Com essa esquerda, quem precisa de direita?

 

 

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Com essa esquerda, quem precisa de direita?

Jorge Barcellos – Doutor em Educação

Está prevista para esta quarta-feira a renovação da votação da Emenda 2, de autoria do Vereador Mauro Pinheiro, do Partido dos Trabalhadores, que institui o feriado do dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, como feriado móvel.A Emenda, a pesar de bombardeada no dia 12 último por diversos vereadores resultou aprovada. É muito interessante retomar o tom dos debates daquele dia. A primeira coisa que salta aos olhos no debate, foi a menção, feita pelo Vereador Koppitke, da nota oficial da Executiva Municipal do PT, de que a Emenda proposta pelo Vereador Mauro Pinheiro ofendia uma questão de princípios do Partido dos Trabalhadores. E assinalou: “nenhum Vereador do PT está autorizado a votar de forma divergente”. Quer dizer, o primeiro aspecto que salta aos olhos é que o Partido dos Trabalhadores, numa iniciativa louvável, desautorizava a votação da emenda por seus integrantes, o que significava que Mauro Pinheiro não tinha legitimidade partidária alguma para sua proposta. Se o partido era contra, não tinha o direito de colocar a emenda, que correspondia a interesses do empresariado e não “de luta do povo negro”, o que o partido pretende representar. Para o vereador Kopittke, trata-se de uma decisão dos movimentos sociais incorporada pelo Partido e é inconcebível que um dos integrantes do PT, no caso, o Vereador Mauro Pinheiro, se posicionasse contrário e levantasse a bandeira dos empresários no interior do partido. E assinalou “infelizmente é administrada por pessoas que governam apenas para alguns, apenas para os bairros mais ricos e mais brancos da Cidade. Nós queremos que esta Cidade tenha novamente a voz das periferias.”

 

Ederson Nunes / CMPA,Divulgação

Ederson Nunes / CMPA,Divulgação

Mas não era apenas ao Partido que a Emenda desrespeitava. O Ver. Delegado Cleiton, autor do projeto e contrário à emenda, chamou a atenção que a Emenda proposta por Mauro Pinheiro desrespeitava em primeiro lugar o povo negro. Criticando a justificativa da Emenda, ele lembrou que no domingo também as pessoas usam para suas compras. E afirmou: “Não queremos um feriado para o ócio, um feriado de reparação; um feriado para nós pensarmos e discutirmos e para que, naquele dia, os que pensam que não existe essa desigualdade, reflitam. Nós sabemos, nós sabemos, na carne, mas os senhores reflitam, que esse dia seja um dia de reflexão. Nós temos 365 dias, em que nós sabemos e refletimos, mas, para quem não acredita nisso, pega este dia, o dia 20 de novembro, o Dia de Zumbi dos Palmares, pega esse dia e reflita” Quer dizer, para o movimento social, a data é importante sim porque trata-se da fundação da mémoria de um povo. O Vereador Antonio Matos aproveitou para ler a nota da Comissão Organizadora da 31ª Semana da Consciência Negra e Ação Antirracismo da Câmara Municipal de Porto Alegre “que apresentou Moção de Apoio ao Projeto de Lei que torna a data de 20 de novembro feriado no município de Porto Alegre”. E completa “A Comissão é contrária a alteração da data porque vai contra ao contexto histórico de Zumbi, motor para transformar o dia numa data para reflexão num Brasil multirracial”. Cláudio Janta, representando os sindicatos de trabalhadores e contrário a proposta de Mauro Pinheiro, lembrou que “feriado em domingo não existe, domingo é domingo, e feriado é feriado”. Quer dizer, o argumento de Pinheiro do prejuízo pela impossibilidade de as lojas abrirem não se concretiza, porque as lojas podem abrir tanto nos domingos como nos feriados. E completou “ O que as lojas não querem é pagar para abrir no domingo” .
Porque Mauro Pinheiro apresentou a Emenda 2? Em primeiro lugar, porque está em rota de colisão com o próprio partido. Nos bastidores fala-se de uma saída próxima e vereadores de sua própria bancada criticam as medidas de reforma adotadas no legislativo que terminaram por prejudicar o trabalho de assessorias dos vereadores. Em segundo lugar, porque Mauro Pinheiro nunca teve uma identidade com o partido: oriundo das classes médias comerciantes, do jovem empresariado, sua origem pouco tem haver com as origens dos movimentos sociais que fazem a maioria dos integrantes do Partido dos Trabalhadores. A verdade é que as posições de Mauro Pinheiro incomodam os petistas. O que ocorreu? A imagem que vem à mente é a mesma proposta pelo filósofo Jean Baudrillard em sua obra “As estratégias fatais” “Tudo é lógico: onde há êstase, há metástase. Onde pára de ordenar-se uma forma viva, onde pára de funcionar uma regra do jogo genético (no câncer), as células começam a proliferar em desordem“ . Não é exatamente isso que está ocorrendo com o PT com as posições de seu integrante, Mauro Pinheiro? Mauro Pinheiro, com a Emenda 2, não representa para o PT a desordem política, a expressão de uma ruptura do código do partido, como a metástase é a ruptura do código genético em certas ordens biológicas? Proliferação em desordem, como diz Baudrillard, daí o desrespeito de Pinheiro pelas determinações do Partido.

