Experiências compartilhadas de Acesso à Justiça: reflexões teóricas e práticas

 

 Lido para Você, por  José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (Organizador). Na Fronteira: Conhecimento e Práticas Jurídicas para a Solidariedade Emancipatória. Porto Alegre: Editora Síntese, 2003, 463 p.

 

 

REBOUÇAS, Gabriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; CARVALHO NETO, Ernani Rodrigues de (Organizadores). Experiências Compartilhadas de Acesso à Justiça: Reflexões teóricas e práticas. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2016, 281 p. Texto Eletrônico. Modelo de Acesso World Wide Web (gratuito). www.esserenelmondo.com.br

 

REBOUÇAS, Babriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; ESTEVES, Juliana Teixeira (Organizadores). Políticas Públicas de Acesso à Justiça: Transições e Desafios. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2017, 177 p. E-Book (gratuito). www.esserenelmondo.com.br

 

Com Gabriela Maia Rebouças (UNIT) e  Ernani Carvalho (UFPE) fizemos a Apresentação da primeira obra, que conta com o prefácio da professora e Sub-Procuradora Geral da República Ela Wieko Volkmer de Castilho. Nesta Apresentação destacamos que a coletânea surgiu no âmbito do projeto de cooperação e mobilidade acadêmica entre o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, o Programa de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco e o Programa de Direito da Universidade de Brasília, denominado Observatório de políticas públicas de acesso à justiça (OPPAJ).

Vinculada à linha – Direitos Humanos na sociedade, do Programa proponente da UNIT/SE, em associação com a linha de pesquisa – Instituições Políticas e Controles Democráticos, do Programa da UFPE/PE e com a linha de pesquisa – Pluralismo jurídico e direito achado na rua, do Programa da UnB/DF, a proposição deste projeto de mobilidade acadêmica, financiado através de edital CAPES/FAPITEC PROMOB 8/2013, com vigência até 2017, visa oferecer subsídios para refletir sobre as complexidades e desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas, incluindo a compreensão das narrativas históricas e ideológicas acerca dos direitos humanos, bem como aspectos relacionados à consolidação da democracia, especialmente à promoção de políticas públicas de acesso à justiça. Assim, o Observatório de Políticas Públicas de Acesso à Justiça (OPPAJ) constitui-se em um espaço que, dentro das possibilidades que as novas mídias permitem, pretende divulgar, analisar e comparar as experiências levantadas pelos programas em rede.

Geralt/Pixabay

A interdisciplinaridade entre os programas envolvidos é fundamental, já que a observação de políticas públicas de acesso à justiça exige o olhar atento tanto do jurista, quanto do cientista político e de outros atores/áreas. Neste sentido, as experiências das equipes associadas somam know how em pesquisas sobre políticas públicas e sobre o acesso à justiça com olhares plurais. São pesquisas fundamentais para a reflexão de uma teoria crítica dos direitos humanos que potencialize políticas públicas de acesso à justiça, permitindo que esta rede possa analisar e articular proposições, tendo em vista o desenvolvimento regional e local.

Como trabalho preparatório para que esta coletânea se concretizasse, um Workshop foi realizado em Brasília, em maio de 2015, contando com participantes da UnB, UNIT e UFPE. Na ocasião, a temática desenvolvida, Pesquisa na Pós-Graduação em Direitos Humanos e Justiça na América Latina, contou ainda com valiosa contribuição do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília.

As experiências de pesquisa compartilhadas na ocasião, de observação de políticas públicas de acesso à justiça, sejam com viés teórico ou prático, sinalizaram para a importância de lutas por direitos, evidenciando a cultura de direitos humanos em consonância com uma prática democrática. Aos trabalhos produzidos pelos pesquisadores da rede, foram agregados também contribuições de convidados de outros programas nacionais, além de pesquisadores estrangeiros com afinidade à temática, permitindo ampliar a rede de reflexões para além das experiências do Brasil.

De 2015 para cá, ao passo que os estudos tomavam argumento e ganhavam a escrita, as garantias de um estado de direito e da democracia eram colocadas em xeque, na conjuntura de mudanças políticas e econômicas de alto impacto para os direitos humanos no Brasil. Mais do que nunca, era preciso dar vasão às reflexões e pesquisas que aqui apresentamos, organizadas em duas partes: (i) reflexões teóricas em acesso à justiça e (ii) experiências práticas em acesso à justiça.

