Partido dos Trabalhadores retrocede na defesa dos direitos do funcionário estudante

Por Jorge Barcellos – Doutor em Educação/UFRGS

No próximo semestre, três servidores da Câmara Municipal de Porto Alegre terão de abandonar os cursos que frequentam na Universidade Federal do Rio Grande do Sul porque o Presidente do Legislativo, Vereador Mauro Pinheiro (PT) revogou, com o apoio da Mesa Diretora, a Resolução de Mesa nº 471, que regulou o afastamento dos servidores matriculados em cursos superior. O caso é um bom exemplo de como os operadores do direito, nas instituições públicas onde tem o papel fundamental de consertar os problemas da legislação local, ainda tem dificuldades para implementarem suas propostas.

O problema é mais ou menos o seguinte. O Estatuto dos Servidores da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, que rege os servidores da Câmara Municpal, prevê a liberação do funcionário em até 1/3 de sua carga horária para estudar, contrapartida necessária do dever estabelecido ao servidor pelo Art. 196, item XI, em que diz que o funcionário  deve “freqüentar cursos legalmente instituídos para seu aperfeiçoamento e especialização.”

O principio de base que é formação superior qualifica o serviço público. Facilitar o acesso a educação nunca foi um favor porque  o servidor devolve o investimento na qualidade do seu trabalho. Quanto mais alto é o nível de escolaridade do servidor, mais qualificada é a prestação de seus serviços e maior é a economia do setor público. Deixar os funcionários públicos estudarem só traz benefícios para os cidadãos que usufruem de politicas públicas.

Mas o Estatuto dos Funcionários de Porto Alegre tem um problema: seu parágrafo primeiro estabelecia que a existência de curso equivalente em horário diverso do trabalho excluía o funcionário deste direito. Nunca houve consenso sobre o que significava “equivalente”: era em relação ao curso ou a universidade? É aí que entram em ação os operadores do direito dos quadros da Prefeitura. Como muitos servidores matriculados em universidades públicas foram obrigados a se transferirem para universidades privadas, eles constataram de imediato que a lei possibilitava uma injustiça. A lei abria a possibilidade para  gestores fazerem uma interpretação equivocada da lei e contrária a seu espirito. Produto do trabalho criativo de operadores de direito no interior do Parlamento, a  Resolução 471 solucionou o impasse na Câmara, permitindo a seus servidores terminarem seus cursos na universidade pública. Na Prefeitura, a través de procedimentos instalados na Secretaria da Administração, o problema já havia sido resolvido, adotando o procedimento de liberar o servidor público estudante em determinada parte da carga horária. Nada disso foi levando em consideração pelo Presidente do Legislativo, Ver. Mauro Pinheiro (PT) que revogou a Resolução. O problema também é politico: agora, o Partido dos Trabalhadores tem um discurso em defesa da educação,  na prática realiza a mais pura exclusão educacional, privando o acesso de seus servidores à universidade pública. Ela pode ter inúmeros problemas, mas ainda é aonde é fornecido um ensino de qualidade e conta com grandes professores. Isso é essencial para a qualificação de seus servidores.

O escritório de advogacia Wagner e Associados disponibizou na internet seu parecer 004/2009,  que trata da legislação referente aos direitos do funcionário estudante (http://sinagencias.org.br/conteudo_arquivo/220409_CF85DB.pdf).  A análise é um instrumento importante para caracterizar, a nível legal,a importância de garantir  os direitos do funcionário estudante e deve servir de parâmetro para os operadores de direito. No Parecer, seus autores apontam que a legislação não deixou espaço para a discricionariedade por parte da Administração Pública. A expressão da lei, “será concedido”, significa que não se dará por mera discricionariedade. Mas o que me parece fundamental é resgatar o “espírito do legislador” que é o do apoio do poder público ao funcionário estudante, que se revela  quando este vê como mérito a iniciativa do servidor em estudar. É claro que determinados requisitos legais são apontados, mas é um ato administrativo vinculado. Já apontei nas páginas do SUL 21 que quando Presidentes de Câmaras Municipais nomeiam Diretores Gerais com uma visão limitada do servidor, não é raro, este vê com preconceito o trabalhador público “servidor público não tem que estudar”, é o que normalmente dizem. Isto é um erro grave de visão de gestão pois traz prejuízos à cultura organizacional das Câmaras Municipais.  O autor do Parecer lembra um ponto essencial da concepção que está na base deste direito: ela se baseia na “efetivação do direito de todos à educação, tendo como princípio o reconhecimento e a valorização das diferenças humanas e a valorização da diversidade”. E o autor do Parecer ratifica a ideia de que tal direito se refere a todos os níveis, complementando ”Vale lembrar que os cursos de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado, doutorado, bem como cursos de especialização e aperfeiçoamento, são abrangidos pelo conceito de educação superior”. O Parecer ainda sinaliza que a Jurisprudência do STJ já emitiu agravo regimental para o servidor estudante, afirmando que não há impedimento para que o servidor já portador de curso superior requeira o benefício para frequentar novo curso. Se até o STJ apoia o servidor estudante, como é que a Câmara Municipal nega o direito de estudar a seus servidores?

