Todos temos que lembrar – A lição e a missão do jornalista

Coluna Lido para Você

Todos temos que Lembrar – A lição e a missão do jornalista. CUNHA, Maria Jandyra C. (Org.), CUNHA, Luiz Cláudio, SOUSA JUNIOR, Jose Geraldo de, MOTTA, Luiz Gonzaga, TAVARES, Flávio e BUARQUE, Cristovam. Brasília: Editora UnB, 2013, 104 p.

Capa do livro “Todos temos que lembrar. A lição e a missão do jornalista”.

Todos temos que lembrar

Este livro reúne os memoriais, pareceres e discursos que precedem e se materializam na cerimônia de concessão do título de Notório Saber em jornalismo a Luiz Cláudio Cunha, pela Universidade de Brasília, em sessão solene do seu Conselho Universitário, no dia 9 de maio de 2011. O livro foi organizado pela esposa do agraciado, a também professora Maria Jandyra C. Cunha, que agregou à obra, além do material já  mencionado, a saudação do Professor Luiz Gonzaga Motta, a minha manifestação na qualidade de Reitor e de Presidente do Conselho, acrescentando um prefácio a cargo do Jornalista Flávio Tavares, ex-professor da UnB e um posfácio do senador e ex-Reitor da UnB, Cristovam Buarque. E, naturalemente, o discurso do homenageado, jornalista Luiz Cláudio Cunha, um dos mais conhecidos e reconhecidos profissionais do jornalismo do Brasil.

A organizadora ainda inclui nesta edição, um anexo, contendo uma série de doze artigos de Cunha sobre eventos como o golpe civil-militar de 1964, a tortura, a repressão, os desaparecimentos forçados, a autoanistia, a violência e a impunidade que marcam a alma brasileira, mesmo após o fim da ditadura temas que estão sempre presentes no fascismo inconsciente que se aninha na sociedade brasileira e que em momentos tensos, nos quais se agudizam os dissensos sociais, rapidamente afloram. Por isso, do mesmo modo, anexou o texto A força da palavra, a palavra da força, conferência proferida por Cunha no encerramento do XIV Congresso Internacional de Humanidades Brasil-Chile: Palavra e Cultura na América Latina – heranças e desafios (2011). A Organizadora justifica essa inserção, expressiva sobre ser essa dimensão do trabalho jornalístico de Cunha, algo que o identifica profissionalemnte, em temas e estilo. Mas, sobretudo, tal qual uma premonição, porque o texto, tal como Cunha o apresenta,  se entrelaça com o tema maior do evento pondo em relevo, no presente e para o futuro, o ancestral conflito entre a liberdade e o autoristarismo no uso da palavra, assunto em boa parte retomado no seu discurso na cerimônia de outorga do Notório Saber (p. 11-14).

Com efeito, é a palavra que define o jornalismo, assim se posicionou Flávio Tavares, no prefácio (p. 15-160). E ao dizer isso, referindo-se a Luiz Cláudio Cunha, pontifica para os que se dedicam a esse ofício, principalmente hoje: No mundo da sociedade de consumo, cada vez mais as palavras perdem valor e significação e viram sons indefinidos e difusos, sem compromisso com a realidade. Já não se exige que a palavra se ligue à dignidade da existência. De tanto ser usada em vão, defendendo a mesquinhez, justificando guerras ou a degradação do planeta, a palavra perde o sentido e vira simples som de tambor.

Título de Notório Saber

Tanto mais que no percurso do homenageado o que o evento designa, num ambiente acadêmico, é o encontro do saber notório com a prática. A isso se referiu o Professor Gonzaga Motta em seu discurso construído desde o memorial de propositura da outorga do título. E esse encontro, aferiu o memorialista (p. 53-73), acentua o caminho que mais nitidamente assinala o percurso de Luiz Cláudio Cunha. Um caminho nobre: apostar nos direitos humanos como um paradigma transdisciplinar e universa;. Um compromisso que é mais politico que técnico. Uma trilha que perpassa o campo profissional e o acadêmico, reunindo todos eles sob o paradigma maior dos direitos humanos e do desenvolvimento social. Um caminho muito mais complexo e desafiador do que a simples dicotomia rasteira entre a prática e a disciplina.

