Eficácia expandida da coisa julgada individual

O novo CPC tem suscitado inúmeras questões. A presente reflexão aponta uma das mais polêmicas. Trata-se da possível eficácia expandida da coisa julgada individual.

Como se sabe, existem duas grandes técnicas para a tutela dos direitos que nascem de situações fáticas repetitivas, isto é, direitos que apresentam alguma homogeneidade.

De um lado, a técnica representativa, por meio da qual pode ser proposta uma ação coletiva por um ente legitimado em lei, que não é titular do direito material discutido em juízo. Haverá, no caso de procedência da demanda coletiva, formação da coisa julgada de efeito erga omnes. Nesse caso, qualquer pessoa pode se valer da sentença coletiva para pleitear a liquidação de danos que sofreu individualmente.

A técnica não-representativa, por sua vez, utiliza-se de demanda proposta pelo titular do direito material que é representativa da controvérsia instaurada em inúmeras outras demandas (repetitivas). Esta técnica se vale de uma decisão que tem caráter vinculante, isto é, torna-se obrigatória para os órgãos do Poder Judiciário.

A ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos, prevista no Código de Defesa do Consumidor, nos arts. 91 e seguintes, é exemplo da primeira técnica.

A técnica para o julgamento de recursos especiais repetitivos, adotada pelo art. 543-C do CPC/73, por sua vez, exemplifica a segunda hipótese.

Assim, nos dias de hoje temos sentenças coletivas que produzem efeito erga omnes ou ultra partes e sentenças individuais que produzem efeito vinculante.

Será que, nesse contexto, também podemos admitir a existência de sentença individual de eficácia expandida?

O CPC/2015 abre as portas para a interpretação que admite a possibilidade de eficácia expandida da coisa julgada individual.

Ocorre que, ao contrário do CPC/73, o CPC/2015 não mais contém a restrição no sentido de que a coisa julgada não possa beneficiar terceiros. Com efeito, assim dispõe o seu art. 506: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

A impossibilidade de prejudicar terceiros tem fundamento constitucional, pois ninguém pode ser privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).

Todavia, não há inconstitucionalidade, segundo pensamos, no fato de uma sentença proferida em processo individual poder produzir efeitos favoráveis a quem não foi parte no processo. Basta que, de alguma forma, como em um incidente, por exemplo, garanta-se a possibilidade de as partes discutirem a aplicabilidade do caso julgado individual a outra situação semelhante.

A possibilidade de efeito expandido da coisa julgada individual já foi sustentada doutrinariamente, no caso de demanda em face do Poder Público, que postula direito fundamental.

Sustenta-se que, diante de pedido de tutela jurisdicional de direito fundamental social garantido expressamente na Constituição Federal, o juiz possa advertir o réu, no momento da citação, sobre o possível efeito expandido da coisa  julgada.

Transitada em julgado a sentença que reconhece o direito à prestação jurisdicional acerca de direito social fundamental, poderia o juiz, com fundamento no princípio da isonomia (o mesmo que embasa a eficácia vinculante dos precedentes), advertir a Administração Pública sobre a necessidade de estender a prestação estabelecida em sentença individual a todas as outras pessoas em igual situação daquela do beneficiário direto da decisão.

Inclusive com a possibilidade de se cominar pena pecuniária se o agente público responsável deixar de tomar a mesma providência em relação aos sujeitos que se encontrem na mesma situação do indivíduo beneficiado pela sentença judicial.

A tese foi sustentada por Carlos Alberto de Salles, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e Professor da Universidade de São Paulo: Coisa julgada e extensão dos efeitos da sentença em matéria de direitos sociais constitucionais, In: Em defesa de um novo sistema de processos coletivos, São Paulo: Saraiva, 2011.

Concordamos com a proposição do autor, segundo a qual os princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade impõem que o direito fundamental reconhecido judicialmente não pode se limitar ao cidadão que é portador de sentença e ser negado ao que se encontra em situação fática idêntica, mas que não é portador de sentença.

Devemos refletir, portanto, sobre sentenças coletivas que produzem eficácia erga omnes, sentenças individuais de eficácia vinculante e sentenças individuais de eficácia expandida.

Marcos Destefenni

Doutor e mestre em Direitos Difusos (PUC/SP). Mestre em Processo Civil (PUC/Campinas). 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público do MP de SP. Membro da Assessoria Jurídica do Procurador-Geral de Justiça de São Paulo. Professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie. Membro do IBDP. Membro do CEAPRO.

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