A adoção de consultorias de qualidade como ferramenta neoliberal – o caso Falconi

Coluna Democracia e Política

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Foto: TJSP

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Dirigir com “sangue nos olhos”

Uma forma de avaliar o peso das consultorias na gestão neoliberal de Nelson Marchezan Jr e José Ivo Sartori é rever a história de Vicente Falconi, o criador da Consultoria que leva seu nome.  No prefácio de Vicente Falconi, o que importa é o resultado, obra da jornalista Cristiane Correa (Editora Primeira Pessoa, 2017), Marcel Teles, sócio da 3G Capital, lembra que foi a secretaria de economia Dorothea Werneck que indicou-lhe Vicente Falconi para cuidar da eficiência e custos da empresa Brahma, que ele dirigia “Obvio que, para conseguir o aumento de preços, eu faria qualquer coisa”, diz.

O tom de Teles é daquele que se dirige a um “´missionário da organização”, de que Falconi, “é quase um santo”, de que seu trabalho é uma “missão de vida” (P. 12). O pressuposto do sucesso em empreender o método de Falconi é que, “para dar resultado, é preciso que exista na companhia alguém com uma vontade inabalável, quase um fanatismo de realizar melhorias e o poder para levar isso adiante” (p.11), registra a jornalista. Curiosamente, o perfil do Prefeito Nelson Marchezan Jr encaixa-se como uma luva com sua vontade inabalável de atacar servidores, seu fanatismo em defender um projeto de reformas que encontra resistência em vereadores de sua base e servidores. Mesmo José Ivo Sartori, que compartilha do mesmo projeto neoliberal e do uso de consultorias identicas, não tem a “gana”, a vontade inabalável que o prefeito revela.

Desde sua origem, Falconi deu ênfase a importância de se “descer até o chão da fábrica”, isso é, a necessidade de uma boa administração basear-se na busca de fazer a coisa certa a partir de dentro do setor, mas entendo que o apelo a liderança fanática pesou mais alto no sucesso das consultorias. A hipótese é que o consultor era, por assim dizer, um “massageador de egos”, na medida em que enfatizava a necessidade de um líder carismático, dotado de poder, e daí a ênfase de Correa na necessidade de Falconi, para trabalhar o método, encontrar jovens com “sangue nos olhos”, “faca nos dentes”, outra descrição cuja imagem o Prefeito busca encarnar – e o faz muito bem – seja em seu discurso junto a Convenção do MBL ou em seus ataques ao funcionalismo.

Diferença entre mercado e estado 

Quando o método de Falconi começou a ser criado nos anos 70, sua cartilha pregava substituir o paternalismo vigente nas empresas pela meritocracia. No Brasil à época, diz Correa, imperava os critérios de tempo “de casa” e “idade” que eram mais importantes que o resultado prático do trabalhador para empresa. Para mim é notável a desvalorização de critérios essenciais às carreiras públicas como tempo de serviço e idade,  porque não consideram que eles são importantes para a fixação e qualificação do trabalhador no serviço público: quanto mais tempo, mais experiência, quanto mais experiência, melhor a prestação de serviços públicos.

A diferença é que, enquanto  na economia empresarial, somente resultados importam, na organização pública, processos importam; na iniciativa privada, importa gerenciar estoques, estabelecer preços e comunicar marcas; na iniciativa pública importa prestar serviços, atender bem o público e prestar informações. Porquê? Porque o objetivo do Estado não é lucro, é prestação de serviços.  O primeiro erro do método de Falconi aplicado às organizações públicas é toma-la como simulacro das organizações privadas, quando não o são.

Correa conta uma história do início da carreira de Falconi junto a Brahma “O padrão da Brahma na época era enviar as cartas de demissão para as residências dos empregados que seriam desligados. Os advogados temiam que, se a demissão acontecesse na empresa, o sindicato argentino pudesse orientar os empregados a permanecer no local (uma frase repetida com frequência pelos sindicalistas era “Empresa parada, empresa tomada”).

