Mulheres vítimas de violência e sindicatos, o que uma coisa tem a ver com outra?

        

Coluna Ó Mulheres, por Luciane Toss, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

  • Luciane Toss[1]

Título original: Maria da Penha vai ao trabalho: mulheres vítimas de violência e sindicatos, o que uma coisa tem a ver com outra?

        Muita gente pergunta, porque tantas estatísticas em meus artigos? Porque os números desconstroem o discurso de que quando falamos de machismo, opressão, invisibilidade, falta de respeito, não reconhecimento de uma existência única e singular, não se trata de um discurso retórico, exagerado, uma reclamaçãozinha, um mi mi mi. Os dados revelam a real face da situação das mulheres trabalhadoras no Brasil e a escassez de espaços orgânicos de recuperação, reinvenção e empoderamento.

        Nossa intenção com este artigo é aproximar, criar elos de ligação entre um dos mais importantes organismos de representação e luta de nossa  história com as mulheres que compõem sua base política de atuação. E claro, começaremos com dados.

        Em uma  recente pesquisa feita para o Universa de todas os problemas enfrentados pelas mulheres na atualidade,  acabar com o desrespeito e a violência foi considerado o maior deles por 70% delas.

        E as estatísticas não são nada animadoras para as mulheres,  a cada dois minutos, cinco são agredidas violentamente no Brasil. Uma pesquisa sobre a violência contra mulheres no Brasil concluiu que mais de 500 foram agredidas fisicamente a cada hora em 2018. E na maioria dos casos, por pessoas conhecidas.

        Significa dizer que categorias profissionais compostas majoritariamente por mulheres tem estatisticamente maior número de trabalhadoras sofrendo violência doméstica e familiar. E, por óbvio, tendo intercorrências na sua vida profissional por esta razão.

        E o que é que os sindicatos tem a ver com isso?  Ora, enquanto em muitos outros cantos do mundo as mulheres estão prontas para discutir isonomia salarial, inclusão e projetos de promoção de carreira, equiparação de direitos sociais, civis e políticos, aqui, nós continuamos preocupadas com sobreviver, literalmente.

        A trabalhadora, além de possuir dupla jornada, sim porque é responsável pelo trabalho produtivo e o trabalho reprodutivo, ainda enfrenta crise familiar e sofre diversas violências.

        Um pesquisa realizada em 9 capitais do Nordeste em 2017, revelou que quase metade das mulheres (48%) afirmam ter a saúde mental afetada por conta da violência doméstica sofrida. Estresse, síndrome do pânico, insônia, problemas de concentração, enfim, todos esse sintomas, comuns em quem sofre violência doméstica e familiar afetam, e muito, a performance da trabalhadora.

        Quando se fala em violência, deve-se lembrar que além da  violência física (aquela que deixa marcas visíveis), também estão tipificadas a violência  psicológica,  sexual,  moral e  patrimonial (sendo subtraído/destruído inclusive o material de trabalho da vítima).

        A Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, em dois momentos protege diretamente a trabalhadora vítima de violência.

        A trabalhadora da iniciativa privada possui direito à “manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses“, a fim de preservar a vítima de violência doméstica e compelida a deixar sua residência, seu trabalho e até a cidade onde vive, para abrigar-se contra a perseguição de seu ofensor.

        Já para a mulher funcionária pública, a lei assegura prioridade de remoção, sempre que tais providências se fizerem necessárias para preservar sua integridade física e moral, cujo afastamento de sua rotina é aconselhável como nos casos supracitados.

        Mas e aí? O que os sindicatos tem a ver com isso?

        Pelo menos 1/3 das mulheres afirmam que a violência sofrida interferiu em seu trabalho, resultando em queda de rendimento e faltas e mais de 23% das mulheres vítimas de violência doméstica afirmam já terem recusado ou desistido de alguma oportunidade de emprego o parceiro era contra.

        Em relação aos salários também é possível notar que as mulheres que sofreram violência ganham cerca de 10% menos que as que não sofreram.

        Nó somos  o 5º país no ranking de violências contra a mulher. A cada 11 minutos uma mulher é estuprada, a cada 1 hora e meia uma mulher é assassinada vítima de feminicídio. Uma mulher em cada três mulheres já foi vítima de algum tipo de violência. A cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas.

        Mesmo quando empregadas, mulheres vítimas de violência estão mais sujeitas a demissões e a empregos precários. Precisando se afastar do agressor, se vêm forçadas a aceitar salários inferiores. Como consequência das agressões, também faltam mais ao trabalho (por vergonha ou por danos emocionais ou físicos) e estão mais sujeitas a demissões.

        Quanto ao assédio sexual, uma pesquisa data folha de dezembro de 2018 relata que o assédio no trabalho atingiu 15% das brasileiras, incluindo as formas de assédio físico (2%) e verbal (11%). Há ainda 10% que já foram assediadas sexualmente na escola ou faculdade (8% verbalmente, e 1% fisicamente) e 6% que já sofreram assédio dentro de casa (1% verbalmente, e 4% fisicamente).

        Cabe a pergunta: quantas ações, procedimentos ou denúncias de assédio sexual chegaram às entidades sindicais nos últimos 5 anos? É provável que muitas entidades sequer tenham tido relatos (muitas delas onde o número de mulheres é expressivo, senão majoritário).

        Recentemente, em 20 de janeiro de 2020, a revista Exame publicou uma matéria cuja chamada era: 1 a cada 5 profissionais sofreram assedio sexual no trabalho.

        Pare e olhe ao seu redor. Quantas mulheres há no seu local de trabalho? Pelo menos 1 a cada 5 colegas suas já sofreu assédio sexual no trabalho (ou está passando por isso neste exato momento).

