Fidelidade Política em questão

O tema da infidelidade partidária alimenta a critica de inúmeras charges

Infidelidade política

Está aberta a temporada do troca-troca de partidos. Surpreende a facilidade com que os políticos trocam de partido. E quando trocam, a culpa parece inexistir, ao contrário, os políticos a justificam como algo natural, algo como incompatibilidade de gênios entre cada político em particular e os destinos do partido ao qual pertencem. Às vezes mais intensamente na carreira política, outras vezes menos intensamente, os políticos sempre registram em sua carreira casos de infidelidade politica e de troca de partido.

Dilma Rousseff foi filiada ao PDT até 2001, quando ingressou no PT; Aécio Neves iniciou sua carreira no PMDB e depois filiou-se ao PSDB; Eduardo Campos iniciou sua trajetória pelo PMDB  em 1986 e quatro anos depois filia-se ao PSB; Luciana Genro iniciou sua carreira pelo PT até criar o PSol em 2005. Quer dizer, em menor ou maior grau, trata-se de casos em que a infidelidade política ocorreu na carreira em algum momento. Há, entretanto, casos de reincidência da infidelidade política, o troca-troca sem nenhuma consideração à história pessoal e sim ao interesse de ocasião. Não citarei os nomes por uma questão pessoal.

A reflexão sobre fidelidade política nos fala da natureza dos políticos e dos valores que esperamos sejam por eles cultivados. Pois um dos valores que julgamos na hora de avaliar o caráter de um politico é sua fidelidade a ideias, partidos e instituições. O termo fidelidade está relacionado na política a questão de valores, a promessas, quer dizer, é fiel politicamente quem consegue manter seus compromissos partidários e de obedecer as regras de honra e honestidade de seu meio.

Político fiel não trai o partido, um candidato é fiel se é constante e leal a seu partido, não negocia as escuras com outros partidos, não cede seus princípios que são também os do partido. Mais importante do que constatar quem é o politico fiel é saber o que é a fidelidade politica, como a percebemos nos políticos e o que ela significa para eles. Quer dizer, quando um politico se inscreve em um partido, no momento em que aceita uma posição no seu interior, adquire um dever para com o partido, o de que o partido satisfaz suas pretensões totalmente e por isto evita expressar-se através de outro partido. Nesse sentido, é uma noção exportada da tradição judaico cristã para a política.

Os problemas da fidelidade política

A fidelidade é a base de uma relação politica duradoura, mas aprisiona o politico em estruturas socialmente construídas, eis o dilema dos políticos que trocam de partido.  Isto é, quando o politico se inscreve em um partido, ele se obriga a aceitar suas regras e idéias gerais, como se fosse uma espécie de contrato. Mas este sistema  dá em troca ao político algo essencial, a continuidade com um passado, um presente e a perspectiva de futuro cujo preço é a proibição da mudança.  De certa forma, a fidelidade política baseia-se na ideia de eternidade, ela dá certeza ao político do lugar onde está, que terá um apoio.

O problema da fidelidade politica é que ela estabelece uma tensão ao político. Por um lado implica uma forma de lealdade de forma ativa, onde o político assume o compromisso por vontade própria com seus correligionários, mas também há um tom passivo, de submissão, mas também de inspirar confiança. Quer dizer, ser fiel a um partido político significa ser fiel aos seus costumes, suas ideias e atuar defendendo-os em sua prática política. O político leal a um partido defende as ideias de um partido e respeita seus compromissos. Quando um político dá a sua palavra de que fará algo em nome do partido, ele está entrando no campo do ritual político, isto é, no campo da honra que faz o cimento simbólico da relação entre um político e seus correligionários. Não se pode trair quem confia em nós.

Fidelidade política como virtude

A fidelidade política é uma virtude porque é uma constante, isto é, regula nossa vida ao longo do tempo. Isto ocorre porque o político aprende que tem de respeitar um compromisso.  Ela é uma variante da fidelidade em geral, aquela que definimos por sua essência, considerando, é claro, que no mesmo momento em que a idealizamos, inúmeros paradoxos surgem. A principal é a questão de que podemos reduzir a fidelidade política a uma obrigação a qual deve se submeter o político, seja em relação a ideologia de seu partido, ou em relação as promessas que fez a população, seus eleitores? Quer dizer, que tipo de relação com o tempo estabelece a fidelidade para com o político, isto é, pode variar no tempo sua substancia, o conteúdo da fidelidade política?

Em primeiro lugar, a fidelidade política é uma virtude social, isto é, ela obriga o político a respeitar os compromissos assumidos com os cidadãos que o elegem e com o partido através do qual se elegeu. Ela está na base da estrutura política como decorrente da confiança social. Em segundo lugar, a fidelidade política é um vínculo sagrado, isto é, ela tem características da teologia moral que remetem a fé, a aliança entre deus e os homens.

