O que está em jogo nas próximas eleições municipais

Coluna Democracia e Política

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Foto: Agência Brasil

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A futura base do poder local

As próximas eleições municipais são decisivas para a democracia brasileira. Elas decidirão se as conquistas democráticas dos últimos trinta anos deverão permanecer ou não. A razão está no fato de que se os eleitores continuarem votando nos representantes da direita, não identificando a diferença de suas posições e projetos, deixando-se levar pela manipulação da opinião, estaremos fadados a construir parlamentos locais à espelho do Congresso Nacional, isto é, parlamentos conservadores e com o olhar voltado para trás. Por isso a importância de votar bem nas próximas eleições para Prefeito e para as câmaras de vereadores precisa ser enfatizada. A base do poder local é essencial à vida política nacional. Uma mensagem do poder local ao governo central que precisa ser dita é que basta de liquidar direitos sociais.

Um poder local eleito no horizonte progressista tem força política pelo seu entranhamento na vida política brasileira. Deputados, Senadores, Ministros e Presidente são todos, sem exceção, muito sensíveis as demandas da base local. E ela está nos municípios, basta observar a riqueza política de suas funções. Só a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua última semana antes de seu recesso, realizou inúmeras atividades que nem sempre o cidadão consegue acompanhar, é só ver pelo site www.camarapoa.rs.gov.br.

Enquanto o Plenário aprovava inúmeros projetos que iam desde a lei que regula equipamentos de mídia exterior à legislação sobre o patrimônio histórico da cidade, as comissões permanentes realizavam reuniões que discutiam desde a necessidade de aparelhos de saúde de emergência à luta pela manutenção da escola Senai no Bairro Restinga, sem falar da Audiência Pública sobre o aplicativo UBER. A cidade é a base da vida social, os cidadãos vivem no seu poder local, verdadeira caixa de escuta da organização política nacional. É dela que deve emergir o freio que o governo necessita:  as ruas já não são mais suficientes, é preciso voltar a acreditar nas instituições, é preciso que o poder local empodere-se, isto é, faça/cumpra o seu papel de representante da comunidade local, enuncie sua vontade e faça aparecer ao poder central de suas ações.

Ações Políticas

Que são essas ações? Para um parlamento a altura de sua cidade, quase tudo. Elas podem parecer uma mix de ações políticas sem sentido para o público, mas a verdade é que ao longo do tempo, revelam o seu papel atuante na formulação de políticas públicas.

Todas as ações do poder local atendem, em primeiro lugar, a demandas sociais legítimas, sejam de atores sociais à direita ou esquerda do espectro político; todas os projetos de lei são peças notáveis, mas às vezes contraditórios, produtos de análise e discussões por inúmeros setores do legislativo antes de chegarem ao plenário e todos os debates e cobranças ao Poder Público tem origem na denúncia de moradores atingidos pela precariedade de serviços públicos através de seu parlamento. Está tudo lá, nas atas da Câmara. A cada ano, seu Presidente orienta uma agenda única – neste ano, na Câmara Municipal, sobre sustentabilidade e segurança- essencial à vida da cidade.

Novas funções foram assumidas ao longo do tempo nesse processo – o aperfeiçoamento dos mecanismos de transparência, a ampliação do acesso à comunidade e às escolas e a colaboração na oferta de atividade cultural para a comunidade: nesse momento, estão em andamento o Edital de Ocupação do Teatro Glênio Peres e o Edital do Salão de Artes da Câmara Municipal de Porto Alegre, mas de fato, o grosso da atividade parlamentar continua sendo fiscalizar e legislar em benefício da cidade e ouvindo seu cidadão. E ele está descontente com seu governo.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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O compromisso é de todos

É um parlamento feito de políticos e servidores públicos. Nem um nem outro são perfeitos, mas todos tem um compromisso sério com a sociedade. O Prefeito tem uma imensa responsabilidade, a gestão da cidade. Em Porto Alegre, secretarias e órgãos da administração indireta são responsáveis pela realização de políticas públicas. O perfil de cada Prefeito, sua ideologia e seu compromisso programático é fundamental para saber-se o tipo de cidade que deseja construir. Nem sempre, no entanto, o discurso de véspera de eleição se realiza na prática. Outros interesses se revelam, outras práticas são colocadas em ação. O cidadão, nesse caso, só tem um critério a seguir para decidir em quem votar: o balanço das gestões anteriores. O porto-alegrense é um cidadão critico de seu governo e raramente candidatos a prefeito que nascem nas fileiras da situação alcançam a vitória. O cidadão é inteligente, ele sabe que a administração de um partido é semelhante entre si, seja em que nível de governo for.

A disputa em Porto Alegre será dura e os candidatos já estão se armando. Há duas frentes. A primeira, de centro direita, representada por Sebastião Melo, vice-prefeito de José Fortunati, um homem trabalhador. Na Presidência da Câmara Municipal, fez reformas e deu ampla liberdade para seus servidores trabalharem. Na Prefeitura, esteve à frente da recuperação da cidade quando de sua pior crise climática, o temporal do início do ano.

