É possível a entrega de brasileiro nato ao Tribunal Penal Internacional?

Artigo publicado na 45ª edição do Jornal Estado de Direito – http://issuu.com/estadodedireito/docs/ed_45_jed./

O Brasil teve uma atuação intensa na Conferência de Roma ocorrida entre 15 de junho e 17 de julho de 1998 e foi um dos 120 votos a favor do Estatuto que criou o Tribunal Penal Internacional.

No entanto, o Brasil só assinou o tratado em 7 de fevereiro de 2000, tendo sido depositado o instrumento de ratificação em 20 de junho de 2002.

O então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso promulgou o Estatuto de Roma, por força do Dec. 4.388, de 25.09.2002.

Houve a indicação da magistrada federal brasileira, atuante na área de Direitos Humanos, Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, então com 50 anos, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, para atuar como juízado Tribunal Penal Internacional. Ela acabou sendo escolhida em 4 de fevereiro de 2003 para um período de nove anos. O seu mandato, portanto, terminou em 2009, mas ela seguiu no Tribunal até o término das ações que presidiu, em obediência ao disposto no art. 36, [10] do Estatuto de Roma.

Além disso, é importante salientar que a Emenda Constitucional n. 45 inseriu o § 4.º no art. 5.º da Constituição Federal brasileira, que prevê a submissão do Brasil “à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

Lembrando que o Estatuto de Roma não permite reservas, é necessário analisar os aspectos da entrega de brasileiro nato ao Tribunal em contraposição à proibição de extradição da Constituição Federal brasileira, pois subsistem algumas dúvidas acerca da compatibilidade entre os diplomas.

O art. 89, § 1.º, do Estatuto de Roma prevê a hipótese de detenção e entrega de pessoa ao Tribunal Penal Internacional.

Por outro lado, o art. 5.º da Constituição Federal brasileira, nos seus incisos LI e LII, proíbe a extradição passiva de brasileiro nato, possibilitando a do naturalizado, em casos específicos, e do estrangeiro: “Art. 5.º (…) LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII – não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.

Extradição passiva, objeto da presente análise, é aquela que se requer ao Brasil a entrega de refugiado, acusado ou criminoso, por parte dos Estados soberanos. Há também a extradição ativa, que é a requerida pelo Brasil a outros Estados soberanos.

Para que a extradição tenha legitimidade, é fundamental a existência de um tratado ou ao menos um compromisso de reciprocidade entre o Brasil e o Estado requisitante.

O ato da entrega, mencionado pelo Estatuto de Roma é diferente da extradição, pois aquele se procede entre Tribunal Internacional e Estado soberano.

Observe-se que a extradição se regula pelas leis internas e que o pedido se procede entre Estados, de forma horizontal, sendo que cada um se reserva ao exercício da sua jurisdição nos seus respectivos territórios.

Assim, enquanto na extradição o indivíduo será julgado pelo tribunal de outro Estado, do qual o Brasil não participou da formação; na entrega, a pessoa será julgada pelo Tribunal Penal Internacional, que contou com a participação brasileira na sua construção jurídica.

Entrega é, insiste-se, diferente de extradição, conforme aduz o art. 102 do Estatuto de Roma: “Para os fins do presente Estatuto: a) Por ‘entrega’ entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal nos termos do presente Estatuto; b) Por ‘extradição’, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno”.

Desse modo, é vedada a extradição de brasileiro nato, mas não a entrega ao Tribunal Penal Internacional.

EMERSON MALHEIRO – possui Doutorado e Mestrado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Especialização em Direito Penal pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. É professor nos Cursos de Graduação em Direito do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, nos Cursos Preparatórios para Concursos Públicos e Exame de Ordem da Rede de Ensino Luiz Flavio Gomes. É Conferencista Emérito do Departamento de Cultura da OABSP e autor do CURSO DE DIRETOS HUMANOS – 2.ª Edição – publicado pela Editora Atlas. Advogado.

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  1. julio cesar de goes

    Muito oportuno e esclarecedor o artigo sobre a entrega de brasileiro nato ao tribunal penal internacional, embora ainda haja lacunas para o debate, a questão é controversa, em razão da Constituição Federal. No entanto, a entrega de um brasileiro ao tribunal penal internacional não é uma extradição, devido ao fato de que uma extradição é a entrega de um nacional ou estrangeiro de um Estado para outro Estado. Entretanto, fica a dúvida, como se dará esta entrega ao TPI, quem será o responsável pelo réu? Será o Estado Holandês? Quem garantirá os direitos humanos enquanto vigorar o processo perante o TPI, e quem garantirá a ampla defesa?

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