Abrimos a primeira parte com o estudo sobre Controle democrático e independência do judiciário: os conselhos judiciais na América Latina de José Vinicius Filho e Ernani Carvalho. Este artigo discute os Conselhos Judiciais sob perspectiva de controle democrático e independência judicial. A reflexão se estrutura mediante a discussão de controle, accountability e tripartição de poderes, visando abordar a relação existente entre controle e independência judicial na estruturação dos Conselhos Judiciais na América Latina e delineando esses órgãos como controles democráticos do Judiciário, parte de um sistema de accountability horizontal.

Patrícia Branco, da Universidade de Coimbra, apresentou Os tribunais e a comunidade: uma questão política de acesso ao direito e à justiça, discutindo a ideia de que os tribunais são espaços de justiça para além da mera resolução de conflitos. Para a pesquisadora, que partiu da realidade portuguesa como ponto de análise, os tribunais têm um importante papel de mediação dos indivíduos e da coletividade com o Estado, servindo como espaço social e cívico no seio da comunidade.

Em Notas sobre o espaço jurídico da cidade contemporânea, Valério Nitrato Izzo, pesquisador estrangeiro da Università di Napoli Federico II, introduz uma série de questões urbanas e de cariz metodológico sobre a relação entre direito e cidade, onde se questionam dois perfis de análise para a temática: a cidade como espaço de justiça e como espaço de direitos.

Contribuindo para um reforço dos espaços e dos atores da sociedade civil, dentro do escopo das linhas de pesquisa do Programa de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, o texto em co-autoria de Carla Jeane Helfemsteller Coelho (UNIT) Ilzver de Matos Oliveira (UNIT) Liziane Paixão Silva Oliveira (UNIT), intitulado Educação como mecanismo de acesso à justiça: reconhecimento de direitos, compromisso ético com as responsabilidades, reforça a reflexão teórica acerca do marco normativo constitucional dos direitos sociais, com destaque para a educação, em um contexto de exclusão social, que obstaculiza a concretização de direitos fundamentais, desencadeando a urgência de implementação de mecanismos em prol da emancipação de grupos oprimidos. O estudo segue as orientações que propõem a Educação para os Direitos Humanos, as quais visam garantir aos indivíduos as condições de que necessitam para uma vivência digna.

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O reconhecimento de que tanto na observação das instituições de Estado, a exemplo do poder Judiciário e Conselhos de Justiça, quanto na análise dos espaços coletivos de realização da sociedade civil, através da cidade, da educação ou da ética, é preciso problematizar e qualificar o acesso à justiça encontram na contribuição de Ludmila Cerqueira Correia (UFPB), Antonio Escrivão Filho (UnB) em co-autoria comigo, uma reflexão fundamental acerca de A expansão semântica do acesso à justiça e o direito achado na assessoria jurídica popular. Neste caso, a aderência com a linha de pesquisa da UnB – Pluralismo jurídico e O Direito Achado na Rua, reforçam a dimensão concreta do direito, como produto de lutas, na correlação de forças que evidenciam compromisso político com os sujeitos coletivos organizados e movimentos sociais cujas atuações expressam práticas instituintes de direitos, reforçando a combinação de instrumentais pedagógicos, políticos e comunicacionais com a dimensão jurídica.

Encerra esta primeira parte um estudo de cariz metodológico, que pretende evidenciar As metodologias de observação de políticas públicas de acesso a direitos e à justiça: um fluxo de experiências entre Brasil e Portugal. São apresentados alguns resultados levantados no estágio pós-doutoral (bolsa CAPES 2015/2016) por Gabriela Maia Rebouças (UNIT), que incluía a orientação de iniciação científica (PIBIC/CNPq) de Alana Boa Morte Café (UNIT). As autoras refletiram acerca dos arranjos metodológicos trabalhados tanto no Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (OPJ), do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, quanto no Observatório da Justiça Brasileira, visando subsidiar uma reflexão sobre as possibilidades investigativas para a instalação de centros de estudo ou observatórios nos dois países, cumprindo uma demanda epistemológica, ao refletir sobre as metodologias inventariadas, mas também uma demanda prático-pedagógica de oferecer ferramentas para que cidadãos, centros de pesquisa, sociedade civil organizada e governos possam fomentar políticas públicas de acesso a direitos e à justiça.

A segunda parte – experiências práticas em acesso à justiça, agrega os estudos e pesquisas com ênfase na análise empírica, e nos permitem completar a dimensão de efetividade que os estudos em acesso aos direitos e à justiça devem tomar. O olhar para casos e realidades concretas aprofundam a perspectiva do comprometimento com os direitos humanos.

