Straining – violência no local de trabalho

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Foto: portal brasil

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A violência no local de trabalho não sucede apenas por conta de fatores pessoais, sendo compreendida a partir de uma análise sobre a personalidade de vítima e agressor mas também, decorre de uma combinação de causas relacionadas ao ambiente laboral, às condições organizacionais e às formas de interação entre todos os trabalhadores e entre eles e os empregadores.

Caminhando neste sentido, depreende-se que, nada obstante o atávico comportamento do assediador, questões estruturais e de gestão interferem na ocorrência do assédio, possibilitando-o.
O Assédio Moral torna-se por conseguinte, um problema organizacional porque as empresas e o próprio serviço público são os palcos onde esses comportamentos antiéticos acontecem, seja por irresponsável omissão seja por viabilizar condições que estimulam o terror psicológico.

De sabença, é dever do empregador garantir um ambiente saudável para o trabalhador, adotando uma política antiassédio prévia e/ou sancionatória. A omissão e inoperância dos empregadores podem possibilitar e potencializar o Assédio Moral.

Por outro lado, hodiernamente, diante da globalização, do capitalismo, da economia neoliberal, cujo discurso cinge-se à competição, ao lucro, à maior produtividade, ao menor custo operacional, à redução de postos de trabalho, fácil é a propagação do Assédio Moral, porque inexiste qualquer respeito à dignidade do ser humano de quem se cobra metas inalcançáveis e inexecutáveis em detrimento de sua saúde física, mental e social dentro de um ambiente laboral tóxico gerido de maneira cruel e arbitrária.

Neste sentido, tem-se referido ao Assédio Moral Organizacional decorrente da própria organização do trabalho.

Objetiva o Assédio Moral Organizacional a melhor relação custo/benefício com concomitante disciplinamento dos trabalhadores.

No Assédio Moral Organizacional pois, é o próprio empregador, através de políticas de gestão, que impõe o terror psicológico com práticas abusivas e agressivas, que extrapolam qualquer poder de mando ou diretivo, decorrentes da própria administração.

Por conseguinte, Assédio Moral Organizacional ou gestão por estresse ou finalmente, straining é uma técnica gerencial que impele os trabalhadores ao limite por meio de comportamentos humilhantes e ameaçadores inclusive de demissão.

Veja:
“[…] straining é uma situação de estresse forçado, na qual a vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é obrigado a trabalhar sob grave pressão psicológica e ameaça iminente de sofrer castigos humilhantes.

[…]

No straining, todo o grupo, indistintamente, é pressionado psicologicamente e apertado para aumentar a taxa de produtividade, atingir metas, bater recordes na venda de serviços e de produtos, debaixo de reprovações constrangedoras, como a acusação de falta de interesse pelo trabalho, falta de zelo e colaboração para com a empresa, e a ameaça permanente e subjacente, lançada de modo vexatório, de perder o emprego, ou, ainda, sofrer uma punição ainda mais dura e humilhante.

[…]

O straining marca a substituição da ética do trabalho pela recompensa premial, instituída pelos novos modelos de produção americano e japonês e que também se apoiam na tolerância do mal. O ambiente de trabalho é tomado como um campo aberto onde tudo é possível em nome da competitividade. Várias são as vítimas e à nova cultura gerencial se expande em discursos, reuniões, palestras, em que o grupo é, inicialmente, admoestado a produzir e atingir as metas. Aos poucos a brandura das advertências vai cedendo lugar à pressão psicológica explícita e o grupo passa a sofrer ameaças, que vão desde os castigos tipo pagar prenda […] seguida da severa ameaça de dispensa com ou sem justa causa.” (1)

Também a jurisprudência aponta nesta direção, minudenciando o que se intitula por Assédio Moral Organizacional: “EMENTA: DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. COBRANÇA OSTENSIVA DE METAS E DESRESPEITO. INDENIZAÇÃO. A cobrança de metas pelo empregador é natural nas relações de trabalho, pois significa chamar os empregados às suas responsabilidades, nas quais se inclui o dever de cooperar com o empregador para o sucesso do empreendimento, porém, desde que ocorra nos limites da normalidade.

O extrapolamento dos limites pode caracterizar assédio moral, por atingir aspectos existenciais da pessoa do empregado. Pressão e cobranças constantes, bem como ameaças na hipótese de não cumprimento tem sido corriqueiros, reiterados e abusivos, e chegam à Justiça do Trabalho em inúmeras ações, o que tem despertado interesse de vários segmentos, como a comunidade acadêmica, médicos, psicólogos e psiquiatras, advogados e magistrados, pelo potencial lesivo a direitos de personalidade dos trabalhadores.

Modelos de gestão empresarial impõem aos trabalhadores condutas que fomentam a competição predatória entre eles e suas equipes, introduzem práticas de estímulo à produtividade sem limites, impõem metas inatingíveis, expõem os trabalhadores pela publicidade de suas produções individuais, que, se não cumpridas, geram o pagamento de castigos humilhantes, quando não ameaça de perda do emprego, o que os levam a jornadas exaustivas e à execução de trabalho sem limites como forma de assegurar recompensas salariais.

Essa prática resulta na degradação das condições de trabalho, no alto nível de estresse, especialmente entre trabalhadores com cargos de gerência, e a quebra do próprio respeito para com colegas de equipe. Tal quadro caracteriza assédio moral organizacional ou institucional, que pode envolver vários indivíduos e conta com a prática reiterada de desrespeito a direitos fundamentais dos trabalhadores, por sua submissão a situações humilhantes e constrangedoras, que às vezes não são perceptíveis se tomados isoladamente.

Tratam-se de condutas que compõem um quadro sistemático de agressão, ameaça e perseguição e se destinam a degradar as condições humanas, sociais e materiais do trabalho. Se a prova produzida nos autos confirma alguma dessas práticas, capaz de gerar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao trabalhador no que diz respeito à sua honra, dignidade, equilíbrio físico e emocional ou outros direitos de personalidade, há que se reconhecer os danos morais e o dever de indenizar. Recurso ordinário do autor a que se dá provimento para deferir o pagamento de indenização por danos morais.” (2)

Importa todavia, realçar que esta modalidade de assédio não se confunde com o perverso Assédio Moral no Trabalho perpetrado por um assediante de comportamento antiético que pretende unicamente a aniquilação da vítima, sem qualquer outra finalidade:

“Observamos, no nosso cotidiano, que as condições de trabalho estão se tornando mais duras: é preciso fazer cada vez mais, e melhor, contudo o objetivo das organizações não é destruir o empregado, mas, ao contrário, melhorar o seu desempenho. Já no assédio moral, não se trata de melhorar a produtividade ou otimizar os resultados, mas se livrar de uma pessoa porque, de uma maneira ou de outra, ela ‘incomoda’.

Trata-se de uma relação dominante-dominado, na qual aquele que comanda o jogo procura submeter o outro até fazê-lo perder a identidade. A autoridade legítima sobre um subordinado se torna a dominação da pessoa. Tal violência não é útil à organização nem à boa administração da empresa.” (3)

Referências
(1) GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr. 2008.
(2) TRT: 01220-2012-653-09-00-8 (RO).
(3) MARTININGO FILHO, Antonio e SIQUEIRA, Marcus Vinicius Soares. Assédio Moral E Gestão De Pessoas: uma análise do assédio moral nas organizações e o papel da área de gestão de pessoas. REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MACKENZIE. Volume 9, n. 5, 2008, p. 11-34.

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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