Paiva [ Bernardo Pinto Paiva, que seria após apresentado a Falconi, era então diretor), porém, se recusou a seguir esse modelo. Para ele, o certo seria olhar nos olhos de cada um e explicar porque as atividades estavam sendo encerradas” (p.16). Correa finaliza: “Foi um tremendo desgaste emocional, mas não tivemos processos trabalhistas”, explica. Bem vindo ao caráter humanitário da nova gestão empresarial: não é notável que mesmo em um contexto de demissões em massa, seja objeto ainda privilegiar, mesmo sob o disfarce humanitário, os lucros da empresa?Essa experiência de demissão de servidores como elemento de reformas gerenciais retorna quando a proposta tanto de Marchezan quanto de Sartori envolvem reformas administrativas com extinção de orgãos: os objetivos são a demissão sumária, no caso da Prefeitura, dos servidores do DMAE e da Carris, e no caso do Estado, das Fundações.

De onde vem a ideia de que a redução da máquina é favoravel a reforma administrativa? A Brahma, as vésperas do contato com Falconi, era uma empresa que sentia a falta de ciência para produzir aumento de lucros e vendas. Os processos de modernização representaram, na verdade, para a empresa, lucros com a redução de empregos “reduzimos o número de revendedores de mil para 200. Era menos gente, mas todo mundo ganhava mais dinheiro”, diz Adilson Miguel, ex-executivo da cervejaria á entrevista a Correa.

Esse ponto é essencial: a modernização baseada na redução de pessoal nasce na promessa de ampliar lucros dos demais, e essa falta de compromisso com o social, com a geração de empregos é que mostra o caráter vil dessas empresas que, curiosamente, em seus departamentos de propaganda, sempre reivindicam o chamado “caráter social da empresa”.

As bases da consultoria de Falconi

O contexto de surgimento da consultoria prestada por   Falconi é o do começo do governo Fernando Collor de Mello, onde o congelamento de preços impunha perdas as empresas  e que estava caminhando para o fim.  Haviam preços congelados, controlados, de liberdade vigiada e liberados. É claro que as empresas queriam liberar seus preços, mas a secretaria da fazenda, a então economista Dorothea Werneck, cobrava redução de gastos.

Diz Correa “Dorothea queria que as empresas brasileiras deixassem de simplesmente empurrar seus custos para o consumidor e passassem a ser mais eficientes” (p. 19). O curioso é que, Marcel Telles, outro diretor encarregado de reformas na Brahma, reclama justamente da falta nas empresas de um critério valorizado pela administração pública: “Mudar alguém de cargo era uma dor de cabeça porque, quando a pessoa deixava a posição, quem a ocupava precisava aprender tudo do zero.”

Ora, a ideia de produtividade como superior a experiência era justamente o principio de base introduzido por Falconi, de que o mérito era superior ao tempo de serviço, mas tempo de serviço é conhecimento! Telles então conhece Falconi, com cinquenta anos, formado em Engenharia pela UFMG, doutor pela Colorado Scholl of Mines e que prestava serviços de consultoria para a Fundação Christiano Ottoni. Diz Correa: ” [sua] filosofia baseava-se em uma sigla conhecida como PDCA (Plan, Do, Check, Act; em tradução livre, Planejar, Executar, Checar e Atuar Corretivamente), que se tornara popular no Japão Pós-Guerra graças ao teórico americano William Edwards Deming. Em linhas gerais, ela consiste em quatro passos: identificação de um problema, elaboração e implementação de um plano para resolve-lo, checagem dos resultados obtidos e padronização dos processos (e eventuais ajustes). A força dessa metodologia está na repetição continua do ciclo, algo que exige uma boa dose de disciplina e tempo” (p.22).

Típico produto do racionalismo em administração, o programa conquista aliados entre aqueles que compartilham uma visão cartesiana de mundo. Foi o caso na Brahma, onde a consultoria teve o apoio de Regina Langsdorf, engenheira química responsável pela administração dos laboratórios. Correa afirma que o método era padronizado em três partes: um objetivo gerencial, um valor e um prazo, em ações desdobradas para todos os níveis da administração. A empresa designou também Bernardo Paiva para resolver problemas da empresa em Recife e ele utilizou os recursos da consultoria de Falconi. Segundo Correa, Paiva “foi treinado para pensar na solução de problemas de forma analítica.