Slavoj Zizek

Slavoj Zizek

A frase “Com esta esquerda, quem precisa de direita”, dita pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek por ocasião do lançamento de sua obra “Bem vindo ao deserto do Real” criticava a posição da esquerda em assumir uma posição ideológica de que era preciso estar de um lado após o 11 de setembro. E é exatamente nisto que o presidente do legislativo incorreu, isto é, entre a opção pelo empresariado e pela comunidade negra, tomou a posição contrária a base do partido. Ora, colocar o 20 de novembro como feriado como móvel não é uma opção do projeto, simplesmente porque produz a negação da ideia em que se baseia. Quer dizer, nos termos da cientista política Chantal Mouffe em sua obra “Sobre o politico”(Martins Fontes, 2015), não se trata de propor uma emenda para raciocinar em termos de certo e errado. Isso é justamente mais uma vez o apelo populista que recusa o raciocínio em termos de direita e esquerda. Quer dizer, sob o argumento do certo e do errado “veja, vai prejudicar o comércio”, etc – Pinheiro substitui o que deveria ser uma decisão politica, e portanto, partidária, por uma decisão moral. Ora, a dimensão antagonista é essencial para a política: é portanto, preciso se posicionar.Pinheiro é do PT. Deve se comportar como tal. Ou se é a favor dos movimentos sociais, e portanto, é-se de esquerda, ou se é contra eles, e portanto, de direita. Foi o caso de Pinheiro.
Quer dizer, a iniciativa de Pinheiro tem uma repercussão maior do que pensam os atores envolvidos. Ela vem em prejuízo das propostas de “democracia radical”, isto é, daquelas propostas assumidas pelo Partido dos Trabalhadores, ou pelo menos pelos setores mais tradicionais deste partido, de que é preciso radicalizar a tradição democrática moderna, e isso passa, necessariamente, pela noção de que o povo é soberano. O povo negro encheu as galerias e manifestou sua posição contrária a Emenda. Ora, isso tornava a Emenda ilegítima para o PT e o fato de que Pinheiro rejeitasse o questionamento legitimo de sua proposta, e portanto recuando e retirando-a, era sua única opção. Ao contrário, ele a manteve até o fim e isso só pode acontecer porque o presidente da Câmara acredita que sua proposta corresponde a verdade historicamente determinada, justamente o contrário do que é defendido pelo pensamento democrático, aberto sempre ao debate e a negociação.

Quer dizer, o problema é sempre de hegemonia: Pinheiro, sob a capa do PT, oculta uma prática diferente, de hegemonia de um discurso de direita. A direita se fortalece muito mais quando pode contar com um integrante de suas filas sob capa de um partido de esquerda.Não é exatamente esta a força do terror na França, contar com franceses entre suas linhas?

Isso permite a direita impor sua hegemonia politica, redefinir os pontos e a agenda politica da esquerda. Não é preciso dizer que o fato de que Pinheiro ser o Presidente do Legislativo em muito facilita a imposição de uma agenda de direita. Culpa do PT, que não soube identificar em suas fileiras quem realmente se identificava com o ideal do Partido. O que Pinheiro fez para os servidores públicos do legislativo, retirando direitos devia ter servido de alerta para o PT. Agora, quando Pinheiro mostra mais uma vez a que veio, só resta ao Partido, ou impor sua resolução, com pena de exclusão, ou convencer Pinheiro a retirar sua Emenda. Se fizer recuo ainda poderá recuperar sua posição no partido. Do contrário, acredito que não.

Ora, o que Mouffe defende é justamente que o conflito deve ser a busca de negociação, não a imposição de uma visão, exatamente o que faz Pinheiro com a comunidade negra da capital, impondo a visão liberal, empresarial, eliminando o conflito, mas o problema é justamente esse, o de tornar o conflito compatível com a democracia “transformando o antagonismo em agonismo” (Mouffe). Do jeito que está, Pinheiro sequer é adversário do movimento negro: ele é seu inimigo. A politica nunca pode ser vista como lugar de expressão de uma única classe, no caso, a empresarial, mas o campo pelos quais as paixões possam ser mobilizadas. Pode-se ter apenas o conflito de interpretações, nunca uma posição agonistica de uma classe contra outra. Cabe ao Partido dos Trabalhadores, mostrar que as pretensões da comunidade negra não a fazem inimiga da classe empresarial – posição que no fundo, no fundo, Pinheiro representa – e fazê-lo retirar a Emenda 2, caso contrário, mais uma vez a diferença radical será negada e a construção da democracia dialógica impedida.

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