Por uma Assembleia menos covarde

Jorge Barcellos – Doutor em Educação

O capitulo XXVII dos Ensaios do filósofo Montaigne é dedicado à covardia. Para o filósofo, a covardia é a mãe da crueldade ” O que toma os tiranos tão sanguinários é a preocupação com a própria segurança. A covardia que trazem no coração não Ihes sugere outras medidas de salvaguarda senão exterminar os que os podem ofender, mulheres inclusive, incapazes de um arranhão. Tudo abatem porque tudo temem.”

Não foi esta a posição dos 35 deputados estaduais que com seu voto aprovaram a proposta de previdência complementar dos servidores estaduais? A covardia moral (lâchetê morale) está no fato de que eles não foram capazes de assumir sua posição diante dos servidores. Ao contrário, precisaram esvaziar as galerias para votar. Enquanto os servidores agonizavam fora da Assembléia, os deputados estavam seguros para dar o seu voto favorável. Nada mais covarde do que exterminar a possibilidade de manifestação popular contrária ao projeto, extermínio da cidadania, do direito de participação dos atingidos pelas medidas.

O filósofo Emmanuel Kant em sua obra “O que é esclarecimento” diz: “A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor.” Não é isso exatamente o que ocorreu com os deputados estaduais, tiveram reduzido o seu papel de deputado, pior, se transformaram em tutelados do governo estadual?

Ora, a atitude dos deputados é equivalente a  covardia do capitão Francesco Schettino, do navio Costa Concordia, naufragado após bater em uma rocha junto à ilha italiana de Giglio, quando provocou indignação em pessoas do mundo todo. Ele abandonou o navio, que estava afundando com mais de 4.000 pessoas a bordo. Esse episódio fez nascer também um herói nas mídias sociais: o comandante Gregorio De Falco, da Capitania dos Portos de Livorno, que, muito exaltado, ordenou a volta a bordo do capitão. O que tem em comum com os deputados? O medo de sofrer as consequências dos próprios atos, não se trata de coragem física,  valentia, mas sim de coragem ética: assumir as decisões que toma,  responsabilizar-se pelos próprios atos, mostrar a capacidade de tomar decisões em situações tensas.

Por toda a história do pensamento humano, as virtudes da coração foram opostas a vergonha da covardia. O filósofo Sófocleto dizia que os covardes duram mais, mas vivem menos e o escritor Johann Wolfgang von Goethe dizia que o covarde só ameaça quando está salvo, o que indica que nossos politicos até podem chegar ao final do seu mandato, mas poderão pagar caro por isso, não conseguindo reeleger-se pois ficará no imaginário a cena em que, protegidos por um vazio, fizeram o que o governo queria e não o que queria a sociedade. Miguel de Cervantes dizia que “quem muito deseja, muito teme”, expressão perfeita para descrever o que acontece ao governardor neste momento, com seu imenso projeto de desmonte do estado: o temor é o da recusa da sociedade, dos politicos da oposição, que podem fazer seu projeto naufragar.

Os deputados decidiram pela votação com galerias vazias porque temiam encarar o olhar dos servidores. Esse temor os levou a abater a democracia, provocar o afrouxamento da tensão típicos do plenário. As galerias do plenário estão ali para permitirem aos deputados perceberem que existem opiniões contrárias aos projetos, que existe uma oposição que deverão considerar para sua decisão. O plenário vazio só favorece a posição governista que saiu vitoriosa, apesar dos cinco votos contrários.

Ainda que de forma metafórica a decisão dos deputados corresponde ao comportamento do sujeito covarde, quando dizemos, por exemplo, que ele age como um frouxo, como alguém sem firmeza de caráter. Ora, espera-se dos deputados estaduais exatamente o contrário, uma firmeza de caráter, isto é, que sejam capazes de votar diante do olhar de seus eleitores mesmo que contra eles. Olhar nos olhos, isto sim é digno. Esconder-se no interior de um plenário isolado, isto é covardia.

A Assembleia, sem querer, transformou-se no inferno de Dante (1308-1321), um lugar de homens tristes, submersos numa água nauseabunda onde afundam.A partir de agora, nossos deputados só sairão desta água morna em que se encontram para pronunciar sussurros, burburinhos e lamurias. Ninguém os ouvirá.

Tags: , , , ,

Comente

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe