O Parlamento Resiliente

Exposição A Nova Câmara no palácio Aloísio Filho

Exposição A Nova Câmara no palácio Aloísio Filho | Créditos: Josiele Silva/CMPA

Está em exposição na Câmara Municipal de Porto Alegre, a exposição “Incêndios da Câmara”. Ela é a prova de que o Presidente do Legislativo, Cassio Trogildo, acertou no tema de seu mandato, sustentabilidade e resiliência, esta última, a capacidade de se recuperar de suas dificuldades. O filósofo Paul Virilio foi o primeiro a apontar para o papel dos acidentes na história: “Quanto mais eficiente é a invenção, mais dramático é o acidente”. Não foi o que aconteceu às grandes construções do homem ao longo da história?

Do primeiro acidente aos incêndios de grandes proporções, estamos sempre diante dos efeitos dos progressos humano. Da mesma forma, a Câmara Municipal de Porto Alegre é notável exemplo desse fato. Cada vez que suas instalações foram aprimoradas, acidentes sofreram. E a cada vez que sofria, maior era seu esforço para recuperar-se e voltar a ficar a disposição de seus cidadãos. Se a maioria dos prédios por que passou a Câmara sofreu sinistros que transtornaram sua organização, sua capacidade de recuperação mostra a capacidade de ser resiliente do parlamento.  A cada vez que aconteciam incêndios na Câmara,  era preciso energia para recomeçar.

Grandes incêndios no Brasil

Não foi somente o legislativo que foi tomado por grandes incêndios, diversos prédios no pais, foram tomados por diversas tragédias que ficaram no imaginário popular. Em 1961, o Gran Circus Norte-Americano pegou fogo em Niterói (RJ), e a lona em chamas caiu em cima de 3 mil pessoas, das quais 503 morreram (sendo 70% crianças) e mais de mil ficaram feridas. Em 24 de fevereiro de 1972, houve o incêndio do Edifício Andraus, na cidade de São Paulo, com 16 mortos e 330 feridos. Dois anos depois, em 1974, após um curto-circuito em um aparelho de ar condicionado, o Edifício Joelma, também na capital paulista, pegou fogo, e a fumaça impediu a evacuação das pessoas. Mais de 180 delas morreram. Em 1986, no Edifício Swallow, na cidade do Rio de Janeiro, um curto-circuito produziu um incêndio no qual morreram 21 pessoas e mais de 50 ficaram feridas.

Em Porto Alegre, os grandes incêndios dos anos 70 foram os das lojas Renner e Manlec e da empresa de fogos de artifício Fulgor, no 4º Distrito.  O incêndio na Renner ocorreu na tarde de 27 de abril de 1976:  41 pessoas morreram e mais de 60 ficaram feridas.  A maioria dos sinistros teve fatores em comum: ocorreram em prédios altos, onde os bombeiros pouco puderam fazer para combater as chamas. As emissoras de TV e rádio transmitiram ao vivo as tragédias, que repercutiram de forma alarmante e assustadora, e fomentando a discussão sobre políticas públicas de combate a incêndios, inclusive na Câmara Municipal de Porto Alegre.

O incêndio de 1949

Poucos prédios públicos tiveram tantos sucessivos incêndios como a Câmara da capital gaúcha. O primeiro que se tem notícia atingiu a antiga Casa da Câmara, localizada ao lado do Theatro São Pedro e projetada pelo arquiteto alemão Phillip Norman. O prédio pegou fogo no dia 19 de novembro de 1949. Também funcionavam no local o Tribunal de Júri, a Mesa de Rendas e a Contadoria Provincial. Não há certeza de que a administração da Câmara estivesse no edifício, tendo em vista indicações de sua transferência para o Paço Municipal, mas alguns registros apontam que as sessões ainda eram realizadas no local.

O incêndio começou na madrugada, e os bombeiros chegaram às 5 horas, lutando contra as chamas até as 14 horas. Um fogareiro teria sido esquecido aceso, mas versões não oficiais apontam como causa a “queima de arquivo” de uma denúncia contra autoridades policiais que teriam cometido arbitrariedades durante a Segunda Guerra Mundial. O fato é que um certo Major Aragão, que iria revelar toda a verdade do incêndio, foi assassinado às vésperas de prestar depoimento.

À esquerda, antiga Câmara. | Créditos: Acervo Fototeca Breitman – MJJF

À esquerda, antiga Câmara. | Créditos: Acervo Fototeca Breitman – MJJF

O incêndio de 1979

Três décadas depois, um novo incêndio transtornou a Câmara Municipal de Porto Alegre. No dia 15 de abril de 1979, nos altos do Edifício José Montaury, mais conhecido como Prefeitura Nova, para onde havia se transferido o legislativo, o fogo destruiu o Plenário, a Sala da Presidência, o Salão Nobre e os setores de Imprensa e de Taquigrafia do Legislativo. As suspeitas recaíram inicialmente sobre a empresa que havia sido contratada para pintar toda a Câmara e que, uma hora antes, havia encerrado o trabalho.