Para sua surpresa, porém, aprendeu que, embora método e conhecimento fosse importante no sucesso de uma empresa, para o Professor, nada era mais crucial do que gente, que “gente faz a diferença”. Na sua origem, a consultoria de Falconi ainda valorizava o trabalhador, mas não é notável que, as medidas propostas pela consultoria hoje para a Prefeitura de Porto Alegre se afastem tanto das origens do próprio método em seu enfrentamento e desvalorização dos servidores públicos? Para Paiva, que com Falconi percorriam as rotas de vendedores, o importante era acompanhar o trabalho de base para concluir que o conhecimento é chave para impulsionar as vendas, atitude na contramão das propostas de  Marchezan, que produz uma reforma de cima para baixo, não ouve seus servidores e muito menos sua equipe de trabalho, haja vista o número de secretários que abandonaram sua pasta ainda no primeiro ano.

Nessa evolução, para pior, o efeito é a ênfase na transformação mecânica do serviço, já que o valor que é dado as teorias de Falconi é a defesa da “Rotina. Método. Padrões. E a capacidade de replicar tudo isso indefinidamente” (p. 26). A preocupação com a rotina e o estabelecimento de fluxos de trabalho de forma disciplinar chega ao auge com a descrição do método a maneira de Michel Foucault, onde, em sua obra Vigiar em Punir (Editora Vozes), descreve o mecanismo disciplinar como panóptico, isto é, aquele que exige determinar aquilo que se faz hora a hora, num notável exercício de poder e controle dos corpos dos trabalhadores. Marchezan e Sartori, em seu íntimo, imaginam a extensão desses mecanismos aos servidores públicos.

Paiva explica detalhadamente: “Decidimos transformar o processo todo numa agenda: segunda-feira, 7 horas da manhã, faça isso. As 8 horas, faça aquilo e assim por diante. As pessoas começaram a trabalhar sem necessariamente saber que estavam seguindo um método. Quando você consegue estabelecer uma rotina, a execução melhora” (p.26).

Foto: Cesar Lopes/ PMPA

Gestionar é criar poder disciplinar

Não é esse à mesmo estratégia descrita por Michel Foucault em Vigiar e Punir? A conclusão é clara: o método de Falconi é expressão do poder disciplinar.  Diz Foucault que o tempo disciplinar é otimizado da seguinte forma: 1°) dividir a duração em segmentos, sucessivos ou paralelos, […];2°) organizar essas sequências segundo um esquema analítico […]; 3°) finalizar esses segmentos temporais, fixar-lhes um termo marcado por uma prova, […];4°) estabelecer séries de séries; prescrever a cada um, […] os exercícios que lhe convêm; […]” (FOUCAULT, 2005, p.133-134).

Esse tempo disciplinar imposto pelo método de Falconi é o mesmo tempo disciplinar imposto sobre a prática pedagógica, pela prática das prisões, e como demonstra Foucault, é uma forma do poder que se articula sobre o tempo por meio do controle de sua atualização, é a colocação dessa série de atividades que controla detalhadamente o tempo com o objetivo de controle do indivíduo conforme seu potencial de acumulação.

O que é o Poder Disciplinar? É o controle do tempo e do espaço exercido por procedimentos disciplinares que faz submeter o corpo a técnicas de vigilância e controle, transformando-o em um corpo dócil e útil, apropriando-se do corpo com a finalidade de tirar o máximo dele possível. O método de Falconi é disciplinar e seu foco é o corpo do trabalhador porque é apoiado na rotina, a gestão de resultados é feita pelo exercício de um poder disciplinador. Diz Falconi: ” é algo fora do comum você ter milhares de vendedores pensando igual, cada um com sua meta, ainda de uma forma muito disciplinada.

