A História da Universidade de Brasília Contada por seus Personagens: reportagens, depoimentos entrevistas

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

UnB 50 Anos: História Contada. A História da Universidade de Brasília Contada por seus Personagens: reportagens, depoimentos entrevistas. Thais de Mendonça Jorge (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012, 252 p.

  

            Na segunda edição da Aula de Inquietação, com a qual os estudantes calouros têm sido recepcionados desde o primeiro semestre de 2009 na UnB, o neurocientista Miguel Nicolelis defendeu a ideia da “universidade totalmente aberta, que incorpore ao conhecimento a inteligência popular e que devolva para a comunidade o produto do trabalho feito com recursos públicos”.

           

Esta idéia, em tudo coincidente com o que propus em meu programa para a UnB, sustentando o princípio do compromisso social do conhecimento realizado pela universidade, atualizando a pergunta formulada por Darcy Ribeiro e por ele próprio respondida como tarefa para a Universidade de Brasília: “uma universidade que tenha o inteiro domínio do saber humano e que o cultive não como um ato de fruição erudita ou de vaidade acadêmica, mas com o objetivo de, montada nesse saber, pensar o Brasil como problema” (Universidade para quê?, Editora UnB, Série UnB, Brasília, 1986).

            Colocada essa questão como desafio à universidade, ela remete àquela necessidade, identificada pela Comissão Delors (Delors, J., Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, 5ª edição – São Paulo: Cortez, Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2001), de caminhar em direção a uma sociedade educativa, para a qual, a contribuição do ensino superior, pela mediação dos Direitos Humanos, pode cooperar para realizar o pilar-síntese da educação pensada como condição para o aprendizado “do viver juntos, desenvolvendo o conhecimento acerca dos outros, da sua história, das tradições e da espiritualidade (e) a partir daí, criar um espírito novo que, graças precisamente a esta percepção nas nossas crescentes interdependências, graças a uma análise partilhada dos riscos e dos desafios do futuro, conduza à realização de projetos comuns ou, então, a uma gestão inteligente e apaziguadora dos inevitáveis conflitos”.

            Esses pontos correspondem, em seus fundamentos, às expectativas que defendem uma universidade aberta à cidadania, preocupada com a formação crítica dos acadêmicos e mais democrática. Uma universidade, como lembrava Boaventura de Sousa Santos em sua recente visita à UnB, consciente de que “o que lhe resta de hegemonia é o ser um espaço público onde o debate e a crítica sobre o longo prazo das sociedades se podem realizar com muito menos restrições do que é comum no resto da sociedade” e que encontra no exercício da pluralidade tolerante a mediação apta a torná-la uma “incubadora de solidariedade e de cidadania ativa”.

            Um modelo assim já se apresenta como proposição interpelante da universidade convencional, desde que ela se abra a, pelo menos, duas condições. A primeira é o dar-se conta da natureza social do processo que lhe cabe desenvolver. Não é condição trivial, porque ela implica opor-se à tentação de mercadorização do ensino e da pesquisa e conseqüente redução do sentido de indisponibilidade do bem Educação, constitucionalmente definido como um bem público.

            A outra condição, é a de interpelar a universidade para que ela se abra a novos modos de ingresso e de inclusão de segmentos dela excluídos, a exemplo das políticas de ações afirmativas. Possibilita, assim, alargar o âmbito das pautas pedagógicas que desenvolve e fazer circular no ambiente do ensino e da pesquisa novos temas, cosmologias plurais, epistemologias mais complexas e um diálogo mais amplo entre os saberes.

 

É nessa linha de compreensão que se projeta em relação à UnB, tal como procurei imprimir nos enunciados programáticos da minha gestão (2008-2012), projetada como uma cidade educadora

 

A UnB é, certamente, uma cidade. Uma cidade no sentido de que nela há vários modos de ocupação de espaços, nos quais se realizam múltiplas interações e experiências do conviver.