Neste sentido, Érika Lula de Medeiros (UnB) comigo, que fui seu orientador na Dissertação, apresentamos A pedagogia da justiça do escritório popular: a função democratizante da assessoria jurídica popular, resultado de pesquisa de mestrado realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília. Concebida à luz do marco teórico de O Direito Achado na Rua e de teorias críticas de direitos humanos, o trabalho analisou a experiência de extensão universitária em direito e em direitos humanos do Escritório Popular (EP), núcleo do Programa Motyrum de educação popular em direitos humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com o objetivo de investigar sua função democratizante para a justiça.

Igualmente com foco na democratização da justiça, o trabalho em co-autoria de Talita Tatiana Dias Rampin (UnB) e Nair Heloisa Bicalho de Sousa (UnB) intitulado Para uma agenda democratizante da justiça: um olhar desde a educação em direitos humanos sobre a justiça de transição, analisa uma experiência em educação em direitos humanos desenvolvida pelo grupo de pesquisa O  Direito Achado na Rua no campo da justiça de transição, consistente na ação extensionista intitulada “Introdução crítica ao direito: justiça de transição na América Latina”. As autoras explicitam o entendimento de que o acesso à justiça é uma chave analítica socialmente útil e relevante para promover a democratização da  justiça no Brasil e que a educação em direitos humanos, nesse contexto, apresenta-se como uma das possibilidades de reflexão-ação engajada e transformadora da realidade.

O acesso à justiça como direito humano comum: o caso dos indocumentados de Vivianny Galvão (UNIT/AL), Robiane Karoline Menezes de Lima Santos (UNIT/AL) e Gabriela Maia Rebouças (UNIT/SE) reflete, na esteira das situações concretas, sobre as condições básicas e primeiras de identificação das pessoas, que rompam a invisibilidade e permitam acessar a justiça e os direitos. Neste sentido, as autoras agregam reflexões acerca da possibilidade de inserir o acesso à justiça na restrita categoria de direitos humanos que formam o núcleo duro e que podem ser elevados a normas imperativas do direito internacional (ius cogens).

Ainda na esteira das experiências que evidenciam os atores da sociedade civil, o texto de Lívia Gimenes Dias da Fonseca (UnB) sobre O diálogo intercultural como espaço de construção decolonial dos direitos das mulheres – a experiência das promotoras legais populares do Distrito Federal, Brasil, também ligado à linha de pesquisa da UnB Pluralismo jurídico e O Direito Achado na Rua, dialoga com método educativo de Paulo Freire e investiga o projeto extensionista de formação de promotoras legais populares da Universidade de Brasília, criado em 2005 na Faculdade de Direito, onde as mulheres se descobrem “sujeitas” coletivas de direito. A experiência leva os participantes a construir, na prática, um feminismo descolonial capaz de pensar as demandas dos direitos das mulheres em sua diversidade.

Os três últimos capítulos deslocam o olhar para as instituições de Estado, na perspectiva de que a responsabilidade por uma cultura de direitos humanos e acesso à justiça deve ser compartilhada e exigida em todos os espaços da sociedade contemporânea. Refletir sobre A autocomposição na administração pública como possibilidade de acessar à justiça é o contributo de Fabiana Marion Spengler (UNISC) e Helena Pacheco Wrasse (UNISC). Convidadas a integrar o projeto desta coletânea, tendo em vista a experiência que acumulam em pesquisas acerca dos mecanismos autocompositivos de resolução de conflitos, as autoras, considerando que os entes públicos estão entre os maiores litigantes do cenário jurídico brasileiro, bem como a lentidão das esferas administrativa e judicial em apresentarem uma resposta satisfatória aos conflitos, entendem pertinente evidenciar os meios consensuais de tratamento de controvérsias, especialmente a mediação enquanto política pública, considerando o novo marco normativo da Lei nº 13.140/2015.