Mas os problemas da cidade, as obras inacabadas e os escândalos de superfaturamento do DEP serão de difícil defesa. Pior, a criação da InvestPoa, uma S/A com o objetivo de investir ativos na Bolsa, passou desapercebido pela maioria dos cidadãos e mostrou que no fundo, no fundo, seu DNA é o do novo PMDB: os ativos são os bens da Prefeitura, as coisas da cidade. Se perder, perde tudo. Os servidores e a oposição ficaram horrorizados: abriu-se a porta para o capital tomar de assalto a cidade.  É assim com o novo PMDB:  a conquista da Constituição de 1988, com Ulisses Guimarães, foi sua última realização democrática; desde então o partido anda de braços dados com o capital. Com uma base de aliados superior à conquistada à época por José Fortunati, terá um imenso tempo de televisão. Suas chances são grandes de realizar seu projeto pessoal, tornar-se prefeito.

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A segunda frente, de esquerda, está dividida. Luciana Genro, pelo PSOL, está na liderança. Sua chapa, é de longe, a mais homogênea: seu vice é Pedro Ruas, do próprio partido, uma autoridade na defesa dos direitos do trabalhador. O PSOL está na liderança porque conseguiu ocupar o lugar simbólico do PT: possui um discurso de oposição com práticas de partido coerentes com a esquerda, como a luta pela redução do preço da passagem.  Terá as eleições para explicar sua tentativa frustrada de aliança com a Rede, um partido que assumiu distância dos ideais de esquerda. Mas se conquistar as eleições, terá um problemão: ocupar os cargos de segundo escalão. Irá colocar uma juventude inexperiente oriunda de sua base no ensino médio e superior na administração da cidade? Onde irá buscar quadros com experiência em gestão pública? Um mistério.

O PT de Raul Pont saiu bem colocado nas pesquisas, logo após Luciana Genro, mas tanto o seu problema como o do PSOL é o tempo de horário político. Com apenas um aliado, o PCdoB, o tempo do PT será 1/3 do seu principal oponente, Sebastião Melo. O encontro do Manuela, no Mercado Público, sinaliza a busca por um público jovem perdido recentemente para a direita.  Com a esquerda lançando dois nomes fortes, mas dividida, ganha Sebastião Melo. Mas o debate local será marcado pela agenda nacional, o projeto neoliberal de Michel Temer, e o candidato do PMDB à Prefeitura terá muito o que explicar. Conseguirá manter distância? Duvido muito. Pior, toda a competência administrativa de Melo não se traduz em carisma: com mais tempo na TV, o PMDB pode naufragar justamente pela exposição excessiva de seu principal candidato.

Já o PT, Raul Pont, tem uma leve vantagem no quesito carisma, não muita, é verdade, mas é na disponibilidade de uma equipe experiente que está prometido o sucesso de sua administração se for eleito. O PT esteve 16 anos no poder, forjou uma geração de intelectuais e técnicos que esteve envolvida na administração. Quando o PT saiu da Prefeitura, foram para outros níveis de governo. Coma ascensão de Temer, foram para a rua. Se Pont se eleger, é sua chance de retorno. São quadros com experiência. A cidade precisa disso.

Correm por fora Maurício Diziedricki (PTB) e Nelson Marchezan (PSDB) e Marcelo Chiodo (PV) em busca desesperada de alianças. São candidatos mais em busca de exposição do que de cargos e que aguardam as definições para segundo turno para decidir em quem apoiar. São candidatos jovens, o que é bom para a renovação política, ainda que em diferentes níveis de amadurecimento político e estão em partidos que se transformaram pelo fisiologismo ou pelo desvio à direita, razão pela qual a definição de programas ou o conceito de ideologia parece que sumiu de seus discursos.

 

Foto: Freepik

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Os interesses da sociedade têm de vir primeiro

A questão é importante. Para além do senso comum onde “direita” é sinônimo de “mal”, a “direita” representa um interesse legitimo existente em nossa sociedade que defende a valorização do mercado e a redução nele da presença do Estado. Há inúmeros cidadãos que pensam assim e que merecem representação tanto no Executivo quanto no Legislativo. A isso chamamos Democracia. O problema é que existem inúmeros outros interesses na sociedade que não são atendidos pelos interesses de mercado que definem os contornos da ação política da direita: quer dizer, os interesses de mercado não são suficientes para garantir a sobrevivência da sociedade como um todo, principalmente dos mais pobres. Por isso precisamos neste momento mais de propostas políticas democráticas do que liberais, mais defensoras dos direitos sociais do que aliadas do mercado.

O fiel da balança será o PDT. Se abrir mão da candidatura própria, com Vieira da Cunha, terá a chance de retornar ao bloco de esquerda exatamente como sugere o filósofo esloveno Slavoj Zizek no livro Primeiro como Tragédia, Depois como Farsa (Boitempo): “Não tema, volte. Você se divertiu com a direita e está perdoada por isso. Está na hora de levar a vida a sério outra vez!” O PDT, que ingressou no governo municipal com José Fortunati, e portanto, no rastro do antipetismo que ajudou a construir, terminou por ter tantos problemas quanto o final da gestão petista na capital, isto é, se transformou em vítima de seu próprio veneno. Agora, com os problemas da sua administração vê o antipedetismo em estado nascente. Mas o PDT dá mais peso a ideologia política graças a herança de Brizola, que ainda repercute na base do partido.

