Direitos Humanos para Quilombolas

Coluna Lido para Você

Direitos Humanos para Quilombolas. Coleção Caminho das Pedras, vol. 1. Vilma Francisco. Rio de Janeiro,  2006, 38 p.

O Manual de Direitos Humanos Quilombolas é uma importante e inovadora contribuição para o fortalecimento da consciência, da defesa e das atitudes de apoio à causa quilombola em nosso País.

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

O Manual, uma iniciativa do PROAC – Projeto de Apoio a Comunidades de Quilombos do Brasil, vinculado ao Instituto Brasileiro de Ação Popular – IbrAP, é fruto de cuidadosa pesquisa e de redação original e sensível, a cargo da Professora Vilma Francisco e tem a preocupação de situar os direitos fundamentais e os direitos humanos ao alcance dos quilombolas, por meio de uma linguagem que facilita o seu entendimento e as suas condições de exercício.

Lançado durante a 15º Reunião Ordinária do CNPIR (Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial), o primeiro volume do Manual de Direitos Humanos Quilombolas, iniciativa do Centro Popular de Formação da Juventude, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Proac (Programa de Apoio a Comunidades Quilombolas do Brasil), a publicação saiu com 6.500 exemplares para serem distribuídos às comunidades remanescentes de quilombos para fomentar o controle social e organização no processo de regularização fundiária.

Originado de ações de formação da SEPPIR, órgão no qual a autora desenvolveu sob forma de política pública, os conceitos e fundamentos que servem à organização da edição da publicação, a obra ganhou plena difusão com a sua publicação na forma do volume  Direitos Humanos para Quilombolas. Coleção Caminho das Pedras, vol. 1. Rio de Janeiro,  2006, aqui Lido para Você.

Em sua tessitura editorial, a obra, em razão de sua motivação e de seu alcance, não é uma tarefa fácil, mas é uma tarefa urgente. Numa sociedade em que o racismo orienta fortemente as disposições ideológicas desde o pós-abolição (SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro, in Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/MEC, Brasília, 2005), assumir atitude, defesa ou firmar a consciência da subjetividade aspirante a direitos iguais e plenos pelos excluídos da cidadania, requer sentido de imediatidade e comprometimento histórico.

Trata-se, por isso também, quando se cogita de um Manual de Direitos Humanos Quilombolas, de procurar abrir a doutrina jurídica nacional, para a relevância desses direitos, uma vez que “o povo negro teve o seu direito mantido separado da ‘lei oficial’, elaborada e mantida pelas oligarquias econômicas que estavam no poder” (SAULE JR, Nelson, org., A situação dos direitos humanos das comunidades negras e tradicionais de Alcântara, MA – Brasil. Relatório da Missão da Relatoria Nacional do Direito à Moradia Adequada e à Terra Urbana. São Paulo, Instituto Polis, 2003).

O Manual, vou continuar chamando-o assim, carrega esta pretensão auspiciosa. Além de oferecer aos próprios sujeitos membros das Comunidades Quilombolas o conhecimento que emancipa, colocando o Direito e os meios para os exercer ao alcance de sua capacidade de ação, quer ainda “despertar a consciência da sociedade em geral no sentido de perceber a necessidade que se impõe para o respeito às comunidades quilombolas. Não apenas pela importância simbólica de sua existência concreta, mas pelo reconhecimento dos seus direitos já garantidos e legitimados na Constituição e nos tratados internacionais”.

Para um País que se construiu sobre bases escravistas, lembra Ivair Augusto Alves dos Santos (Ações afirmativas: farol de expectativas, in SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al., org. Educando para os Direitos Humanos. Pautas Pedagógicas para a cidadania na Universidade, Porto Alegre: Síntese, 2004), “mais de um século pós Abolição, não foi capaz de elaborar um programa de promoção de igualdade ou um conjunto de políticas sociais que contemplasse a questão das desigualdades raciais”.

O Manual aponta para esse esforço de construir igualdade.. Na medida em que abre o horizonte dos direitos, opera com a expectativa da enorme disposição dos quilombos contemporâneos para se fazerem sujeitos de sua própria inserção. Citando Glória Moura, fonte na qual invariavelmente busco  alimento para qualificar minhas reflexões neese tema, com um pequeno ajustamento de contexto (O Direito à Diferença, in  MUNANGA, Kabengele, org., Superando o racismo na escola. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Brasília, 2005), cuida-se de imagina-los “como fator formador e recriador de identidade – para, através dos direitos fazê-los  – veículo de transmissão e internalização de valores que possibilitam a afirmação e a expressão da diferença/alteridade e, ao mesmo tempo, a negociação dos termos de inserção das comunidades rurais negras na sociedade como um todo”.  

Obra Direitos Humanos para Quilombolas.

É um belo projeto, sem dúvida, para o qual muito contribuiu a acolhida política (institucional) do diligentíssimo Carlos Moura e, como diz Propércio, nos grandes empreendimentos, basta o projeto.