Por outro lado, seria impossível empreender uma reflexão atual sobre acesso à justiça e direitos humanos, como propomos nesta coletânea, sem considerar as graves violações de direitos humanos que a violência institucional do Estado brasileiro engendra. Por isso, com forte apelo nas estratégias de proteção dos direitos humanos e da vida, o texto de Bruna Junqueira Ribeiro (FASAM/GO) e Alexandre Bernardino Costa (UnB) investiga O incidente de deslocamento de competência como instrumento de defesa dos direitos humanos: o caso de violência policial no estado de Goiás. Foi no ano de 2014 que casos de desaparecimentos forçados, tortura e homicídios praticados por agentes da segurança pública no exercício de sua atividade no Estado de Goiás foram denunciados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em Washington/EUA e federalizados pelo Superior Tribunal de Justiça –  STJ, através do Incidente de Deslocamento de Competência nº 3. O artigo apresentado é parte de um estudo de caso desenvolvido no curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da UnB cujo objetivo foi registrar esse processo de denúncia e federalização das graves violações aos direitos humanos em Goiás decorrente da ação violenta das forças policias e descrever de que maneira esta ferramenta jurídica constitucional tem sido um instrumento importante de enfrentamento à violência e de proteção dos direitos humanos.

Por fim, mas de igual importância e fôlego, um mapeamento sobre as Experiências de justiça itinerante estadual como mecanismos de acesso à justiça: em busca da efetividade, apresentado por Leslie Sherida Ferraz (UNIT), Luciana Rodrigues Passos Nascimento (UNIT) e Verônica Teixeira Marques (UNIT). Considerando a crise por que passa a efetividade do Poder Judiciário no Brasil, o presente trabalho analisa a Justiça Itinerante e suas várias modalidades no Brasil, no âmbito da Justiça Estadual. Por ser a Justiça Itinerante uma forma descentralizadora de acesso à Justiça é possível visualizar resultados positivos diante da sua prática, considerando que o acesso, pelas vias normais, tem apresentado diversos obstáculos jurídicos, econômicos, sociais, culturais que o limitam. Assim, uma solução concreta é aproximar mutuamente cidadão e justiça e, no caso brasileiro, não se pode abrir mão em suas proporções continentais e desigualdades econômicas das experiências de justiça itinerante. Os resultados aqui apresentados estão em conexão com amplo estudo acerca da Justiça Itinerante desenvolvido pelas professoras da UNIT da linha de pesquisa Direitos Humanos na sociedade integrante do OPPAJ, que contou também com fomento do IPEA (2011/2014).

Portanto, os estudos que compõe esta coletânea em rede partem da perspectiva de que acesso à justiça é não somente acesso ao Poder Judiciário, mas também acesso a direitos, reconhecimento de direitos e implementação de políticas públicas que impliquem no empoderamento dos atores envolvidos. É preciso não perder de vista, diante dos obstáculos diuturnos, das escalas globais e locais, o coração pulsante da luta por dignidade, essa dimensão viva da vida que vale à pena.

A coletânea que constitui a segunda obra, com prefácio do Professor Ernani Rodrigues de Carvalho Neto, da UFPE, participante ativo do projeto que lhe deu origem, é o segundo resultado bibliográfico no âmbito do projeto de cooperação e mobilidade acadêmica entre o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, o Programa de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco e o Programa de Direito da Universidade de Brasília, denominado Observatório de políticas públicas de acesso à justiça (OPPAJ).

Vinculada à linha – Direitos Humanos na sociedade, do Programa proponente da UNIT/SE, em associação com a linha de pesquisa – Instituições Políticas e Controles Democráticos, do Programa da UFPE/PE e com a linha de pesquisa – Sociedade, Conflito e Movimentos Sociais e sub-linha de pesquisa O Direito Achado na Rua, Pluralismo Jurídico e Direitos Humanos, do Programa da UnB/DF, a proposição deste projeto de mobilidade acadêmica, financiado através de edital CAPES/FAPITEC – PROMOB 8/2013, com vigência entre 2014/2017, visa oferecer subsídios para refletir sobre as complexidades e desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas, incluindo a compreensão das narrativas históricas e ideológicas acerca dos direitos humanos, bem como aspectos relacionados à consolidação da democracia, especialmente à promoção de políticas públicas de acesso à justiça. Assim, o Observatório de Políticas Públicas de Acesso à Justiça (OPPAJ) constitui-se em um espaço que, dentro das possibilidades que as novas mídias permitem, pretende divulgar, analisar e comparar as experiências levantadas pelos programas em rede.

Tal como inserido na apresentação da obra, a interdisciplinaridade entre os programas envolvidos é fundamental, já que a observação de políticas públicas de acesso à justiça exige o olhar atento tanto do jurista, quanto do cientista político e de outros atores/áreas. Neste sentido, as experiências das equipes associadas somam know how em pesquisas sobre políticas públicas e sobre o acesso à justiça com olhares plurais. São pesquisas fundamentais para a reflexão de uma teoria crítica dos direitos humanos que potencialize políticas públicas de acesso à justiça, permitindo que esta rede possa analisar e articular proposições, tendo em vista o desenvolvimento regional e local.