Como bom esquerdista, Raul Pont sabe que a ideologia de esquerda é justamente essa: a defesa de uma ideia de justiça social e redistributiva – o igualitarismo – associada à necessidade de intervenção direta do Estado para regular e coibir o que poderia ser chamado de  “o maligno gênio do mercado”, nada mais distante do pensamento do PMDB atual, mas paradoxalmente, mas próximo do PDT que ainda luta por uma ideologia. Por estarem no mesmo barco, tem chances de se aliarem. No último final de semana, sinalizou uma aliança com o PMDB. Espero que reconsidere.

Meu sonho ingênuo é ver uma reviravolta no PDT contra os interesses de José Fortunati: Vieira da Cunha abdica da candidatura para apoiar o PT e ser a candidato a… secretário municipal de educação! Improvável sim, mas não impossível. A razão é que Vieira da Cunha não conseguiu dar a experiência no campo educacional que o PDT precisa. A Secretaria Estadual de Educação foi o inferno pedetista, fazendo Leonel Brizola dar voltas no túmulo. Ao contrário, a Secretaria Municipal de Educação é o sonho de qualquer administrador, com professores melhor remunerados, menos e melhores escolas. Uma experiência de sucesso em educação é tudo o que o PDT precisa. Não é tão ruim assim.

Ainda há um longo caminho pela frente e com tempos desproporcionais, pode ocorrer uma reviravolta e o bloco atual de esquerda pode até perder as eleições – “toc toc toc” na madeira! – mas  o significado de sua alternativa política precisa estar claramente anunciada para a sociedade, o que está em jogo é a necessidade de deter a liquidação neoliberal.

Paradoxalmente, ao despontar na liderança como alternativa, Luciana Genro contribui para o retorno da esquerda à disputa política na capital. Quem diria: graças a Luciana Genro, considerada uma candidata radical, o inimigo comum da esquerda continua sendo a política neoliberal e o foco continua sendo a defesa do igualitarismo pelo combate a desigualdade social e econômica. Ao se assumir como centro, com aliados à direita, o PMDB como num espelho, reforça que a candidatura de Sebastião Melo é um “tudo vale”, “o mais do mesmo” já visto à nível federal e estadual. Por querer demais vencer é que Sebastião Melo pode perder.

 

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Que a indignação se transforme em consciência

O ponto em que estamos é: o antipetismo vai refluir? Os acontecimentos a nível nacional e estadual sinalizam que sim. Resta saber se o tamanho do refluxo será suficiente para alça-lo ao governo. O cidadão precisa entender que não é preciso errar duas vezes. Se reconhecer que errou, pode se arrepender e deixar de ser antipetista. Ou anti-esquerdista.  A esquerda no poder é uma necessidade. Ela não é o melhor dos governos, mas é o único capaz de conceber uma política na qual o desenvolvimento econômico seja subordinada à cidadania e não o contrário, o que significa, a defesa da intervenção estatal na economia onde é moralmente justo e a defesa de ideais politicamente igualitários. A cidade está cheia de indignados com o atual governo PMDB, seja no estado ou no país.

Fortunati, que ainda está no PDT após um período de licenciamento, é ao final, o responsável pelo estado em que se encontra a cidade, que já esteve melhor nos governos petistas. Se a esquerda quiser retomar o lugar que um dia foi seu, deverá ouvir os cidadãos indignados da cidade lutar para assumir um papel ativo em seu nome. Se o PDT quiser reconstruir sua imagem, deverá afastar-se do governo Fortunati. É aí que entra a ideologia.

As próximas eleições possuem um caráter novo: se trata de garantir a permanência de conquistas da democracia. Isso só poderá ser feito a nível local se nossos representantes forem afinados as ideias de solidariedade social, direitos humanos e defesa das camadas populares.  Por esta razão, nas próximas eleições municipais, pense bem e vote certo. Você está vendo um projeto nacional que visa aniquilar direitos sociais. Você concorda? Espero que não. Alguns candidatos e inúmeros vereadores tem boas propostas e são aliados dos valores democráticos, defensores dos direitos dos cidadãos e críticos da proposta neoliberal em andamento. Eles estão disputando sua atenção. Outros vereadores de esquerda, já no exercício da função, esperam contar com sua confiança mais uma vez.

Dê atenção a eles, ouça suas propostas, avalie seu desempenho, faça suas escolhas. Faça isso conscientemente porque as políticas públicas são necessárias para a cidade e não é apenas o Executivo o responsável, o legislativo também o é. E mais, o país precisa de uma política local critica. Nos próximos quatro anos, inúmeras reformas urbanas terão andamento na cidade e precisamos quem as fiscalize com eficiência. Mas precisamos mais nos próximos dois anos, quando o atual governo dará sua cartada definitiva contra os trabalhadores. É aí que mora o perigo.

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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