sujeito acaba caindo em depressão e não resistindo. A solidão é determinante ao indivíduo exposto ao assédio. Antes da destruição da solidariedade pela avaliação de desempenho, os trabalhadores se sustentavam, apoiavam-se e conseguiam superar as injustiças. Hoje todos nós nos sentimos mais frágeis. O agravamento não vem de nós mesmos individualmente, como diziam os médicos, a vulnerabilidade diante do assédio do trabalho vem da traição dos outros. A avaliação de desempenho é a causa das patologias e o colapso do mundo social”.

Dando um passo adiante no tema do assédio no trabalho Dejours ressalta o problema da cumplicidade: “O assédio no trabalho é suficientemente ruidoso para que todo mundo saiba que há um colega que está sendo assediado, mas ninguém se mexe. Os colegas que não intervém no servidor assediado, pela ausência de protesto diante do fato, tornam-se cúmplices indiretos do assédio e se tornam testemunhas que não falarão e não testemunharão sobre o ocorrido”.

DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA

Foto: Secom/TRT-RS

Foto: Secom/TRT-RS

Para Dejours “Traio meus próprios valores e corro risco de trair a mim mesmo. Essa é uma análise abreviada. O assédio também age sobre os outros e vai difundir o medo por toda parte e transforma o mundo do trabalho para desestabilizar psicologicamente trabalhadores e para levá-los, progressivamente, a cometer erros, justificando assim a demissão por justa causa. As patologias do assédio vêm da desestruturação dos laços no trabalho pela avaliação de performance de desempenho. A etapa mais recente inicia no começo de 2010. A história do assédio se transforma e continua evoluindo e novas patologias vão surgindo. Antes a organização do trabalho era de responsabilidade de engenheiros de qualidade, engenheiros de segurança no trabalho etc. Todos esses engenheiros eram responsáveis pela organização do trabalho. No ensino, a organização do trabalho ficava nas mãos dos docentes, no Judiciário nas mãos do magistrado. Hoje a situação mudou totalmente.

UM NEW PUBLIC MANAGEMENT

Todos os profissionais perderam o poder – esse movimento foi para as mãos dos gestores e foi para o Estado, em que, sobretudo na França e outros países, os Ministros e até o presidente da República se tornam gestores que vem da administração de empresas, como bancos – essa passagem do poder dos profissionais para os gestores é designada como a guinada gestionária – new public management – para além da doutrina, passa pelo recurso, as tarifas muitos caras. E, até mesmo, a justiça paga muito caro para ter um new public management – o governo por referência foi substituído por governança pelo número. Fique atento, quando encontrar a governança ao lugar de governo passa-se a enxergar como um número. Macron governa a França como uma empresa e é proclamada por outros presidentes a governança pelo número. Ela baseia-se na avaliação individual de desempenho, os gestores na qualidade total, os critérios de certificação, campanhas de acreditação dos hospitais, normas ISO, etc.

DISPOSITIVO DE PADRONIZAÇÃO DO MODO OPERATÓRIO

Dejours ressalta que “a padronização do modo operatório que foi introduzida no serviço público e na Justiça. Essa padronização é um contrassenso. A qualidade do serviço depende da não padronização – de cada destinatário – seja no caso do aluno, do docente, do paciente, do médico. A qualidade depende da singularização do destinatário; a padronização introduzida para os gestores é uma pressão e uma degradação da qualidade do serviço. Isso vale na pesquisa científica. A comissão científica internacional fala sobre o efeito da padronização. É verdadeiro também no trabalho do Judiciário. Essa técnica acaba degradando as apresentações, as argumentações, as sentenças, o juiz degrada a redação de suas conclusões, não cumpre porque o trabalho fica mal feito e, também, sobrecarrega os demais tribunais supremos. As padronizações causam danos graves aos juízes que realizaram difíceis estudos que se comprometeram com a sua profissão. Violar regras do direito é trair o cidadão perante a justiça e, assim, é trair a si próprio.