Quando você tem uma máquina desse tamanho funcionando com um processo muito especificado, fica difícil lutar contra ela”. E finaliza: “a ´maquina percebe tudo, sabe tudo, fala tudo, instrui tudo” (p. 28). Não tenho dúvidas de que nossas lideranças imaginam a máquina pública funcionando como a máquina imaginada por Falconi, uma máquina que trabalha coesa, segue regras, produz. Uma máquina como esta, no entanto, é privada de liberdade. Não vive.

Que máquina é esta de que fala Falconi? Ela é a metáfora do mundo imaginado pela gestão, que, nos dizeres de Gilles Deleuze e Felix Guattari em O Anti-Edipo (Editora Assirio e Alvin), refere-se ao fato de que o capitalismo não deixa de instaurar em seu processo de produção, também um processo de repressão, fixa as pessoas em determinadas coordenadas de comportamento, “uma máquina define-se como um sistema de cortes”, diz Deleuze& Guattari (p.39). Somos máquinas desejantes, dizem os autores, porque a lei da produção é administrar fluxos, inclusive de trabalho, a partir do trabalhador condicionado em seu desejo “dir-se-á que esta vida mecânica, esquizofrênica, exprime mais a ausência e a destruição do desejo do que o próprio desejo” (idem, p.40).

O que este sistema ideal esquece, segundo os autores? Que “nas maquinas desejantes funciona tudo ao mesmo tempo, mas em hiatos, rupturas, avarias, falhas, intermitências, curtos-circuitos, distâncias e fragmentações, numa soma que nunca reúne as partes num todo” (p.45). Não é exatamente na contramão deste reconhecimento da humanidade, do componente irracional, da falha, que se insurge o modelo de Falconi: “nosso mindset é essencialmente o mesmo: criar rotinas, ter processos, fazer testes de mercado de forma cientifica, encarar um problema como algo bom, que pode ser resolvido” (Correa, p. 29). O poder da eficiência tem a máquina como modelo. Mas máquinas não são homens. Você pode programar uma máquina para ter foco financeiro, ganhar mais dinheiro, usar a métrica financeira para dar rumo a uma empresa, simplesmente porque, no serviço público, processos importam. Não é possível ter o resultado como único objetivo.

É interessante que Correa resgata a trajetória do conceito de qualidade total, que inspirou Vicente Falconi.  Ela situa nos anos 20 o surgimento do conceito baseado no controle estatístico dos processos, a partir do trabalho do engenheiro e estatístico americano Walter A. Shewhart e aplicados pela primeira vez na companhia de telecomunicações AT& T. O conceito foi adaptado para o modelo PDCA pelo engenheiro William Edwards Deming e em pouco tempo disseminou-se para empresas americanas.

Após a segunda guerra mundial, o método é descoberto pelos japoneses “a indústria japonesa percebia que, pelo controle estatístico, podia se tornar mais produtiva, diminuir o desperdício, fabricar produtos melhores. A princípio, o movimento ficou restrito aos círculos de engenheiros e técnicos. Para chegar ao topo das organizações e ao corpo gerencial foi preciso promover uma quase “lavagem cerebral”” (P. 42). É essa característica de persistência, de quase lavagem cerebral, que se vê ainda imperar nos processos que levam a adoção do método da consultoria, essa fé quase cega no processo, verdadeira educação para resultados, que faz da qualidade total a ideologia do neoliberalismo.

Qualidade total como estratégia neoliberal

Como emergiu o conceito de qualidade total? A partir do desenvolvimento da sociedade capitalista ocorrem processos de adequações e readequações para superar conflitos e crises. Liberalismo, e após, neoliberalismo, estabeleceram paradigmas de acumulação de capital e desenvolvimento econômico. O neoliberalismo, a partir dos anos 80, superou a crise da acumulação fordista lançando mão de novos mecanismos de organização da produção, remodelamento das relações de trabalho, onde o conceito de qualidade total emerge para estabelecer novos condicionantes de assujeitamento.

A qualidade total, discurso que surge para refundação do sistema produtivo e logo, estendido para a educação, tornou-se pensamento político estratégico neoliberal, em sua necessidade de redefinir a organização produtiva, “Essas modificações estruturais e materiais vêm acompanhadas e articuladas numa intensa cadeia conectada e sustentada por um sistema de ideias, princípios e concepções coerentes com os objetivos e as metas estabelecidos pela economia de mercado. Há uma sintonia entre o que é dito, defendido e difundido no plano das ideias e o que efetivamente é posto em prática. ”, como afirma José Clovis Azevedo em (mimeog 1995)

Mas ainda havia, no pensamento original de Falconi, a valorização da pessoa.  Enquanto as indústrias brasileiras eram modernas, as japonesas eram antigas, mas porque, pergunta Falconi, eram tão produtivas? A resposta estava na qualidade do trabalhador, nas pessoas “. Não há revolução na administração sem pesquisa ao chão da fábrica, destaca. O exemplo vinha da Toyota, onde Taiichi Ohno, foi ao chão da fábrica para aprimorar o serviço. Sua proposta, o Controle de Qualidade Total, tinha um princípio básico; ” O TQC previa que nas fábricas qualquer operário teria autonomia para interromper a produção quando detectasse um erro”. Mas o princípio era, no mesmo momento, colocado em contradição, pois acreditavam que, “para treina-los vale até fazer uso de metrônomo para acostumar todos a seguirem a mesma velocidade”. Não há autonomia na fábrica capitalista voltada para o desenvolvimento do homem, apenas do produto.

Falconi se declara cartesiano, que entra numa empresa em busca da …”verdade”. Seu positivismo está em igualar verdade com dados, números, fatos. Sua vida foi marcada pela dedicação ao seu método, com o qual deslanchou como profissional, mas ao mesmo tempo, deixou em segundo plano a família. A mentalidade Correa conta que Gerdau, ao perguntar a um funcionário de um estaleiro a diferença entre o trabalhador japonês e o brasileiro, teria ouvido dele que o japonês segue ordens, o brasileiro não. Mas há algo que constato que mudou da gestão de Falconi para o aplicado na Prefeitura: enquanto que o método Falconi “permite que as pessoas que trabalham na base da organização contribuam para buscar a causa do problema, permite que o operário seja engenheiro” e como afirma, seja “uma revolução democrática”, o processo como conduzido em Porto Alegre foi autoritário, com reformas sendo pensadas de cima para baixo e impostas aos seus trabalhadores.

Porque a mudança?  Correa afirma que a medida que a demanda por serviços da consultoria crescia,  nasceu a “consultoria caubói”, que significava, no estilo do velho oestes, que profissionais desbravam o mercado ” jargão criado internamente para definir seu modo de atuação [onde] cada um fazia seu trabalho sozinho[…] a gente vendia dias de trabalho. Portanto, nossa grande meta, ao dar consultoria à um cliente, era garantir uma nova visita”, afirma  Marcio Roldão, um dos integrantes da empresa de consultoria. E continua; ” A gente ia as empresas ensinar padronização, indicadores, itens de controle, 5S. Nosso foco era operacional e ainda desvinculado de resultados financeiros”. Correa lembra que o enfoque financeiro da consultoria veio depois, quando Falconi o desenvolveu junto a Brahma.

Entendo que Falconi ficou dividido entre as aspirações de um técnico de gestão que ainda se preocupa com a qualidade como sinonimo de mão de obra qualificada, e as aspirações das grandes empresas  no gerenciamento visando ao lucro. Na Sadia, a primeira coisa que concluiu foi a necessidade de qualificar com educação básica os trabalhadores “Cerca de 8.500 empregados da Sadia voltaram a estudar”, assinala Correa.

Mas a meritocracia de Falconi já começa a se curvar aos interesses empresariais. Nas disputas pelas melhores ideias dos trabalhadores, “o prêmio dos vencedores era o reconhecimento público – não havia recompensa em dinheiro”. Onde foi parar a valorizaçaõ do trabalhador com divisão de lucros? Trabalhando mais, galgando novos postos nas empresas para quem dava consultoria, Falconi enfrenta suas primeiras contradições éticas Como consultor, começou a fazer parte do conselho das empresas, o que é vetado pelo Código de Melhores Práticas do Instituto Brasileiro de Governança ” O conselheiro que presta consultoria perde a capacidade de avaliar os gestores, pois passa a ser corresponsável pelo sucesso ou fracasso do modelo de gestão escolhido”, destaca Renato Chaves, especialista no assunto entrevistado por Correa.