            A UnB é uma cidade de porte impressionante. Sem contar as áreas dos três campi de Ceilândia, Gama e Planaltina e da Fazenda Água Limpa, as áreas da Cidade de Alto Paraíso, da região do Torto e da Vila Paranoá, só o Campus Darcy Ribeiro tem aproximadamente quatro milhões de metros quadrados, com edificações acadêmicas e administrativas incluindo auditórios, hospitais, bibliotecas, edifícios residenciais, parque olímpico e ainda, livrarias, restaurantes, lanchonetes, museus, correio, bancos, lojas, posto de gasolina, sapataria, barbearia, associações e fundações.

           

Na cidade UnB, uma rede de complexas relações tecida por indivíduos e grupos mobiliza, de forma articulada ou não, um cotidiano de desafios, demandas e expectativas. São (Anuário Estatístico 2018) cerca de 50.000 alunos de graduação e de pós-graduação. Mais de 3.000 funcionários, além de prestadores de serviço e 2550 professores. Estes números foram expandidos por causa do programa de expansão e de reestruturação das universidades federais em curso desde 2007, agora se iniciando um processo de retraçãoo em face das medidas de contenção da expansão universitária, promovidas pelo governo instalado nesse início de 2019. Ainda assim, contando os visitantes, um fluxo de cerca de 60.000 pessoas circula todo dia na cidade UnB.

           

Mas a cidade UnB é, antes de tudo, uma cidade educadora. Não só porque nela se produza educação, mas porque desenvolve uma identidade constituída por investimentos culturais para a formação das pessoas que nela convivem. Na intencionalidade de suas atribuições, a cidade UnB se oferece como mediação para o desenvolvimento pleno de seus habitantes e contribui para que eles se façam sujeitos e cidadãos.

 

Mas a cidade UnB é, antes de tudo, uma cidade educadora. Não só porque nela se produza educação, mas porque desenvolve uma identidade constituída por investimentos culturais para a formação das pessoas que nela convivem. Na intencionalidade de suas atribuições, a cidade UnB se oferece como mediação para o desenvolvimento pleno de seus habitantes e contribui para que eles se façam sujeitos e cidadãos.

Em seu livro As Cidades Invisíveis Ítalo Calvino diz que a construção das cidades segue um plano no qual o fio condutor de seu discurso é, muitas vezes secreto, as suas regras absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondem uma outra coisa. A meu ver, esta é uma chave de leitura da cidade UnB e do impressionante registro feito por Luiz Humberto de Faria Del’Isola e Noêmia Barbosa Boyanovsky, na vasta obra A Bailarina Empoeirada. História do Povo de Brasília Bras´lia: Annabel Lee, 2013, 2 volumes, 2013). Trata-se de tecer com  fio discursivo tortuoso, labiríntico, caleidoscópico, em que as próprias situações da narrativa se parecem com bailarinas a dançar em turbilhões de poeira provocados pela construção da cidade.

Mas, ele se reorienta, fortemente carregado da capacidade de colocar o leitor, para lembrar Antonio Cândido (O Discurso e a Cidade), em contato com realidades vitais, de estar aprendendo, participando, aceitando ou negando, como se estivesse envolvido nos problemas que o texto suscita. Ao fim e ao cabo, um texto, de novo lembrando Calvino, que sem se confundir com a cidade que descreve, guarda uma relação incindível com ela. E de que fala esse texto? Fala da transformação de civitas e da urbs cerebralmente projetadas para a beleza e para a funcionalidade, em ágora da cidadania, lugar para o protagonismo dos sujeitos e para a realização dos direitos.

É esta experiência, explica Marshall Berman (Tudo que é sólido se desmancha no ar), que leva a multidão transeunte a se transformar em povo. O livro fala, em síntese, de uma coreografia intensa e participativa num cotidiano que se faz História. Como a daqueles operários pioneiros que ainda hoje, conquistado direito de morar, mantem, à entrada da Vila Telebrasília, o mural simbólico: “Aqui tem história”. História, sim, assumida pelos seus próprios sujeitos e inscrita no projeto de Brasília, ao lado do bucólico, do monumental e do arquitetônico, definitivamente, como representação conquistada da escala social que somente o povo organizado pode.