SOFRIMENTO ÉTICO

Dejours destaca que “há um novo sofrimento que é designado como sofrimento ético – que acontece quando alguém aceita contribuir com algo que meu senso moral vai contra. Tudo isso vai degradar as relações entre as pessoas – não há mais lugar para prazer no trabalho e não há mais reconhecimento compartilhado entre os colegas. A traição que leva à depressão anuncia o ódio a si mesmo. O contrário a realização de si vai haver ódio a si mesmo com risco a tentativa de suicídio – na França existem magistrados que se suicidam no local trabalho, enfermeiros, médicos, o surgimento de suicídios é consequência dessa degradação do trabalho judiciário, no caso de vocês, no altar da governança pelo número.

No entanto, todos os funcionários, magistrados da Justiça sofrem a governança pelo número e nem todos adoecem. Aqueles que conseguem superar são aqueles que conseguem aplicar estratégias de defesa na Justiça e são, inicialmente, individuais e a sua estratégia consiste em dopar a capacidade de pensamento, fugir dos pensamentos de práticas que desonram a Justiça. Trata-se de uma espécie de resignação, pressão ininterrupta do assédio.

Para além da resignação um esforço para trabalhar cada vez mais rápido, com uma concentração no ritmo de trabalho a paralisar o pensamento crítico – de tanto trabalhar eu não penso mais. De tanto trabalhar não consigo mais pensar em mim, nos outros. O segundo ponto é uma transação, a questão de submeter aos objetivos quantitativos – em contrapartida eu exijo uma compensação dessa situação, uma forma de escambo de certa forma, numa luta pela carreira até mesmo à custa de um certo arrivismo – que acaba uma renúncia de honrar a justiça e os cidadãos perante a lei”.

Dejours aponta estratégias coletivas de defesa:

“Desenvolvem-se então uma atitude de desprezo daqueles que não querem entender que o mundo mudou, aqueles que se dizem virtuosos retardatários. Contra estes se faz atitudes de desprezos, formando-se clãs que opõem, colegas que antes eram amigos.

Há o clã dos carreiristas, dos fracos, dos jovens que entram na profissão, dos humilhados em nome de uma forma de uma ideia de que tem que sofrer para aguentar determinada profissão tem que se comportar de forma mais dura porque não há lugar para os fracos no departamento.

O assédio tende a se tornar uma prática contra aqueles que não querem ceder, que não querem abaixar a cabeça, o assédio produtivista tem a finalidade de lutar contra o sofrimento ético. Esse quadro é terrível.

Especialmente alimentado pelas minhas investigações no setor público e na justiça francesa em cooperação com os colegas da justiça brasileira.

O quadro é impressionante e, sobretudo, impressionante a questão aqui é a prevenção”.

SERÁ QUE PODEMOS FAZER ALGO CONTRA O ASSÉDIO NO TRABALHO?

“O assédio não é novo, e, não é apenas o fato de um perverso ou de sinistros indivíduos movidos por intenções maldosas que conseguem penetrar na justiça, há até mesmo assédio contra o sofrimento na organização do trabalho.

Muitos de nós que não estamos dispostos a assediar. É preciso considerar essa exigência da clínica e ver que o assédio no trabalho não é reservado aos doentes mentais. Nós podemos nos levar a ter comportamentos que não suspeitávamos sermos capazes. É terrível isso.

E eu também não aceitaria não fazer meu trabalho de qualquer jeito meio boca, mas depois disso posso me tornar maldoso”.

A PREVENÇÃO PODE SER POSSÍVEL E COMO PENSA-LA?

“A repressão, a sanção individual por suas práticas. Se vocês entenderam todo o caminho que tentei traçar, se entenderam a etiologia, sancionar os culpados por assédio e cuidar das vítimas. Precisamos também pensar na sanção, a penalização é uma discussão que está sendo feita no Brasil, a possibilidade de criminalizar o assédio no trabalho.

Porém, não esperem que a criminalização faça desparecer o assédio no trabalho. Na França isso é criminalizado desde 2002 – porém apenas dois ou três são condenados pelo assédio. Ao passo que há milhares de casos de assédio na França – mas a criminalização do assédio não é uma solução – mesmo punindo as pessoas, a origem do assédio não está na personalidade, está na própria organização do trabalho”.

AO SOCORRER AS VÍTIMAS E SANCIONAR OS CULPADOS ESTAMOS TRATANDO SINTOMAS E NÃO A CAUSA

“É apenas a parte visível, não é prevenção, não impede a persistência ou a continuação. A prevenção consiste uma ação visando a organização do trabalho, essa que provoca o assédio devemos agir na base disso na prevenção – é preciso que haja uma ação para corrigir – os efeitos da organização do trabalho que foi implantada na guinada gestora. Essa prevenção não pode dar certo se for feita por um único indivíduo. Corremos o risco de sermos estigmatizados podemos ser alvo do assédio coletivo que proclamam realismo – aqueles que alertam não devem fazê-lo individualmente – uma ação precisa construir uma vontade coletiva – não de prevenir o assédio e sim uma vontade de lutar pela construção da qualidade – defender a qualidade do serviço no Judiciário honrar a justiça e os cidadãos.

A ação não visa o assédio, mas sim nos organizarmos deliberadamente em reuniões, em equipes na busca de uma elaboração em conjunto de compromissos aceitáveis entre os fins, os objetivos e os meios, é preciso de uma concordância, um consenso e depois discutir debater esses consensos dentro das equipes de trabalho com reuniões de equipe semanais, mas é preciso voluntariamente a decisão dos chefes. Os chefes precisam decidir os casos semanalmente em conjunto – sobre casos difíceis, sensíveis do ponto da justiça e do espaço público, mesmo que se diminua o nível do consenso e não sozinho”.

COOPERAÇÃO

“Assim, torna-se possível construir a cooperação horizontal entre pares, mas também a cooperação vertical construída entre chefes e seus subordinados.

Tudo isso é possível desde que se tenha os conceitos da teoria da cooperação horizontal, cooperação vertical e cooperação transversal (essa que o servidores tem com o público) com os advogados, com as famílias, procuradores, polícia, não com os clientes, mas com especialistas que trabalham com vocês – a cooperação transversal é complicada – a qualidade do serviço está na não padronização. Ela deve ser singularizada para todo mundo.

A qualidade do serviço não depende somente do prestador, mas, sobretudo, essencialmente como o paciente entende o que o médico diz que se trata de uma relação de cooperação, do prestador e do beneficiário.

Isso também vale para o juiz, um juiz que aplica as penas. Na França há juiz encarregado pela detenção, pelas penas dos condenados. Toda a qualidade desse juiz depende da relação que se estabelece com o condenado, vai depender da qualidade cooperação transversal. É preciso construir ou reconstruir as diferentes formas de cooperação – a ação racional para conjurar os processos de assédio no trabalho. É preciso fazer uma reestruturação baseada no conhecimento das dificuldades encontradas no exercício de suas tarefas.

O superior hierárquico não só transmite ordens, mas ajuda os subordinados a realizarem da melhor forma possível o seu trabalho. Portanto, uma certa forma de generosidade, essa ideia é necessária para desenvolver, estruturar os coletivos de trabalho, reuniões de staff , equipe, síntese – cada profissão tem uma nomenclatura para designar as reuniões nas práticas do trabalho.

A ideia então é buscarmos meios, os quais concessões devem ser aceitas contra a ideia produtivista e buscar ajuda mútua”.

DOMINAÇÃO

Christophe Dejours esclarece que Para as empresas é mais importante estabelecer e manter de forma duradoura e sólida a dominação, ele lamenta, porque a dominação total é mais importante para muitas empresas do que o próprio lucro. Podem até perder dinheiro, mas cumprem estratégias para recuperar. A ideia está baseada em princípios e doutrinas nessa forma de organização – numa dessas coisas a serem perseguidas… ele cita o exemplo de um diretor de empresa que disse “não quero ter no regulamento interno da empresa, retire a palavra cooperação” – depois de ouvirem consultores new management.

Dejours “Eu vi como isso funciona, as pessoas não querem ver a palavra cooperação. A cooperação é um tapa sexo de pessoas que não querem trabalhar. Aplicação da doutrina Margaret Thatcher: não há sociedade, somente indivíduos.

