Significados da passeata de domingo

Passeata em Porto Alegre. Fonte: SUL21.

Manifestações em todo o país

As manifestações que ocorreram por todo o Brasil pedindo a renúncia da Presidente Dilma Rousseff, o combate à corrupção e ao PT mostraram, como aponta o  jornalista Carlos André Moreira, que podemos ir às ruas com nossas certezas. Isto, no entanto, só reforça a ideia de que vivemos um processo galopante de despolitização, de que somos incapazes de negociar, de apresentar argumentos no espaço público, o que significa que a política perdeu a capacidade de troca e de invenção (Arendt).

É preciso coragem para rejeitar o impeachment de Dilma, única alternativa para preservar o Estado de Direito. Mas o partido tem culpa em ter adquirido a capacidade de se transubstanciar ao longo de sua história e que terminou com seu capital politico, ser o caminho da luta pelos direitos dos trabalhadores e resistência ao regime militar que o pedido de intervenção militar, por alguns setores da direita, transforma em pó.

Sem desconsiderar o papel histórico que teve o PT, lamento que o partido tenha feito tamanhas concessões para chegar ao poder. Mas não posso deixar de apontar que, das inúmeras formas de violência, a simbólica é uma das mais importantes. Há uma imensa carga de violência simbólica sendo produzida por setores conservadores no pais contra a democracia, e não se trata apenas do ataque à figura da Presidência, mas a própria produção de novas imagens de uso do espaço público que aceita com naturalidade a exclusão de negros e pobres que se tornam simples “observadores ou explorados”.

Olhar essas imagens que circularam a exaustão na internet, olhar os registros do movimento protagonizado por uma classe média que, se tem o direito de se manifestar, revela a aceitação com naturalidade de imagens que  corroem o sentimento democrático. Não culpemos a direita por substituir partidos por instituições de direita na organização deste movimento,  modelo que já era praticado pela esquerda, mas pelo fato de não medirem as consequências de seus atos.

Babá negra no protesto

Baudrillard define como simulação “ser o que não se é” e nisso o PT tem contas a prestar, assumir seu mea culpa pelo seu afastamento do pensamento de esquerda. O problema sempre é, neste caso, diria Churchil, o resto é ainda pior. A verdade é que governos podem fazer escolhas ruins e com isso corroer nossa fé nas instituições públicas: seja por quais motivos a direita tiver, sim os impostos realmente estão muito elevados, etc, desconsiderar os avanços que os governos petistas fizeram em termos de política social e que foram realmente muito bons, o que devemos fazer é questionar é o processo de desconstrução (Derrida) galopante das políticas públicas. Não é exatamente isto que está fazendo a classe média nacional na velocidade da luz? Acaso estas mesmas classes não foram suas beneficiadas em um passado recente?

 

Lula, Dilma e FHC

As reformas de Lula foram bem diferentes das de FHC mas as de Dilma não foram sequer sombra suficiente de seu antecessor. A classe média foi às ruas porque agora lhes caiu a ficha: foram enganadas pela Carta aos Brasileiros de Lula, de um governo de conciliação de classes. Criticando a excessiva carga tributária, a classe média  foi para as ruas exigir o fim do governo, mas esta agenda é apenas o “espelho convexo e deformador” (Baudrillard) do que está ocorrendo, o medo da classe média é a aceitar pagar qualquer coisa pela redução da pobreza do pais!

Negação da solidariedade entre classes, negação do princípio de solidariedade constitucional, vitória da subjetividade neoliberal que prega individualismo, consumismo, etc,etc, você pode imaginar o que quiser, mas se trata de um movimento de classe média contra um governo legitimo a quem caberia a responsabilidade de manter os projetos sociais do governo Lula e não o faz.

Por isso a direita não perde a oportunidade de criticar Dilma Rousseff, é só ver o episódio de Caxias do Sul. Engana-se quem pensa que é privilégio de Dilma Rousseff a paixão pelo governo virtual. Logo depois de sua primeira posse, lembra Elio Gaspari, FHC deu uma aula em Santa Maria da Vitória, a 950 km de Salvador. O prédio havia sido recém reformado para a visita, com a instalação de ventilador no teto e alunos selecionados pela aparência. Três anos depois, professores estavam com salário atrasados, alunos sem professores e sequer havia filtro d’água na escola.