A execução do projeto contemplou várias oficinas de trabalho, missões de estudo com as equipes das três universidades e os resultados puderam aparecer na forma de dois livros publicados.

Em novembro de 2014 uma primeira missão de estudos trouxe o professor Mauro Victoria Soares, do programa de Ciência Política da UFPE a uma missão em Aracaju, permitindo uma primeira reunião técnica entre as duas instituições parceiras. Uma agenda de trabalho pôde ser planejada, discutindo as afinidades temáticas e contribuições que os programas poderiam oferecer mutuamente. Em fevereiro de 2015, a professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa também realizou uma missão à Aracaju, contemplando a parceria com a equipe da UnB.

Os trabalhos seguiram e em maio de 2015 um primeiro Workshop foi organizado nas dependências da UnB, congregando pesquisadores de todas as instituições parceiras no projeto. Na ocasião, a temática desenvolvida, Pesquisa na Pós-Graduação em Direitos Humanos e Justiça na América Latina, contou ainda com valiosa contribuição do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília. 

As missões de pesquisa dos professores do PPGD/UNIT à UnB seguiram com visitas de campo e intercâmbio das Professoras Gabriela Maia Rebouças, Liziane Paixão Oliveira e Carla Jeane Coelho Dornelles. Também foi possível em 2016 oportunizar uma missão de estudos discente, permitindo que uma mestranda do PPGD/UNIT passasse um mês em pesquisa na UnB. Em final de 2016, um primeiro e-book condensou os resultados parciais do OPPAJ com o título: Experiências compartilhadas de Acesso à Justiça: reflexões teóricas e práticas.

Em setembro de 2017, uma visita técnica ao Programa de Ciência Política da UFPE agregou pesquisadores também do PPGD desta instituição com afinidade ao tema do projeto, de forma que foi possível organizar uma oficina de apresentação do projeto no PPGD/UFPE.

Como momento culminante do projeto, entre os dias 30 de novembro e 01 de dezembro, realizou-se nas dependências da Universidade Tiradentes em Sergipe o último evento do Projeto de mobilidade acadêmica PROMOB/OPPAJ, financiado através de edital de fomento CAPES/FAPITEC, executado entre 2014 e 2017. O Seminário técnico Políticas públicas de acesso à justiça: transições e desafios para os direitos humanos, aglutinou pesquisadores das três instituições (UNIT, UnB e UFPE), além de convidados de outros programas, para discutir as transições e desafios para os direitos humanos frente às políticas públicas de acesso à justiça dos tempos atuais.

A Professora Gabriela Maia Rebouças situando a obra. Alude ao contexto que a motiva referindo-se ao que denomina transições e desafios para os direitos humanos. Segundo ela, o diagnóstico, que havia sido de alguma forma apontado na obra anterior (REBOUÇAS, CARVALHO NETO, SOUSA JR, 2016), ganhou elementos mais graves de violação de direitos e obstacularização do acesso à justiça. Neste último ano de projeto, 2017, diversas mudanças impactaram sobremaneira o campo das políticas públicas de acesso à justiça no Brasil. Aqui, importa destacar que a concepção de acesso à justiça que mais se adequa a presente obra e projeto é aquela desenvolvida por autores como José Geraldo de Sousa Junior, Boaventura de Sousa Santos  e João Pedroso para quem acesso à justiça é também acesso à direitos, e justiça aqui não se resume a uma instância formal processual, mas acesso à resolução adequada de conflitos, a bens e direitos, a oportunidades de vida digna.

Por  ocasião do Seminário técnico Políticas públicas de acesso à justiça: transições e desafios para os direitos humanos, três eixos foram então discutidos: Educação em direitos humanos, com as contribuições de Nair Heloisa Bicalho de Sousa (UnB), Carla Coelho (UNIT) e do convidado José Fontoura (USP/UNICEUMA/FADIMA); Direitos sociais e acesso à justiça por Juliana Esteves (UFPE) e Acesso à justiça e Justiça de transição com as contribuições de Bruno Galindo (UFPE), Gabriela Maia Rebouças (UNIT e CEV/SE) e Andréa Depieri (CEV/SE e UFS). Alguns dos debates ali lançados redundaram em contribuições para esta obra.