Um dos pontos sugeridos pelo Parecer é que a análise de casos concretos possibilita a resolução dos conflitos, o que significa para mim, levar em consideração não apenas as atribuições do cargo, mas a proposta de formulação formulada pelo servidor. Quer dizer, há uma saída para o Presidente da Câmara Municipal, Vereador Mauro Pinheiro (PT): a de republicar a Resolução 471, agregando a ela a necessidade de uma justificativa de parte do servidor de como pretende usar o curso no desenvolvimento de suas atribuições. Isso possibilitaria conciliar os interesses da administração e do servidor público e traria o mérito politico do Presidente em não macula sua gestão com uma ofensa ao direito de acesso dos servidores à educação, algo impensável para o Partido dos Trabalhadores.  Essa proposta pode ser entendida como forma de provar a contribuição ao exercício da função que tais cursos possibilitam. Mais, assinala o Parecer, a administração da Câmara Municipal de Porto Alegre deve se pautar por princípios de razoabilidade para “não dificultar sobremaneira o pedido do servidor”. A Resolução 471, revogada na Câmara Municipal, é um erro de gestão que pode ser corrigido porque ela havia seguido o espirito do legislador e consolidado o direito de afastar-se em 1/3 da carga horária para fins de estudo somente. O critério de razoabilidade sugerido para justificar seu retorno deve vincular  o curso às atividades para possível aproveitamento no exercício da função. O espirito de “facilitação” ao servidor estudante, que deve orientar a administração, deve ser recuperado.

O autor do Parecer refere-se ao fato de que o legislador ordinário preocupou-se em proteger o interesse do servidor estudante e o da  Administração Pública, garantindo que não haja prejuizos do trabalho. Mas qual não é a melhor defesa do trabalho se não a qualificação do servidor, que possibilita ganhos de produtividade e qualidade da administração? Por isso, reconhece que é obrigação da Administração Pública investir na capacitação de seus quadros, e por esta razão, reconhecer e estimular os esforços individuais do corpo de servidores nesse campo. Isso nada mais é do que confirmar também o que o legislador constituinte de 1988, expressamente previu em seu art. 205, onde estabeleceu que  educação é direito de todos e obrigação do Estado e que visa preparar o cidadão para o trabalho. Como desconhecer o direito do servidor à cidadania, e nesta, a preparação para o exercício do serviço público como o seu “trabalho” ?  Quer dizer, afirma o Parecer, “a flexibilização da jornada de trabalho para o servidor estudante a fim de permitir a freqüência a curso de graduação, formação e capacitação, tem o mérito de fazer confluir os interesses tanto dos trabalhadores como da própria Administração. Dessa forma, a mens legis é justamente proteger o servidor público que se dedica à sua qualificação profissional, engajando-se num projeto de estudos concomitante ao trabalho”  , o contrário de que fez o presidente do legislativo, vereador Mauro Pinheiro (PT). Por esta razão, adiante, o Parecer afirma que “a Administração não pode estabelecer requisitos desarrazoados e meramente burocráticos, com o único fim de protelar o exercício desse direito à jornada em horário especial. “ O Parecer ainda alerta para evitar a demora na apreciação do pedido, afim de que o servidor não perca aulas, o que traz prejuízos ao estudante.

Um ponto interessante na defesa desta facilidade ao estudante é que ela retorna em  eficiência para administração pública, já que eficiência envolve também o constante prestígio à formação teórica de seus servidores, que ”redundará em maior presteza na execução das tarefas diárias da Administração”. O Parecer, em suas Considerações Finais, finaliza com a afirmação de que a concessão de horário especial para o servidor estudante é um direito institucional e se afigura benéfica, pois é responsável pelo aprimoramento técnico do corpo da própria Administração. A suspensão da Resolução 471 da Câmara Municipal deve ser vista pelos operadores de direito como um exemplo da forma errada de gerir as propostas de solução de problemas legais da legislação, no caso, dos direitos que os servidores públicos estudantes e de como uma administração não esclarecida pode cometer erros. Mas o mérito está em reconhece-los, eis a questão. A suspensão da Resolução deve ser objeto da repulsa pelos operadores de direito, pelo  Partido dos Trabalhadores e por toda a sociedade, que deseja um Legislativo da Capital qualificado. Especialmente do ponto de vista político, deve ser visto como um atentado a tradição histórica que tem o Partido dos Trabalhadores e demais partidos de esquerda, integrantes da Mesa Diretora, que deram seu aval a retirada da Resolução 471, pois todos também tem no seu DNA o apoio à educação. Quer dizer, é lamentável que um partido como o Partido dos Trabalhadores, conhecido como defensor incansável do direito à educação, nos bastidores para seus trabalhadores, os servidores públicos, haja na contramão destes direitos,  assumindo uma postura liberal e tipicamente capitalista de exploração do trabalho dos servidores e negação do direito de acesso à educação. Mas isso pode de mudar.

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