        Parece muito não é? Pois é, demais diria eu. O número é alarmante e é tratado como assunto secundário, exagero, mi mi mi feminino.  Piadinhas, mãozinha nos joelhos, elogios exagerados, olhares abusivos, convites inapropriados, enfim. A mulher vai ao seu local de trabalho e é submetida as mais variadas formas de desrespeito e indignidades e a entidade deve investigar porque não há denúncias e deve avaliar quais são os espaços, além de um consulta jurídica, que tem as trabalhadoras para  relatarem suas experiências. O espaço adequado, a escuta qualificada, o interesse legítimo em resolver a questão são fundamentais para o acolhimento destas mulheres.

        Não precisamos lembrar que as políticas públicas, assim como direitos trabalhistas tem sido suprimidos. Os mecanismos de proteção ao trabalho digno tem sido atacados institucionalmente, seja pelo Legislativo, seja pelo Executivo nacional, isso sem falar das reduções de orçamento para tratar das questões das mulheres nos Estados e municípios em todo território nacional.

        No último dia 05 de fevereiro o Tribunal Superior do Trabalho realizou o  painel: Os mecanismos de combate à violência doméstica estabelecidos por meio de negociação coletiva. O evento, transmitido ao vivo pela TV CNJT, foi impulsionado por um recente acordo coletivo da categoria laboral aeroviária. Nos termos acordados, a Infraero se compromete a celebrar parcerias com órgãos governamentais e não governamentais visando à implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher e a desenvolver campanhas sobre o tema conjuntamente com o sindicato.

        A pauta está colocada, as entidades sindicais tem uma responsabilidade nesta discussão: a violência impede a isonomia, a violência impede a progressão da carreira, a violência impede a organização política, a violência reprime o corpo, a alma e a ação.

        Acolhimento e escuta das mulheres. Formação de grupos e rodas de conversa. Efetuar levantamentos e verificar a situação das mulheres na carreira da categoria que a entidade representa. Abrir espaços de discurso, mobilidade e participação e, sobretudo, denúncia.

        Promover junto aos homens da categoria oficinas e cursos sobre masculinidade tóxica, sobre feminismo (desmistificando os equivocados conceitos que o senso comum dissemina), as linguagens não ofensivas, enfim, aproximar os homens da real possibilidade de mudança de um comportamento aprendido ao longo da vida. As Convenção Coletiva da categoria profissional bancária, por exemplo, vinculou a ampliação da licença paternidade para 20 dias desde que o pai faça um curso de parentalidade responsável que é oferecido pela entidade  sindical. 

        Outro importante mecanismo é a negociação coletiva. A norma coletiva contempla, alguma medida que proteja mulheres vítimas de violência contra despedimento, rebaixamento ou redução de responsabilidades no trabalho?  E se a mulher precisar se ausentar porque está se escondendo do agressor? Ela perderá o emprego.

        Em que pese a Lei Maria da Penha proteger parcialmente o contrato de trabalho (porque não há garantias de remuneração, por exemplo), o processo de envolvimento da entidade sindical em reivindicações normativas com cláusulas específicas  é um  importante instrumento para garantir dignidade às trabalhadoras que sofrem violência.

        Num Estado omisso, que apaga a vida das mulheres e que elimina politicas públicas é fundamental que as representações sindicais não invisibilizem suas mulheres. Não neutralizem as identidades e suas demandas.  

        Resistir também é reconhecer que novas lutas, novos espaços e novas demandas são capazes de independizar pessoas. Sabemos que não são mudanças fáceis de serem implementadas, mas se colocam também como uma nova potência de revitalização dos sindicatos e do sindicalismo.

 Pelo instituto de pesquisa Catapani & Associados e pela consultoria de marketing e comunicação ID Rock em outubro de 2019. O levantamento consultou 1.000 mulheres das classes A, B e C entre 18 e 60 anos de todo o país. Mesmo com diferenças de idade e classe social, o tema da violência contra a mulher é considerado o de maior importância por todas: 81% delas consideram que esse é também o assunto que mais deveria ser debatido pela sociedade… Em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/10/04/pesquisa-universa-70-das-mulheres-consideram-violencia-o-maior-desafio.htm?cmpid=copiaecola

leia mais em: https://spbancarios.com.br/06/2019/bancarios-aprovam-curso-de-paternidade-responsavel

[1] Luciane Lourdes Webber Toss, Consultora de Gênero e Direitos Humanos na Ó Mulheres!, Advogada, Professora Universitária, Mestre em Ciências Sociais e Especialista em Direito Privado pela Unisinos, Especialista em Nuevos Rectos de Derecho Público pela Universidad de Burgos – UBU (ESP) , em Derechos Humanos y Derecho del Trabajo pela Universidad Castilla La Mancha de Toledo – UCLM (ESP) e em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Fundação Escola da Magistratura Trabalhista – FEMARGS. Atualmente cursa especialização em Direitos Humanos e Políticas Públicas, também pela Unisinos. Integra o grupo de pesquisas CNPQ UFRGS Trabalho e Capital: Retrocesso Social e Avanços Possíveis. É professora na  FEMARGS e na Fundação do Ministério Público – FMP. Ocupa a Vice-Presidente da Associação Gaúcha de Advogados Trabalhista – – AGETRA e é Membro das Comissões de Relações de Trabalho e de Feminismo da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT.

 

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  1. Naiara Malavolta

    Excelente abordagem. Temos trabalhado com essa perspectiva jo Movimento Sindical. A omissão das entidades com a violência de gênero dentro do ambiente de trabalho e nas vidas pessoais (violência doméstica) é igualmente criminosa e deve ser banida das praticas sindicais. Precisamos atuar no combate a esta violência colocando a estrutura sindical a serviço das mulheres agredidas.

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