O incêndio surpreendeu a todos porque o prédio havia passado recentemente por uma ampla reforma elétrica, com implantação de alarme e escada enclausurada, além de portas corta-fogo. Um total de 20 homens usou quatro carros-tanques e uma escada Magirus para debelar as chamas. A água da caixa d’água não pôde ser usada por serem diferentes as bitolas, o que obrigou os bombeiros a subirem a mangueira por 14 andares. Graças ao incêndio, o Corpo de Bombeiros instalou-se no antigo estacionamento do Mapa junto à Prefeitura, lugar onde está até hoje. Esse episódio entrou para a memória de todos os servidores, mas não feriu ninguém, pois ocorreu em um final de semana.

O novo prédio da Câmara

O incêndio aqueceu a discussão sobre a transferência da Câmara para seu prédio próprio em construção. Em 1979, às vésperas do incêndio, as obras do atual Palácio Aloísio Filho, localizado na Avenida Loureiro da Silva, 255, completavam quatro meses de paralisação. A interrupção deveu-se à falta de verbas: já haviam sido gastos 40 milhões na estrutura da nova Câmara. Por essa razão o Legislativo municipal continuava ocupando parte do 11º andar da Prefeitura Nova, dividindo espaço com o Departamento de Compras do Executivo, além dos 12º, 13º e 14º pisos.

Mas o local havia ficado pequeno demais para os trabalhos. O novo prédio acomodaria melhor o Legislativo e os gabinetes parlamentares, que reclamavam de exercer suas atividades em espaço exíguo, subdividido por divisórias, um verdadeiro labirinto. Era tão pequeno o espaço, que a Câmara alugara o 3º e 4º andares de um prédio da Rua Siqueira Campos, junto à paineira, onde estavam algumas unidades administrativas e o gabinete de um vereador. A necessidade de uma sede própria era urgente.

O incêndio de 1985

Em meados de 1985, depois de encerrado o expediente, um ventilador foi esquecido ligado sobre o assento de uma cadeira no gabinete do vereador Ney Lima,  iniciando um outro incêndio na Câmara em sua sede no prédio Intendente José Montaury.  Apreensivos, os servidores realizaram uma forte mobilização com cartazes colados nos corredores, exibindo fotos coloridas recortadas das revistas, estampando imagens dos incêndios de São Paulo e conclamando os vereadores e a Mesa Diretora para uma solução adequada ao enfrentamento do risco.

Certo dia, em razão disso, o então presidente André Forster reuniu os servidores da Câmara, que chegavam para cumprir o expediente, na calçada defronte ao Edifício José Montaury e comunicou-lhes que, a partir daquela data, ninguém iria acessar o prédio e que a Câmara estava se transferindo para o Centro Municipal de Cultura, Arte e Lazer Lupicínio Rodrigues. O Centro Municipal foi ocupado pelo Legislativo até que as obras do prédio novo fossem concluídas. A Câmara começava sua transferência para o atual Palácio Aloísio Filho, sua sede definitiva.

A nova casa da Câmara e o incêndio de 2001

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Inauguração do Palácio Aloísio Filho | Foto: Maurecy Santos/CMPA

O então prefeito Alceu Collares, tomado de surpresa pela atitude da presidência do Legislativo, disponibilizou os recursos necessário à retomada das obras, que foram parcialmente concluídas em 1986, quando a Câmara foi, finalmente, transferida para o Palácio Aloísio Filho. Parte do prédio foi concluída de forma rudimentar e parte foi isolada com tapumes para conclusão oportuna. O Plenário Ana Terra foi instalado e abrigou as sessões plenárias que lá transcorreram até a conclusão do Plenário Otávio Rocha, bem maior, alguns anos depois.

No dia 10 de janeiro de 2001, ocorreu o primeiro incêndio do novo prédio da Câmara. O Arquivo Histórico foi atingido pelo fogo, afetando a parte elétrica e danificando a estrutura do espaço. Abrigando toda a documentação da Câmara desde o ano de 1947, das 65 estantes de arquivos, sete foram atingidas e duas ficaram totalmente destruídas. Dos materiais perdidos, estavam os processos de 1963 a 1965. Em abril, por solicitação da Seção de Memorial, foi constituído um Grupo de Trabalho com a finalidade de diagnosticar a situação do Arquivo Histórico da Câmara e determinar as medidas necessárias. O trabalho foi feito a partir dos processos parcialmente recuperados e reunidos no Salão Adel Carvalho, onde se iniciou o processo de recuperação.

As políticas de combate a incêndios

Todas estas ocorrências despertaram a resiliência do legislativo. O incêndio de 1979 foi fundamental para que os vereadores assumissem como agenda a preocupação com as políticas de combate a incêndios na Capital. As vistorias da Secretaria Municipal de Obras e Viação no prédio do Legislativo intensificaram-se a partir de 1991, e o governo começou a propor alterações na legislação de proteção contra incêndios. Os vereadores começaram a olhar os incêndios na cidade com mais atenção, exercendo sua ação fiscalizadora, como no sinistro ocorrido na Epatur em 1995.

Em 1997, o governo municipal instituiu o I Código de Proteção Contra Incêndios da Capital, e legislação complementar foi formulada pelos vereadores, determinando a obrigatoriedade da existência de brigadas de Incêndio em conjuntos habitacionais e a obrigatoriedade de instalação de alvarás e plano de prevenção de incêndio nos estabelecimentos comerciais, entre outras medidas. Em 2013, a Câmara instituiu a Semana Municipal de Combate a Incêndios e acompanhou os trâmites pela reforma do Mercado Público Municipal, também afetado pelo fogo naquele ano. Os incêndios entraram definitivamente na agenda legislativa.

 

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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