Na descrição do livro em sítios de comercialização está dito: o manual de direitos humanos para quilombolas é uma importante e inovadora contribuição para o fortalecimento da consciência, da defesa e das atitudes de apoio à causa quilombola em nosso país. o manual é uma iniciativa do Proacq – projeto de apoio a comunidades de quilombos no Brasil, vinculado ao Instituto Brasileiro de Ação Popular, é fruto de cuidadosa pesquisa e de redação original e sensível, a cargo da professora Vilma Francisco e tem a preocupação de situar os direitos fundamentais e os direitos humanos ao alcance dos quilombolas, por meio de uma linguagem que facilita o seu entendimento e as suas condições de exercício.

Ponho em relevo nessa leitura, a qualificada autoria. De fato, Vilma Maria Santos Francisco, antecede seu exercício autoral, no forte engajamento que imprimiu na UnB – Faculdade de Direito, na realização de seu mestrado, concluído em 2005, sob a minha orientação.

Então ela desenvolveu com mérito a dissertação intitulada Olhares de Ébano. Ensino Jurídico no Brasil, Fendas para a Diferença: condições e possibilidades para práticas inclusivas.

A dissertação, cujo inteiro teor pode ser encontrado no Repositório de Teses e Dissertações da Universidade de Brasília foi a base a partir da qual Vilma pode desenvolver a abordagem pedagógica tão bem construída em seu livro.

Com efeito, na Dissertação, ao analisar o ensino jurídico e a questão da discriminação racial no Brasil, contra os afro-descendentes, Vilma enfatiza a presença social desse segmento, para discorrer sobre os aspectos conceituais inerentes ao racismo, de modo a evidenciar os elementos emblemáticos que estruturam na prática cotidiana, situações concretas de preconceito e discriminação racial

O seu estudo se dirige ao exame das diretrizes curriculares que estruturam o ensino jurídico, buscando perceber em que medida este se abriu para a inclusão daquele contingente populacional e qual teria sido a contribuição oferecida a partir do marco histórico abolicionista e das lutas sociais por emancipação dos negros em nosso País.

Como se vê, com esse acumulado teórico-epistemológico, Vilma agora em situação de gestora de políticas públicas para inclusão racial, deslocou com familiaridade suas preocupações educadoras para fundamentar as lutas sociais por reconhecimento de direitos humanos, conforme a agenda política de fortalecimento da consciência, da defesa e das atitudes de apoio à causa quilombola no Brasil.

Seu trabalho precede a vertente acadêmica que se debruça sobre o tema e que começa a oferecer reflexões valiosas para a afirmação dos direitos humanos das Comunidades Quilombolas. É o caso da dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UnB) em elaboração, também sob minha orientação, de Emília Joana Viana de Oliveira: Mulheres quilombolas na luta pelo direito à água: uma reflexão a partir do conflito do Quilombo Rio dos Macacos – BA.

Foto: Commons/Arquivo

No centro de sua pesquisa se vai constatar a água como elemento central para a produção e reprodução da vida humana, e, também para a manutenção do modo de vida da Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos-BA, pela identidade quilombola pesqueira e agricultora no espaço rural. A dissertação apresenta a água como um componente central na disputa pelo território no conflito com a Marinha do Brasil, que executa uma gestão territorial de controle, proibição, violências e restrição do acesso à água, com diversas violações de Direitos Humanos desde a chegada da instituição no território onde já vivia a comunidade e se iniciaram as atividades que envolvem o complexo da Base Naval de Aratu-BA na década de 50.

A partir do conflito, vê-se a práxis de mulheres quilombolas para a manutenção do modo de vida quilombola, que é atravessada pelo racismo e ao sexismo, tem o papel anunciar que o território também é água, na medida em que lutam para que o processo de regularização fundiária quilombola no contexto de conflito com o Estado, por meio de uma instituição militar, garanta também o acesso aos rios, fontes sagradas e a possibilidade de uso da água de todas as formas necessárias para a garantia do modo de vida quilombola.

A disputa pela compreensão da água como parte do território e como um Direito Fundamental, surge da percepção de mulheres negras nesse conflito e visa a efetivação deste diante do Estado e se aplica a esse, mas também a tantos outros conflitos fundiários no Brasil, marcados pelo racismo desde a colonização, de modo que o olhar para a experiência quilombola, no passado e no presente, evidencia um dos modos de disputa pelo acesso à terra da população negra brasileira, como continuidade da Diáspora Africana. Ao mesmo tempo, amplia a percepção do acesso a água como dinâmica essencial para a manutenção dos modos de vida de acordo com as identidades e as territorialidades.

As comunidades quilombolas surgem enquanto categoria que abre o reconhecimento jurídico a partir da previsão normativa do art. 68 do ADCT da CF/88, inaugurando a dogmática constitucional sobre os direitos dos povos quilombolas, considerando estes reunidos em territórios coletivos, com a regularização fundiária prevista no Decreto 4887/03, que prevê os procedimentos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação, recentemente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a validade do Decreto 4.887/2003, garantindo, com isso, a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas).

O livro de Vilma Francisco teve muita importância no momento de seu lançamento e, certamente, amplificará a sua relevância na quadra corrente quando a conjuntura indica forte retrocesso das políticas públicas relativas à promoção dos direitos humanos, como agora se dá no conflito do Quilombo Rio dos Macacos, mas também ao protagonismo dos movimentos sociais já ameaçados de criminalização em suas mobilizações por seus direitos históricos próprios e por direitos humanos em sua extensão interseccional e transversal.

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.
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