Além das contribuições do seminário, fazem parte desta obra pesquisas que foram desenvolvidas no decorrer dos três anos do projeto, todas em torno da temática do acesso à justiça. Os textos se entrelaçam e se complementam, de forma que é possível, sem exagero ou descuido, afirmar que os capítulos podem ser lidos na sequência que interessar ao leitor: todos eles contemplam o entrelaçamento entre teoria e prática, atravessados que estão pelo campo do acesso à justiça. Olham, sobremaneira para a realidade brasileira, mas não se furtam a pensar em outras experiências e teorias. Reúnem-se aqui, por autonomia e desejo mútuo, pesquisadores que compartilham o compromisso ético com a democracia, com as condições de dignidade humana, com a consolidação de um direito plural e legítimo, com o incremento dos mecanismos de acesso à justiça e com as condições de realização, enfim, de uma cultura de direitos humanos.

A sequência a seguir apresentada, portanto, utilizou como critério aglutinar as contribuições dos três programas que compartilham o OPPAJ e destacar, ao final, as colaborações dos programas convidados. As instituições parceiras, UnB e UFPE, foram seguidas pela proponente do projeto UNIT. Aqui, destacamos o sentido muito peculiar de registrar o agradecimento público à riqueza que foi, para nosso jovem programa, partilhar das experiências de pesquisa de duas consagradas instituições de ensino e pesquisa, com seus programas de excelência.

Os três capítulos que seguem representam a colaboração da equipe da UnB, com sua farta produção teórica de O Direito Achado na Rua, plural e democrático e com forte experiência em pesquisa empírica. Com a minha contribuição, apresentamos Por uma concepção alargada de acesso à justiça. Que judiciário na democracia? Retomando o referencial necessário de um itinerário de pesquisas em torno de O Direito Achado na Rua, as reflexões propostas vão ao cerne de questionar o papel do judiciário na democracia brasileira, no reconhecimento de direitos e na limitação que a modernidade tem, em termos de tempo histórico e racionalidade, em reconhecer formas plurais de resolução de conflitos, por exemplo.

A questão étnico-racial: tensões, conflitos e omissões na busca para formar personalidades solidárias e justas, de Nair Heloisa Bicalho de Sousa(DDHH/UnB); Ivair Augusto dos Santos (DDHH/UnB) é um trabalho com forte cunho empírico, que apresenta os resultados de uma investigação em profundidade realizada no Centro Educacional S. Francisco de S. Sebastião/DF , de modo a conhecer o projeto político-pedagógico desta unidade de ensino e seus vínculos com a educação em direitos humanos e a percepção da diversidade étnico-racial por parte dos professores, alunos/as e gestores. Com o intuito de orientar a elaboração de um plano de ações afirmativas a ser implementado no CED S.Francisco, o trabalho tem a riqueza de nos transportar, com seus dados consolidados, para uma realidade compartilhada em toda a nossa rede de ensino.

Completando a colaboração da UnB, o capítulo Deslocamentos analíticos do acesso à justiça em face da luta pela terra no Brasil, de Antonio Sergio Escrivão Filho, também uma pesquisa empírica, envolve os estudos de litígios em conflitos agrários envolvendo sujeitos sociais como comunidades quilombolas, povos indígenas, movimento camponeses e a vasta gama de comunidades tradicionais. No jogo da litigiosidade, Escrivão Filho identifica uma posição judicialmente ativa dos agentes públicos e privados usualmente implicados na violação dos direitos de acesso à terra e defesa do território, que acionam a justiça estatal como instituição de proteção e defesa dos seus interesses, em oposição à frequência passiva das referidas comunidades e órgãos públicos implicados na realização da política fundiária. O estudo não descuida, como no capítulo anterior, da dimensão étnico-racial, também presente nos conflitos agrários no Brasil.

As contribuições da UFPE aqui apresentadas tocam particularmente, com certa urgência, o debate jurídico-político dos direitos humanos e do acesso à justiça no Brasil: os problemas de uma reforma trabalhista, considerando o trabalho como o cerne da estruturação das sociedades contemporâneas, e a observância do regime democrático, como suporte necessário ao estado de direito. Com o texto O acesso à justiça e seus obstáculos diante da reforma trabalhista e de suas ameaças aos direitos individuais, sindicais e processuais: a reafirmação do direito do trabalho na categoria de direito humano fundamental, Juliana Teixeira Eeteves(PPGD/UFPE), autora e co-organizadora desta obra, em co-autoria com Everaldo Gaspar Lopes de Andrade (PPGD/UFPE) e  Fernanda Barreto Lira (PPGD/UFPE), reconhecem o dissenso que a categoria dos direitos humanos provoca no debate capitalismo versus socialismo, mas revisitam a teoria do trabalho como direito fundamental a partir de um referencial crítico, como passo necessário para enfrentar os avanços neoliberais e os afrontas à dignidade humana que a reforma trabalhista e toda a sua agenda impõe. Assim, os autores reforçam que o direito do trabalho, no âmbito das sociedades contemporâneas, precisam seguir como princípios constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana trabalhadora e do seu legítimo e livre acesso à justiça