As empresas e os serviços públicos sabem muito bem que estão rompendo com a cooperação, perdendo recursos de produção. Aceitam perder recurso de produtividade porque aumentam sua dominação. Isso é importante porque a empresa é o órgão de desenvolvimento de dominação de novas formas do liberalismo”.

Foto: Secom/TRT-RS

Foto: Secom/TRT-RS

Após a explanação Dejours respondeu a perguntas do auditório que encontrava-se lotado, destacando os seguintes pontos:

1) Quando temos um pouco de dinheiro compramos coisas de melhor qualidade. Não é verdade que as pessoas compram sempre o mais barato. A situação se deteriora na medida em que as grandes multinacionais se deterioram. Na França, o essencial das riquezas econômicas, a Renault foi condenada por culpa no suicídio de um engenheiro. As pequenas e médias empresas na França é que fazem diferença na França essas experimentam novas formas de trabalho. Nós temos aqui vários magistrados e servidores, além de advogados, médicos que se preocupam com assédio moral nos órgãos da Justiça, a nossa preocupação é buscar estabelecer parcerias com os Tribunais.

2) É preciso pensar não somente em implementar em métodos de direção, mas é preciso também transmitir isso. Hoje o problema é formação de dirigentes que repetem a governança pelo número e isso é ensinado de tempos em tempos nos últimos 20, 30 anos as pessoas não ouviram falar trabalho coletivo, cooperação. A cooperação não cai do céu, depende da concordância das pessoas se organizarem, se ajustarem, como as ordens devem ser interpretadas há um problema de doutrina mesmo no ensino na formação. É muito difícil discutir tudo isso.

3) A ideia é criar a responsabilidade do gestor para manter espaços de deliberação, pensar no modo de trabalhar, o que é eficaz, o que é bom, o que é ruim. Tudo isso com desenvolvimento, com inteligência deliberativa. Quando se tratada frenesis, inteligência prática – dita deliberativa, ressaltando o termo grego frenesis é traduzido no latim por prudência – são formas de inteligência particular, com casuística, é assim que se aprende a dizer que se pensa e é muito difícil – eu assumo um risco em falar – nesse espaço, as pessoas aprendem a falar, a assumir o risco de falar – cada um deve depor sobre o modo como faz – nesse espaço de deliberação não é fácil falar do trabalho, é preciso escutar o outro. Nesse espaço de deliberação temos uma equidade entre o risco assumido por aquele que fala e o risco daquele que escuta. Há um risco em escutar, o risco de ouvir, de repente estou ouvindo o que o outro está dizendo – eu o tinha como cretino, sem vergonha – agora concordo que tenha razão. O risco de ouvir traz um espaço de deliberação e esse é o fermento da transformação da deliberação do trabalho.

4) Quando entendemos o funcionamento – não podemos agir racionalmente o conceito do princípio da inteligência individual do trabalho – se vocês não entendem o funcionamento do coletivo de trabalho não é possível dirigir a cooperação. A verdadeira responsabilidade do gestor é manter o espaço de deliberação, mas o chefe está também no espaço e dizer o que pensa é assumir os riscos – vai ter que se defender, justificar o seu ponto de vista – e ser um bom chefe é muito importante. Tudo isso é cooperação vertical, são necessárias ações racionais concretas. A saúde mental no trabalho depende da sua saúde, mas da lealdade dos outros, da ajuda de confiança do convívio da cooperação. É difícil um psicanalista compreender que a saúde mental, depende de mim e dos outros – se no meu trabalho permite ser mais feliz sem o trabalho é porque o trabalho pode ser tornar uma fonte de sofrimento.

5) As reuniões de equipe, elas são vistas como tempo de bate papo, de falatório, como um tempo desnecessário como um tempo não produtivo precisamente para os gestores. Os gestores consideram que os espaços de discussão e deliberação são tempos improdutivos – não basta decretar a reunião, é preciso qualidade de escuta dos dirigentes responsáveis, a escuta dos servidores públicos e magistrados. Posso dar exemplo numa equipe de hospital: não se escuta os chefes e médicos – se ouve também a faxineira – ela está nos quartos com os doentes mentais – ela estabelece com o paciente uma relação de confiança que eu médico não consiguiu estabelecer – às vezes o doente se acalma com a faxineira – aquele que está no topo tem que ouvir – esse princípio quase doutrinal e cada um – tem ponto de vista a partir do seu trabalho vivo – é a condição que permite a deliberação – ouve uma discussão com os enfermeiros – e todo mundo concorda e decide fazer a reunião – inclusive secretária que participa.