Brasília e a UnB se tecem pois, desses fios de memória tecidos por personagens que são agentes históricos, protagonistas, de um cotidiano muitas vezes invisível. Por isso a importância desse livro UnB 50 Anos: História Contada. A História da Universidade de Brasília Contada por seus Personagens: reportagens, depoimentos, entrevistas. Organizado pela Professora e Jornalista Thais de Mendonça Jorge e publicado como parte das celebrações d Jubileu da Universidade de Brasília.

Conforme lembrei na apresentação da obra (p. 8-9), sabemos que a memória é a capacidade de guardar e recuperar informações. Fazemos isso internamente, em nossos cérebros, ou apelamos para dispositivos externos. A memória humana está relacionada a grande parte de nossa energias mental. Ao memorizar fatos, textos, imagens, cheiros ou ao tentar lembrar episódios recentes ou remotos, recorremos a nossa memória associativa e conectamos fragmentos, trechos, flashes, de modo que toda uma história faça sentido. Na universidade  e na vida, a memória é a base do conhecimento.

 

Ao selecionar os depoimentos do livro  UnB 50 Anos – História Contada estamos usando os mesmos mecanismos que armazenam dados em nosso lobo frontal: juntamos, como num mosaico rico e diversificado, pedaços da história da Universidade de Brasília que cada um dos entrevistados preservou, numa área muito especial da cabeça, e que diz respeito a sua vivencia na UnB.  Esses personagens, seus depoimentos, as entrevistas a que responderam, as reportagens que lhes deram visibilidade e exibiram um protagonismo imerso no cotidiano que anima diuturnamente a Instituição, é a principal linha de sustentação da Universidade e sua força mais leal de imunização, quando o perigo e ameaças rodem a sua cidadela (https://campus.fac.unb.br/materias/2019-06-19-alexandre-padilha-e-ex-reitor-da-unb-fazem-representacao-para-o-ministro-da-educacao/).

 

A Universidade de Brasília é hoje uma das mais importantes instituições de ensino superior do país. Desde a criação, em 1962, a UnB é uma universidade de vanguarda. Seus fundadores pretendiam constituir um espaço de crítica social, de reflexão e de participação. Criaram um organismo vivo, onde o ensino, a pesquisa e a extensão se coadunam. Uma Universidade atenta às questões nacionais e com aspiração de influenciar a realidade brasileira.

Hoje, a UnB, com seus milhares de alunos frequentando cerca de 300 cursos, já não é apenas a do campus Darcy Ribeiro, no Plano Piloto de Brasília. Ela é descentralizada, policêntrica. Por sua atuação nas múltiplas áreas de conhecimento, a Universidade é vista como uma instituição de ponta, em constante desenvolvimento e numa trajetória ascendente, contra e apesar dos obstáculos funcionais da conjuntura.

O livro permite acompanhar a história da UnB (Primórdios: luta e repressão e Novos Tempos: expansão e afirmação), contada na voz de professores, pesquisadores, estudantes, servidores, que por ela passaram ou ainda aqui vivem parte do dia, na nobre missão de difundir e compartilhar cultura. Ao reunir os depoimentos neste livro, a sua organização incita a participar do esforço iniciado pelos fundadores no sentido de conservar a memória, a história da instituição, a fim de gerar novas ideias para as gerações do futuro, que desfrutarão deste esforço plural, autônomo e livre que toda universidade deve ser.

A publicação também traz informações sobre as atividades que foram desenvolvidas pela Comissão UnB 50 Anos, especialmente constituída para promover reflexões e ações relacionadas à comemoração do Jubileu da Universidade de Brasília.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

 

                                   

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