Acesso à justiça no contexto brasileiro da justiça de transição, de Bruno Galindo (PPGD/UFPE) e Emerson Francisco de Assis (PPGD/UFPE), apresentam a análise do direito ao acesso à justiça antes e depois do processo de redemocratização no país, para destacar que opositores da ditadura tinham acesso limitado e restrito à justiça durante o regime de exceção iniciado em 1964, dentro de um contexto denominado de “legalidade autoritária”, no qual a ditadura adotava certos procedimentos do devido processo legal para legitimar seu poder. Após o fim da ditadura, o acesso à justiça, apesar de determinados avanços, prossegue parcialmente prejudicado através de dois entraves principais: a morosidade do processo transicional brasileiro e os obstáculos legais personificados na manutenção da vigência da Lei de Anistia, que impede a responsabilização penal dos agentes do regime ditatorial. Dentro do desenho metodológico, o trabalho adota uma abordagem teórica interdisciplinar em Direitos Humanos, Ciência Política, História e Sociologia do Direito, e contempla uma análise documental dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV), do Projeto “Brasil Nunca Mais” da Arquidiocese de São Paulo e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

As linhas de pesquisa do Mestrado em Direitos Humanos da UNIT foram contempladas através de dois textos aqui indicados: Em relação à linha de pesquisa Direitos Humanos na Sociedade, apresentamos junto com Daniela Cerullo e Verônica Marques (PPGD/UNIT e SOTTEP/UNIT), o texto intitulado A mediação enquanto política pública no Brasil: acesso à justiça e neoliberalismo. Neste trabalho o foco recai na mediação enquanto política pública, a partir do marco legal que a coloca na agenda governamental brasileira. Com um discurso voltado para a modernização e enxugamento do judiciário, num momento de expansão de políticas neoliberais, a mediação ganha espaço nesta encruzilhada: instrumento de acesso à justiça ou flexibilização e desregulamentação de mecanismos de resolução de conflitos, colaborando para um retraimento de responsabilidade do próprio Judiciário? Os desafios são muitos na transição destes modelos de justiça e esta análise levanta questões acerca dos rumos da mediação no Brasil.

O segundo trabalho da UNIT traz elementos da linha Direitos Humanos, novas tecnologias e desenvolvimento sustentável, que se entrelaçam com a linha Direitos Humanos na sociedade, através da contribuição de Carla Jeane H. Coelho Dornelles, Alexsandro Argolo e Elizabete Patriota ao abordar O papel da educação como via de acesso à justiça e como elemento afirmador dos direitos humanos: considerações à luz da ecologia de saberes e da ecopedagogia. Neste artigo, os autores apresentam e discutem a educação como uma das mais importantes políticas públicas que promovem as condições imprescindíveis de acesso à justiça, refletindo o papel da Ecopedagogia como uma metodologia para produção de conhecimento capaz de congregar os vários saberes existentes em uma perspectiva anti-hegemônica e, por isso mesmo, includentes. O foco é a possibilidade de emancipação social como resultado da assimilação de uma nova mentalidade ética por parte do indivíduo e das coletividades, que não dissocia homem e natureza. Para isso, os autores mostram que uma das mais valiosas contribuições da Ecopedagogia é suscitar nos excluídos o sentimento de que o mundo com a sua natureza também lhes pertence, ao mesmo tempo em que eles são, simbioticamente, parte dessa natureza.

A estas contribuições dos programas da UnB, UFPE e UNIT somamos os frutos de uma rede, que representa aqui o esforço de transcender o projeto que hora se encerra e permitir que as pesquisas e reflexões reverberem na continuação de novas parcerias. Neste sentido, ganha relevo nesta obra as não menos importantes e elucidativas contribuições de José Augusto Fontoura Costa (USP; FADIMA; UNICEUMA) e Fernanda Sola (UNICEUMA) acerca do Conteúdo e forma do ensino dos direitos humanos: uma reflexão sobre a atualidade dos conceitos do socialismo UJAMAA e de Clóvis Falcão (PRODIR/UFS), intitulada Acesso à justiça: contribuições hermenêuticas ao saber pluridisciplinar.