6) Os espaços informais são espaços de convívios. Nos correios há dois anos houve uma grande decisão proibindo todas as máquinas de café. Se destrói os espaços de convivência.

7) Quanto a importância da construção da virilidade – é completo prático no mundo do trabalho de hoje – talvez muito tempo é uma questão filosófica fundamental – a virilidade está sempre associada a coragem – é viril desde os gregos – é corajoso aquele que é capaz de matar – e é um problema fundamental – ser corajoso para os homens comuns seria capaz de matar judeus? Na verdade, o corajoso é aquele que se recusa a matar. Às vezes a coragem está a recursar-se a infligir o sofrimento ao outro. Coragem é uma das virtudes cardinais na teoria filosófica desde Platão – entendo que coragem e virilidade devem ser separadas porque sob a lupa da clínica do trabalho sempre aparece como sendo essencialmente defensiva – ela é exaltada – essencialmente por razões defensivas – a virilidade sempre é uma dimensão que atravessa quase todas as estratégias de defesa contra o sofrimento. O próprio assédio do qual eu falei é resultado de uma estratégia coletiva. Quem está ao lado do realismo econômico, defende a guinada econômica, acima das pessoas, com pensamento de que qualquer pessoa que não queiramos que partam porque são fracos. Esses são valores que são exaltados exibidos para não enfrentar a angustia do conflito psíquico. Um juiz que renuncie a escrever aquilo que é esperado da sua sentença vai passar mesmo mal feita, ele não terá trabalho para fazê-la, mesmo mal feita, ele não vai redigir conclusos, não vai desenvolver, não é prazeroso trapacear a lei o dia inteiro. É um trabalho de porco que desonra alguém. Milton Friedman, Margaret Thatcher, Neoliberalismo darwiniano “que os fracos morram e que os melhores ganham”. Haverá mortos? Haverá. A origem de todas essas discussões não foi levada a cabo, Freud já mostrou que as neuroses de guerra adoecem, passam a ser aos olhos da hierarquia dos oficiais covardes, mas para os médicos e psiquiátricas são covardes. As pessoas que se sufocam. E aí se pode entender que aqueles que adoecem são os corajosos, que tentam continuar pensando a sua situação de combatente. Um jovem soldado descobrindo aos 18 ou 19 anos o ego pacífico desencadeia a neurose de guerra, a partir daí não é mais corajoso, porque corajoso aquele que diz que é melhor não matar.

8) Podemos nos perguntar sobre as mulheres. Não devemos obrigar uma mulher que ela deve ser capaz de matar. Precisamos mostrar que a coragem deve ser desvencilhada virilidade. Enfermeiras. Descobre-se agora que as primeiras a criarem estratégias de defesa foram as enfermeiras, as primeiras a produzirem estratégias coletivas de mulheres sem referência à virilidade. Chegamos a questões muito interessantes. As quatro dimensões do cuidado e existe discussão sobre a ética do cuidado. Nos EUA – na filosofa americana para pensar a questão da coragem – as enfermeiras, os teóricos do cuidado acabam esquecendo hoje a coragem. Faz parte pensar isso, a coragem no feminino como contraponto a coragem viril que tem nos causado tanto mal desde a antiguidade.

 

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Carmela Grüne é Editora Chefe do Jornal Estado de Direito. Advogada. OAB/RS 76.190.  É Mestre em Direito pela UNISC, com pesquisa em Direitos Sociais e Políticas Públicas. Cursa Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Fundação Escola Superior do Ministério Público em parceria com a Fundação Escola da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (2017). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (2018). Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006). Jornalista. Radialista. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS. Autora da Saraiva Jur.
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