O jornalista Luiz Cláudio Cunha.
Foto: Wikimedia Commons

Todos temos que lembrar, assim Luiz Cláudio abriu o seu discurso (p. 17-46), porque a memoria da humanidade é um patrimônio de todos e de cada um de nós e, se nem sempre sabemos, todos lembramos. Todos precisamos lembrar. Mas o jornalista, como o historiador, além de lembrar, tem o dever de contar.

Para mim, que presidi a cerimônia, foi esse o grande sentido da manifestação do homenageado, tal como designei em minha manifestação, que a Organizadora trouxe para o livro dando-lhe como título: a lição do jornalista (p. 47-51).

Se bem tenha iniciado meu discurso com o esclarecimento sobre o conceito da distinção – notório saber – inscrita no estatuto da universidade e, assim, explicado que um título de Notório Saber é especial porque os outros títulos previstos são certificações que fazemos a partir dos cânones que a própria Universidade estabelece, mas o faz para diplomar percursos, carreiras,  que ela acompanha, avalia e qualifica. O Notório Saber é diferente, porque a Universidade vai ao encontro de quem, independentemente dela, construiu um percurso em que com seu saber próprio – aquele saber de experiências feito, reivindica da Universidade que ela se abra para essa interlocução muito peculiar. E que ela que se arvora ser o lugar exclusivo de certificação, passe a reconhecer que há outros lugares em que o saber, o conhecimento, também se organiza.

O que distingue a Universidade é ela poder ser o lugar em que todos os saberes podem dialogar. Naturalmente, é essencial que dialoguem prática e teoria: o saber da vida prática, que organiza a nossa ação no mundo, com o saber universitário, o saber acadêmico, o saber sistematizado. Entretanto, o conhecimento de notório saber tem essa dimensão exponencial, para provocar o diálogo. Porque reivindica do saber normalizado, abrir-se para a pluralidade interpretativa do mundo.

Lembrar para contar

Se o notório saber alude à prática, a prática pensada é sempre oportunidade para grandes lições. Tal a grande lição que oferece o homenageado. A lição de um grande jornalista. Como jornalista, ele diz, é preciso lembrar para contra. Isso também disse Gabriel García Márquez, outro grande jornalista (Viver para Contar. Rio de Janeiro: Record, 2ª. edição, 2003).

Foto: Wikimedia Commons

E o jornalista nos ofereceu uma grande lição, se conferimos o seu texto. Ele lembrou uma quadra sombria da história brasileira, uma história de extrema violência institucional, de enorme perigo, principalmente para a higidez das próprias instituições. O alcance da lição está em que ela não isola no passado um acontecimento para recuperá-lo por meio de uma narrativa embora crítica. Mas porque ela mostra que o passado se enrosca no presente e furtivamente se prorroga para o futuro. É recidivo, repristinatório. Sua sombra densa se estende na paisagem e eventualmente ganha nitidez. Como nesse momento, ainda obscuramente mas já se prenunciando em meandros palpáveis. Uma institucionalidade que se fragiliza, uma representação que se falseia, uma juridicidade que se esgarça e eis o paroxismo que volta à tona. O monstro do fascismo não dorme, hiberna.

Por isso outra grande lição, esta do historiador (Walter Benjamin, Sobre o Conceito da História. In Obras Escolhidas, Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 3a. edição, 1987, p. 222-232): construir a história como um relampejar do momento em que vivemos no perigo para que a nossa consciência aberta sobre o seu significado nos oriente à ação transformadora, para o nunca mais.

Em Luiz Cláudio Cunha, a lição visa a abrir a experiência política para a democracia, para recuperar o sentido legítimo da anistia que não se preste de abrigo para perpetradores de crimes contra a humanidade e para a realização plena do projeto de sociedade inscrito na Constituinte de 1988. Projeto contra o qual estão em permanente armação golpes letais de opressões e de espoliações de ontem e de hoje, e dos  autoritarismos impertinentes, de qualquer natureza, legislativos, judiciários, midiáticos, civis e militares com os quais se instalam, felizmente, nunca de forma permanente.

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José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

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