O texto de José Augusto Fontoura Costa (USP; FADIMA; UNICEUMA) e Fernanda Sola (UNICEUMA) confronta uma crítica do ensino dos Direitos Humanos como tem se realizado, o qual em geral prepondera em conteúdos liberais e capitalistas, reforçando uma ideologia liberal, com acentuado individualismo, que enxerga o acesso à justiça pela exclusividade do aparelho judicial com a tensão entre as formas comunitárias tradicionais africanas. A ênfase do socialismo UJAMAA problematiza os modos individualistas ocidentais, e mostra fragilidades do mainstream dos Direitos Humanos, a partir da perspectiva hegemônica. São estas críticas que se lançaram no Seminário final em Aracaju e que os autores oferecem aqui para colaborar no debate das políticas públicas de acesso a direitos e à justiça.

Por fim, no capítulo que encerra esta coletânea, Clóvis Falcão (PRODIR / UFS) traz a contribuição da filosofia do direito ao conceito de acesso à justiça, pelas lentes de Dworkin, para revelar estruturas simbólicas do campo jurídico, as quais geram profundos efeitos sociais. Defende o autor neste ensaio que teorias com interesse puramente filosófico ou literário são importantes para compreender elementos da estrutura racional simbólica que, de outra forma, seriam obscurecidos pelo desiderato de fornecer ferramentas ao operador do direito.

Na dupla perspectiva proposta no conjunto de obras de que trata este Lido para Você, ressalta o que em meu texto no segundo trabalho destacado denominei Por uma Concepção Alargada de Acesso à Justiça. Que Judiciário na Democracia?

Sustentei que realizar a promessa democrática da Constituição era e é ainda o desafio que se põe para o Judiciário e para responder a esse desafio precisa ele mesmo recriar-se na forma e no agir democrático. Mas o desafio maior que se põe para concretizar a promessa do acesso democrático à justiça e da efetivação de direitos é pensar as estratégias de alargamento das vias para esse acesso e isso implica encontrar no direito a mediação realizadora das experiências de ampliação da juridicidade. Com Boaventura de Sousa Santos podemos dizer que isso implica dispor de instrumentos de interpretação dos modos expansivos de iniciativas, de movimentos, de organizações que, resistentes aos processos de exclusão social, lhes contrapõem alternativas emancipatórias.

Por isso que, um procedimento de pesquisa que intente operar a partir dessa visão de alargamento, pensando o tema do acesso democrático à justiça, não pode descuidar-se da designação cartográfica das experiências que se fazem emergentes. Sob tal perspectiva, diz Boaventura de Sousa Santos, as características das lutas são ampliadas e desenvolvidas de maneira a tornar visível e credível o potencial implícito ou escondido por detrás das acções contra-hegemônicas concretas. Isso corresponde, completa Sousa Santos, a atuar “ao mesmo tempo sobre as possibilidades e sobre as capacidades; a identificar sinais, pistas, ou rastos de possibilidades futuras naquilo que existe” (SANTOS, Boaventura de Sousa, Poderá o direito ser emancipatório?, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 65, CES, Coimbra, maio de 2003. p. 35).

Um tanto desse procedimento contribui para organizar o material e catalogar experiências compartilhadas de acesso à justiça, enfeixadas pelo conjunto de reflexões desenvolvidas no âmbito do “Projeto de Cooperação e Mobilidade Acadêmica entre o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, o Programa de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco e o Programa de Direito da Universidade de Brasília, denominado Observatório de Políticas Públicas de Acesso à Justiça” (REBOUÇAS et al, 2016).

Mas a nota de identidade que se estabelece para aferir a coerência e o potencial utópico desse material (ESCRIVÃO FILHO, 2016), está na sua virtualidade, inclusive semântica (CORREIA, Ludmila Cerqueira, ESCRIVÃO FILHO, Antonio; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Exigências Críticas para a Assessoria Jurídica Popular: Contribuições de O Direito Achado na Rua. Coimbra: CesContexto, Debates  n. 19, outubro de 2017), de se instalar como plataforma para um direito emancipatório (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Concepção e Prática do O Direito Achado na Rua: Plataforma para um Direito Emancipatório. Brasília: Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, 6(1), abril/junho, 2017), para o exercício protagonista, crítico e criativo, operando novos e combinados mecanismos políticos e técnicas jurídicas, para o alargamento democrático do sistema de justiça.

 

 

 

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José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil , Professor Associado IV, da Universidade de Brasília e Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

 

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