O terrorismo de Sartori

José Ivo Sartori entrega 14 projetos da Convocação Extraordinária

 

A grande lição de Marilia Pêra é de que “a gente faz escolhas”. O governador José Ivo Sartori demonstrou que é capaz de fazê-las. Pensávamos que era incapaz desde que, entre ser contrário ou a favor do impeachment da Presidente Dilma Roussef, Sartori havia resolvido ficar em cima do muro. Pensávamos todos que a questão do impeachment  não é como assumir-se gremista ou colorado. Que era preciso ter posição. E ele não teve.

É que havia implicações importantes. A primeira sugeria que o governador podia ser parcial em suas decisões. Quem não tem opinião tem a tendência a seguir o pensamento do grupo. Se Sartori estivesse em uma reunião, ele teria a tendência a concordar com a opinião de seus assessores mesmo que estivessem obviamente errados.

A segunda sugeria que o governador temia a rejeição provocada uma opinião desfavorável. Se a maioria da sociedade discordava da proposta de impeachment e Sartori concordasse, ficar em cima do muro mostrava que estava com medo de se expor. Mas este temor é indigno do cargo que lhe foi atribuído e revelaria que Sartori que possuia as condições mínimas para a liderança. Que liderança é essa é incapaz de expor sua opinião?

O filósofo Emmanuel Kant tem outra perspectiva para o problema de Sartori. Segundo a Crítica da Razão Prática, Sartori tem o dever moral de cumprir com o seu dever, isto é, de posicionar-se com relação aos assuntos nacionais. Mas se ele é incapaz de fugir as pressões – do partido, das lideranças, etc – para cumprir seu dever, Sartori foge da moral: se o governador só age quando vê a possibilidade de tirar alguma vantagem, significa que é incapaz de governar porque é incapaz de agir conforme o dever.

Kant tem um modo de explicar porquê  isso acontece: quem não se posiciona não é um sujeito livre. Somente homens livres conhecem seu dever.  Somente homens livres são capazes de fazer escolhas. Ao ficar em “cima do muro”, Sartori sinalizava a sociedade que é um governador preso a algo. Isso é muito preocupante para a política gaúcha: o que prende Sartori?

Ficou tudo mais claro com os projetos encaminhados por Sartori para serem votados nesta segunda-feira pela Assembleia Legislativa. Os temas da convocação extraordinária mostram que o governador não fica em cima do muro, ao contrário, ele tem uma posição clara: seu projeto é a defesa da politica neoliberal, esse desejo oculto de privatização da máquina pública do estado que desresponsabiliza o governo das políticas sociais. E os projetos encaminhados à assembleia, sua forma de fazer terrorismo de estado sobre os servidores públicos.

O terrorismo de estado está deixando de assumir formas de violência direta para transformar-se em formas de violência indireta

Foi André Barata na obra Terrorismo de Estado (Autêntica, 2013) que apontou a existência de um novo terrorismo, distante daqueles da Espanha ou Reino Unido de 2004 e 2005. Esse terrorismo é crônico, caracterizado por políticas persistentes que despertam sentimentos de incerteza, precariedade e insegurança. Seu efeito é  “conduzir a uma descapacitação desesperada das populações, de efeito equivalente ao pânico” (p.191). A contabilidade fria de assassinatos ou sequestros é agora substituída por uma política de Estado que sequestra o futuro de seus servidores.

A novidade deste Terrorismo de Estado é que tais governos são caracterizados por adotar um programa político adverso à Constituição, quer dizer, adotam de forma insidiosa medidas do terror revolucionário sob o abrigo de um governo constitucional,  são desleais com princípios da Constituição para fazer valer a sua vontade.  Agora, a ameaça extema representada pelo Al Quaeda  é substituída pela submissão às leis do mercado. Não é apenas o ajustamento econômico-financeiro que é proposto, mas o ajustamento dos modos de existência que deve ser submetida à lógica da produtividade, ao que o mercado quer. Confusão do austero com o autoritário sob a forma de novo terror,  busca pelo bem fazendo o mal.

Não é o que se vê agora quando o Governo Estadual ameaça extinguir a licença-prêmio de seus servidores? Não é o que se vê com a retirada do direito de participação sindical proposto por Sartori?  As duas formas constituem expressão de ações de autoridades que assumem as dores do ajustamento na defesa da concepção produtivista que transforma o servidor numa máquina, na contra mão dos direitos sociais conquistados pela categoria e pelo direito à participação em entidades de classe. Quer dizer, o terror sobre a remuneração laboral e o terror sobre a disponibilidade laboral são os correspondentes de uma visão neoliberal que experimenta o trabalho de maneira hostil, nunca criativa.

Surpreende que o Estado proponha  formas de vida tão próximas aos proletários dos século XIX para seus servidores. A nova forma do terror é a do sobressalto, da alteração do modo de vida, do imprevisível e da inexistência de garantias impostos por seus governantes à seus servidores. Em ambos os casos, as medidas tem como propósito menos o pagamento da dívida do Estado – provavelmente impagável – ou o aumento da produção do servidores – porque já produzem – e mais a sujeição propriamente dita e em caráter incondicional a um único soberano, o governante absoluto. O terror de Estado promovido por José Ivo Sartori é um meio de governo, eis a questão.

Jorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

Comente

  1. Fábio Basso

    Gostei do teu texto, Jorge. Estou tentando ler e entender os dois lados desse “rolo” que se transformou o RS e não encontro razões para poupar o Sartori da responsabilidade de seu péssimo governo. Já se passou um ano e ele nada fez, além de reclamar e aterrorizar, não somente os servidores, mas to do o povo gaúcho. Estamos perdendo a guerra contra a insegurança, saúde e educação. Nossas empresas, principais geradoras de empregos e riqueza estão definhando, pedindo ajuda e, pior, indo embora. Governar aumentando impostos e gerando o caos qualquer idiota é capaz. Como cidadão, trabalhador e cumpridor das leis, estou indignado.

    Responder

Comentários

  • (will not be published)

Comente e compartilhe