 

Uma receita passível de critica

 

No decálogo de Falconi passam a valer os seguintes postulados, no entendimento de Correa. Mas eles podem estar equivocados

 

1 Sem medição não há gestão. O erro de Falconi é que nem tudo que é qualidade do serviço pode ser mencionado. Você não pode medir dedicação, atenção, conhecimento aplicado. A concepção de Falconi é uma versão auto-ajuda para empresas. O trabalho não é apenas material, mas imaterial;

 

  1. Cada chefia deve ter de 3 a 5 metas. Estabelecer metas é base no modelo gerencialista. Ele pressupõe o exercicio do poder sobre os agentes do trabalho. Metas tiram autonomia de criação de gerentes, massificam o trabalho no “chão da fábrica”, alienando a criação que vem da base ;

 

  1. Métricas financeiras existem para mercado e governo. Principal erro das consultórias é a equivalência entre a iniciativ privada – que visa o lucro – a iniciativa pública, que visa a prestação de serviços. È expressão da ideologia neoliberal que visa tomar conta do Estado para colocá-lo a serviço do mercado;

 

  1. Problema é a diferença entre a situação atual e a meta. O erro de Falconi é colocar o objetivo das ferramentas de gestão nos fim e não no processo. Tempo importa. O espaço entre a realização de um projeto vale tanto quanto a meta atingida. Falconi esquece que existe entre o ponto inicial e o final um processo, repleto de contradições e conflitos a serem vividos.

 

  1. Alta rotatividade é inaceitável. Falconi despreza valorização com base no tempo de serviço, mas é ela que fixa o trabalhador no espaço de trabalho. Sem valorização do tempo de serviço, criticado por Falconi, não há fixação do trabalhador. Porque? Porque implica em conhecimenot.

 

  1. Liderar é bater metas. Errado. Liderar é exercer democracia e ela passa pela construção de acordos compartilhados, valorização dos trabalhadores. Metas podem ser artificais, processos são reais.

 

  1. Demitir quando necessário. Regra que se transformou em “demitir sempre”, princípio que nega a ideia de responsabilidade social das empresas. E as consultorias prestam um mal serviço público quando o principio é adotado pelos governos. È só olhar o processo de extinção de Fundações do Governo do Estado em andamento
  2. Não se aceitam desculpas. Princípio desumanizante. Erros dão humanidade e a liderança só tem utilidade se colabora na aceitação e correção dos erros,.

 

  1. Metas impõem desafios: ou atinge ou muda de cargo. Pressuposto errado porque o processo de trabalho envolve aprendizado. É preciso trabalhar com a ideia de “instituição aprendente”, que depende de auto-avaliação, democracia e participação na elaboração de metas. Da forma colocada, são metas “de cima para baixo”.

 

  1. Resultados passados não servem para o futuro . Pior pressuposto de todos. A história da instituição importa. Resultados do passado embasam ações do presente com vista ao futuro. Só um pensamento presenteista com objetivo de lucro dispensa a memória.

Um método gerencialista, mesmo quando inicia com uma visão progressista, de valorização do trabalhador, pode ruir quando é submetido as exigências do capital. Foi o que entendo que aconteceu com a proposta de Falconi, um estrategista sério e uma consultoria  cujo mérito foi atualizar as formas de gerenciamento de empresas brasileiras. Mas ele sonhou grande demais. Foi seduzido pelo capital conquistado com a multiplicação de assessorias. Arrastado por demandas de organização e necessidades de expansão de inúmeras empresas,  a consultoria cedeu em seus valores de origem e pior, serve hoje de referência para projetos de reforma do estado que os levarão a perda de sua função social.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

 

 

 

 

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