A judicialização da vida familiar: criação e educação dos filhos por meio de decisões judiciais

Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

 

Olhando para o passado percebemos que alguns temas que tem chegado ao Judiciário não eram comuns, nem frequentes. Agora temos visto o aumento de um número de demandas que tem se caracterizado pela Judicializada da educação e criação dos filhos.

O “vilão” dessa história seria o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, vejamos:

Art. 21 O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Brincadeiras à parte, o art. 21 veio para equiparar o poder familiar dos pais, não tendo nenhum dos dois maior “poder de mando” do que o outro. Apesar das demandas serem recentes o dispositivo apontado acima é de 1990, com fundamento na Constituição Federal.

O que era para facilitar, para alguns passou a ser um cabo de guerra. E muitas vezes, não é por causa da criança em si, mas sim uma forma de retaliar ou atacar o outro pelo término da relação, pela frustração dos planos e sonhos de um deles. Ou seja, não se trata de colocar a criança no centro da discussão – apesar de muitas vezes, a fala ser no sentido de proteger a criança…

São diversos casos, mas iremos exemplificar com apenas duas situações que se tornaram, infelizmente, corriqueiras.

Primeira Situação: o pai ou a mãe solicita ao outro a autorização para viagem internacional para passar as férias com os filhos em comum na Disney (ou em qualquer outro país).

Não existe suspeita de que eles têm a intenção de permanecer no país estrangeiro.

Mas aquele que vai ficar aqui se recusa à conceder a autorização. La vamos nós fazer o suprimento judicial para autorização de viagem internacional… Ou seja, o Judiciário e que irá decidir se os filhos vão ou não viajar para a Disney… E começa com o suprimento judicial para emissão do passaporte, suprimento judicial para a viagem ao exterior, etc.

Segunda Situação: a mãe quer que o filho estude na escola A ao passou que o pai quer que estude na escola B. Os dois não entram em acordo… Lá vamos nós ajuizar a ação cabível… Ou seja, o Judiciário é que irá decidir onde a criança irá estudar…

Pode ocorrer que o pai tenho outros filhos maiores e esses estudaram na escola A, mas ele se nega, também a matricular esse outro filho nessa escola. Ou ainda, os dois já tinham decidido que a criança iria estudar na escola A, mas aí o casal conjugal se desfaz e como forma de retaliação um deles não quer mais a escola A (justifica com valor das mensalidades, distância, etc.)

Apontamos acima apenas dois exemplos, mas a busca pelo Judiciário quando o casal parental não consegue chegar a uma conclusão ou definição está cada dia mais frequente.

Intolerância, frustração, raiva, cada casal parental carrega consigo sentimentos negativos e eles acabam respingando nos filhos.

Esse casal parental está colocando nas mãos de um terceiro – O Juiz – para decidir o que é melhor para os seus filhos. O que não é benéfico para nenhum dos envolvidos (pais e filhos), pois é um terceiro que irá decidir com base naquilo que ele está vendo e analisando no processo, bem como seu convencimento pessoal do que e mais adequado para as crianças.

Em 2010/2011 tramitou uma ação na Vara de Família de Petrópolis (0069632-36.2010.8.19.0042) em que o pai moveu uma ação para pleitear que o Judiciário determinasse a mudança da escola A (que o filho já estava matriculado) para a escola B.

Vejamos a fundamentação da sentença que foi proferida:

Ocorre que o autor discorda da escolha realizada pela ré quanto à escola na qual a criança deve estudar. Não há qualquer outra discussão ou conflito subjacente, quer com relação ao valor da mensalidade (o que poderia alterar o acordo entre as partes), quer com relação à modificação da cláusula com o fim da guarda compartilhada. Do mesmo modo, inexiste discussão sobre a similaridade de ambos os estabelecimentos de ensino ou sobre algum interesse do menor que possa ser prejudicado pela opção por um ou por outro colégio.

Assim, o que se conclui é que o único motivo que trouxe as partes ao Judiciário foi a incapacidade de comunicação entre ambos, que não conseguem, sozinhos, discutir e solucionar um problema banal e cotidiano.

 Nem todo conflito pode ser apreciado pelo Estado. Ao garantir o amplo acesso à justiça, quis a Constituição garantir o funcionamento adequado de um estado democrático de direito e evitar que qualquer lesão ou ofensa a direitos fosse excluída de um devido processo, de um juiz independente e imparcial, do adequado contraditório.

 Esses conflitos e esses direitos, no entanto, não são de qualquer natureza e sim aqueles que podem contar com a interferência estatal para a sua solução.

Vinho tinto ou branco, café ou chá, futebol ou basquete, salada ou sopa, vestido ou calça, preto ou branco, cinema ou teatro, Flamengo ou Fluminense são alternativas com as quais um ser humano se depara de forma permanente e é próprio da condição humana decidir e solucionar.

 Aliás, são as escolhas do dia-a-dia que traduzem e expõem a fragilidade e as contradições próprias da condição humana. Delegar para o Estado a opção por escolhas íntimas e individuais não se constitui numa alternativa possível.

 A menos que exista algum dano a ser experimentado pela criança, ou alguma perda a ser sofrida pelas partes, não pode o Judiciário substituir os pais na definição de um ou outro colégio, ainda que os mesmos não cheguem a um consenso sobre o assunto.

 Como bem afirmou Maria Berenice Dias in Manual de Direito das Famílias : “O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável, imprescritível(..) As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que decorrem da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados” (7ª. Edição, pag 414, RT)

 A guarda compartilhada, decorrente do poder familiar, deve garantir à criança a percepção de que tanto o pai quanto a mãe são responsáveis solidários pelos direitos-deveres típicos desse poder. Não há possibilidade de se pretender que o Estado interfira nesta escolha que é subjetiva e deve ser enfrentada de maneira amadurecida pelas partes.

Terapias, mediações familiares, auxílio de orientadores, amigos, padres, pastores, são alguns caminhos existentes na sociedade e que podem ser eficientes na solução de um conflito desta natureza.

 O Judiciário não pode, sob pena de interferir na esfera da intimidade e da privacidade, definir qual  escola é melhor para uma criança que possui pai e mãe capazes, maiores e no exercício regular da guarda.

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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