Tempos depois, FHC repetiu a dose e inaugurou o ano letivo na escola João Calmon, em Vila Velha, no Espirito Santo, com a inauguração do laboratório de informática da escola. Tirou retratos com crianças e computadores. Logo depois, enquanto nas demais escolas da cidade não tinham computadores mas tinham aulas, a escola visitada por FHC tinha computadores mas não tinha professores. As crianças eram alunos virtuais.

Casal tem casa decorada para lançamento do "Minha Casa Minha Vida" em Caxias. Foto: Jornal Pioneiro.

Quando Dilma Rousseff caiu no mesmo erro  foi alvejada pela direita: a preparação do apartamento do casal Eliel e Adriane Silveira em Caxias do Sul e a retirada dos móveis no dia seguinte só não constituíram flagrante desrespeito a família porque a empresa responsável pelas obras resolveu doar os móveis.

Da escola virtual de FHC ao apartamento virtual de Dilma Rousseff, foram 20 anos de marquetagem política da era democrática, mas o mínimo que se podia imaginar é que a presidenta não se deixaria levar pelo mesmo erro de FHC. Em ambas iniciativas há um “incorrigível desejo de ser o que não é, num mundo que deveria existir, mas, infelizmente, não existe”. Alguém se lembra de papel de parede num prédio do Minha Casa Minha Vida?

Ambos exemplos mostram o lado espetacular da Presidência. O pior é que no caso de Caxias do Sul só queriam deixar o tapete. Essa substituição do real pelos signos do real (Baudrillard) define a política atual como simulação: simular é fingir ter o que não se tem. Esse poder assassino das imagens, assassinas do real, foi incorporada pela política. A lógica da simulação política não tem relação com fatos e razões mas com o simbólico e o imaginário de uma época.

Dilma e FHC fizeram com a realidade o que o Capital faz com a mercadoria: o mesmo exagero, o mesmo excesso de meios, a mesma iniciativa de arruinar a verdade em nome da fantasia… politica. A cena da retirada dos móveis é emblemática porque mostra que não se trata de crise de representação, mas de “mal governo”, a cena encarna o sentimento exato de como se sentem os representados quando abandonados por seus representantes, a tristeza que, passado o momento de euforia politica, corrói profundamente nossa sociedade.

 

A massa

Façamos um exercício e demos as massas da direita que foram as ruas no último domingo (12/03) o que elas querem e o que teremos? Exatamente, qual é a alternativa politico-partidária, a liderança política, o projeto de governo proposto pelos manifestantes? A massa não sabe.

Primeiro porque veículos de comunicação não oferecem todas as opções disponíveis, mas já fazem suas escolhas; segundo porque a classe política foi incapaz de construir um projeto de nação; terceiro porque a própria massa desconhece a complexidade das relações políticas e interesses “nada é o que parece ser”; se concordamos em Dilma ter sido o governo aecista por outros meios –  o que foi, no máximo, para usar a imagem de Carlos André Moreira, uma ” violação de copyright” – é porque é a política que deixou de ser uma esfera de transformação radical para ser o lugar de acordos sujeitos as consequências que eles trazem consigo. Sou um purista? Claro que sim!.

Pior para mim não é o discurso apartidário da massa mas as contradições na própria massa que ela não vê: que dizer das crianças repetindo sem saber o significado “Fora Dilma!”? Que dizer da imagem daquele “passista?” que joga o lixo no container onde há uma pessoa?

Tão ruim quanto partidos “tomarem banho na piscina” é ver ela sendo “enchida” por aqueles que supostamente querem esvaziá-la, mas depois que um personagem da novela das oito terminou aparecendo no capitulo final imitando Mr Catra com uma dezena de esposas e ninguém se sentiu incomodado por isso, só posso pensar que o imaginário deste país está indo pelo ralo da pia a cada instante.

 

Jorge BarcelosJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito – Doutor em Educação e autor de Educação e Poder Legislativo (Aedos Editora, 2014)

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