Isto é, trata-se de um vínculo entre o político, o cidadão e o partido de caráter sagrado, quer dizer, não deve ser rompido. Finalmente a fidelidade política é uma virtude privada, isto é, uma virtude particular do político que deve ser defendida na relação com os demais políticos e cidadãos. Então, a fidelidade política e a origem de muitas posições, às vezes controversas sobre os políticos porque é uma noção de caráter polissêmico.

A fidelidade política inscreve o limite da condição política, isto é, é o espaço de relação estabelecido pelo campo político, permite a construção de um espaço político propriamente dito, espaço de negociação, espaço do uso da palavra, espaço da memória política que dá autenticidade à esfera política e a ela alimenta, ela é a própria subjetividade da política, digamos assim. Ela é uma propriedade do político em contato com outros políticos, ela permite integrar os diversos momentos da ação política no espaço do político – plenário, etc.  Mas se a fidelidade política admite ser um espaço para o uso da palavra, ela não pode ser considerada como algo definitivo, já que ela permite o debate.

Quer dizer, os políticos podem ser fieis a suas ideias, a seus partidos, ao mesmo tempo em que fazem a interlocução com eles, com os demais atores e instituições.

A fidelidade é estabilidade, mas não necessariamente duradora, eis a questão. Deste ponto de vista político, a fidelidade admite transição, a medida em que passa o tempo, em que a fidelidade define seu território, o faz ao mesmo tempo que torna possível a participação do político e sua conveniência.

Assim, o problema ontológico de base é que, se a fidelidade política admite a linguagem, admite também  que o político fundamente sua fidelidade. Como o homem não cessa de pensar e é inconstante, quando um político diz que que é fiel a um partido ou ideologia ele está dizendo na verdade que há uma dimensão da fidelidade política que é privada e que corresponde ao espaço do político que vive seu tempo presente. Quer dizer, exatamente por a fidelidade política envolver os afetos, os sentimentos do político, é que ela não pode ser eterna.

Se a fidelidade também é uma expressão da humanidade do político, isso significa a base para a manutenção de uma relação, mas também, a possibilidade de aceitar seus erros. A fidelidade não pode ser absoluta porque o homem é um ser de expectativas, desejos, desvios, lamentos que ao mesmo tempo servem para alimentar a fidelidade como para corroê-la. Mas deve ser douradora do ponto de vista individual porque a fidelidade política é para o político uma medida de contato com outros políticos e consigo mesmo, é portanto expressão da autenticidade, não da eternidade, da singularidade do político, de suas relações de existência no político.

 Não pode-se mudar de partido como se muda de roupa, eis a questão.

 

Um político pode prometer fidelidade?

Por esta razão a questão se um político pode prometer ser fiel deve ser respondida em etapas. A ideia de fidelidade política nasce pelo desejo dos atores políticos por segurança. Num universo político onde há desconfiança, traição e as trapaças fazem parte do cotidiano, a fidelidade política torna o universo seguro e estável. A fidelidade política diz a um político de um partido que ele não será atraiçoado pelos seus demais correlegionários.

Para que um partido possa existir, é preciso um mínimo de fé e confiança na conduta dos políticos ao redor. Os políticos desejam contar com os demais de seu partido, que compartilham a mesma ideologia, os mesmos valores. A fidelidade política permite prever comportamentos e atitudes, determinar margens de manobra, estabelecer certos tipos de condutas e atitudes porque todos são fieis a princípios ou ideias comuns, as do partido.  Por esta razão, a fidelidade  é uma das bases da aliança política, permite que o universo político seja controlável, porque as pessoas que fazem parte dele são comprometidas com ele ou porque as pessoas que participam da agremiação manterão sua palavra.

Hobbes

Thomas Hobbes

Os políticos, ainda que reconheçam a importância de manterem sua palavra, são contraditórios ou tem contradições. Aspiram a fidelidade as promessas a seus eleitores e aos partidos do que são signatários. Querem a estabilidade que um partido oferece, mas também querem ter o direito de mudar de opinião. Querem a segurança da fidelidade mas não abrem mão da imediatez do instante, querem a fidelidade dos outros mas não dão garantia de que serão fieis o tempo todo.

Quer dizer, fidelidade e confiança são termos que andam juntos pois falam da boa fé que devem ter os políticos para exercerem sua função. Se o político é fiel as suas convicções, a seu partido, aos cidadãos, é um político que se pode confiar. Hobbes na sua obra Elementos de Direito Natural e Politico (1640) afirma que:

“A confiança é uma paixão que surge da crença ou  da fé que temos naquele de quem temos a certeza ou a esperança de receber um beneficio; esta confiança está fora de toda a incerteza e não tomamos nenhuma outra iniciativa para obter esse bem”.

 

Jorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito – Doutor em Educação e autor de Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014).

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