Uma crise que se repete como farsa

Relator do impeachment apresenta Relatorio a Comissão. Foto Zeca Ribeiro Camara dos Deputados/CP

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

 Dilma X Yeda

A máxima de Marx “ a história se repete como farsa” serve para ilustrar os verdadeiros significados da repetição em história. Quando olho a crise em que se meteu o governo Dilma, não tenho como deixar de imaginar que é a repetição não do que ocorreu com o governo Fernando Collor de Mello, como pretende a direita em sua crítica à posição defensiva da esquerda. Ao contrário, sua crise me parece muito próxima a que se sucedeu com o governo Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. Se não vejamos.

Quando um governo se aproxima de sua derradeira crise, aquela que prepara a sua dissolução, regra geral é anunciada por um acontecimento singular. Como se antes de sua queda, ocorresse uma surpreendente transformação, as pessoas sentem que o governo chegou ao fim, e simplesmente não o respeitam mais. Isso ocorreu quando massas de direita tomaram as ruas exigindo o impechment de Dilma Rousseff, da mesma forma que a casa da governadora Yeda Crusius foi objeto de manifestação pública.

No primeiro caso, o momento preciso desta ruptura se deu pela constatação de que a crise econômica tinha, de fato, uma origem politica. No segundo caso, se deu quando Yeda Crusius respondeu asperamente aos professores: a cena deixou a impressão de que o governo não respeitava mais os cidadãos da mesma forma que no governo de Dilma Rousseff, os cidadãos se deram conta da distância da realidade das promessas de campanha de sua presidente. Desse instante em diante, resolveram não mais respeitar sua governadora ou sua presidente.

O papel da Comissão do Impeachment

O que estamos vendo agora? Há muitas interpretações sobre a o papel da Comissão do Impeachment. Alguns acreditam que a comissão é legítima por que está seguindo o rito constitucional fazendo o enfrentamento sem medo do poder e supostos corruptos de plantão. A Comissão nasceu de um contexto no qual o judiciário, com uma nova geração de novos promotores, assume o espaço do serviço público dispostos a dar o primeiro passo para o fim da corrupção em nosso estado ou país.

Em ambas situações, tanto quanto no governo Yeda Crusius no  passado, como agora, no governo Dilma, contra as posições do judiciário se erguem os governistas, defendendo naquela época os direitos da governadora e demais acusados de terem acusações bem fundamentadas, primeiro passo para a construção do impeachment. De fato, por um pouco de tempo a mais, não poderia ter o MP obtido a liberação antecipada do segredo de justiça no caso de Yeda Crusius, ou Moro ter segurado a divulgação de informação privilegiada – a conversa de Dilma com Lula?

Essa visão ignora os fatos comuns entre ambos os governos, a saber: que tanto o governo Yeda como o de Dilma já iniciaram com uma divisão nítida notável, representada pela modesta diferença e  somente uma cegueira política podia pensar numa oposição moderada em quaisquer desses governos. Por mais que pareçam que tais fatos são distantes no tempo, agora reedita-se uma cisão nacional já experimentada na cisão da política estadual.

Toda a dificuldade de situar a crise é a dificuldade de apreender a verdadeira natureza do processo. Ele diz respeito ao modo de atividade da política e da justiça no meio da sociedade de cultura de massa: a enfática necessidade de aparecer para a multidão, a necessidade de mostrar serviço e de rebater as críticas e a necessidade imperiosa do espetáculo.

DIlma Rousseff

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR / Portal Brasil

Transformação da esfera política

Esse modo de aparecer – da política, do judiciário – diz respeito a enfática transformação da esfera política. Há duas consequências disto. Tanto Dilma como Yeda  não fizeram o governo que apareceu prometer (a campanha, a TV), mas justamente, fizeram o que prometeram  (os grupos, os interesses): ser um legítimo governo centro- liberal. Não foi isto que se viu com a redução da política social criticada por setores da própria esquerda que reconhecem os avanços de política social do governo Lula?

Yeda distribuiu migalhas para a educação e a cultura, a contrapartida de governos do PMDB que rezam pelo ajuste fiscal e atualizada pelo governo Sartori. Mas ambos tem uma semelhança problemática para a esquerda, a de governos com dificuldades de tratar a questão social, pois ambos mostraram-se incapazes de resolver e encaminhar demandas de políticas públicas e sociais. Não foi exatamente isto que aconteceu com Dilma Rousseff? Não vimos políticas, especialmente para o serviço público e a universidade, serem reduzidas injustificadamente?

Após o parecer da Comissão de Impeachment, aguardam-se um debate na Câmara dos Deputados. A defesa de Dilma deveria ser suficiente para demover os deputados, mas não será. Já vemos a submissão ao jogo nefasto da negociação no Congresso Nacional. As consequências para a esquerda são imprevisíveis.

Não podemos esquecer, contudo que, seja qual for o resultado, que estamos assistindo ao questionamento de um governo legítimo, a avaliação nacional da ação de partidos de esquerda. Acusados têm direito a ampla defesa, é claro.  Por esta razão, é preciso cautela. Se a ânsia por sangue da direita a fizer esquecer a base da justiça, estaremos decretando o fim da democracia. E a culpa será dela.

 

Jorge Barcelos
Jorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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  1. SERGIO RICARDO FREIBERGER

    NÃO CONCORDO, YEDA FOI CORRUPTA E TAVA CO O RABO PRESO, E FOI PROTEGIDA PELA MAIORIA ESMAGADORA DA CÂMARA APOIADA OBVIAMENTE PELO PMDB. LULA NAO MORA NO TRIPLEX, YEDA FOI MORAR NO APARTAMENTO DESCARADAMENTE.

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