Política e economia em Brumadinho: muito além da lama

Políticas Públicas e Ordem Econômica

Caminha por entre fantasmas, com blocos de pedras nos ombros
Ossadas de escravos, escombros, escombros;
São séculos, ciclos na insana espiral
e o peso nas costas permanece igual;
(O Drama da Humana Manada – El Efecto)

 

O rompimento da barragem da Samarco (joint venture da Vale com a BHP Billiton) em Mariana (MG), no ano de 2015 – 19 mortos –, é o maior acidente de barragens da história já registrado até o momento no mundo, com 45 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos despejados. Em um distante segundo lugar, tem-se o acidente em 2014 na Mina de Mount Polley (Canadá), com 24,4 milhões de metros cúbicos despejados.

Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Mesmo sem se saber ainda a colocação do acidente da Barragem de Córrego Feijão –  também administrada pela Vale –, em Brumadinho, MG, ocorrida em 25 de Janeiro, a quantidade disponível de FakeNews sobre esse acontecimento é impressionante, seja apelando ao sensacionalismo, seja para a promoção de interesses políticos: entre outros, por exemplo, é divulgado que o Decreto 8.572/2015, assinado pela então presidente Dilma Rousseff, impede a punição das empresas responsáveis, pois considera o rompimento de barragens como desastre natural. Isso não é verdade, já que tal classificação foi feita apenas para fins da lei 8.036/1990, que dispõe sobre o uso do FGTS; no Whatsapp corre informações de que a Polícia Rodoviária Federal teria prendido um venezuelano e um cubano sob suspeita de terem explodido a barragem da Vale, o que é igualmente falso; há também um vídeo de um desastre ocorrido em Laos, país do sudeste asiático, indevidamente associado a Brumadinho.

Vamos aos fatos.

O Brasil ser o país sede do maior desastre de barragem do mundo certamente não é motivo de orgulho. Além disso, segundo especialistas compilados pela BBC News Brasil, o recente rompimento em Brumadinho (MG), atingindo a região metropolitana de Belo Horizonte, já é catalogado como “o maior acidente de trabalho da história do Brasil – e que poderá se tornar o segundo acidente industrial mais mortífero do século 21 em todo o mundo”[1]. Até o fechamento desse texto (29/01), os bombeiros tinham registrado 65 mortos e 279 desaparecidos, 5 engenheiros que atestaram a segurança da barragem 1 da Mina do Feijão foram presos mais dois mandados de busca e apreensão em empresas que prestaram serviços para a Vale.

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Três anos após o rompimento da barragem em Mariana, a mineradora Samarco ainda não pagou nada de multa ambiental ao Ibama, esse o qual instaurou 25 autos de infração que resultaram em multas da ordem de R$ 350,7 milhões. No que diz respeito ao desastre de Brumadinho, o Ibama já multou a Vale em R$ 250 milhões, por meio de 5 autos de infração[2].

No substitutivo Projeto de Lei 5.316/2018 que endurece a fiscalização de barragens, de autoria do deputado João Vitor Xavier e recebido pelo Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), está proposto, entre outras medidas mais rígidas que as implantadas atualmente, que, para a obtenção da licença prévia, deverá ser apresentado pelo empreendedor projeto na cota final prevista para a barragem, que deverá ser explicitado à população diretamente atingida pelo empreendimento em audiência pública. Ainda, o empreendedor deverá apresentar proposta de “caução ambiental, com o propósito de garantir a recuperação socioambiental para casos de sinistro, e estudos sobre o risco geológico, estrutural e sísmico da barragem, bem como, para a obtenção da licença de instalação, o plano de desativação da barragem”[3]. Além disso, há a proibição de construção de barragens onde, “a jusante, existirem comunidades em zonas de autossalvamento, ou seja, os moradores locais não serão mais deixados à própria sorte”[4]. Esse Projeto de Lei, com mais de 56 mil assinaturas em apoio popular, teve participação dos técnicos da consultoria da ALMG, do Ministério Público de MG, do Ibama, além de ONGs representantes de 52 outras entidades da sociedade civil. Dito Projeto está parado na ALMG, tendo sido vetado por 3 deputados da Comissão de Minas e Energia da ALMG: Thiago Costa (MDB), Tadeu Martins Leite (MDB) e Gil Pereira (PP). Os 3 tiveram doações de mineradoras em suas campanhas nas eleições de 2014.

Ainda, o jornalista Marcelo Osakabe relata que desde a tragédia ambiental do rompimento da Barragem do Fundão, em 2015, em Mariana (MG), “ao menos seis novos projetos de lei apresentados na Câmara e no Senado propuseram flexibilizar, de alguma maneira, o licenciamento ambiental no Brasil”[5].

Além disso, o TCU aponta em Relatório ainda de 2016 que a Superintendência da Agência Nacional de Mineração (ANM) em MG,  responsável por regular e fiscalizar o setor, por exemplo em relação às barragens de rejeitos de minérios, conta com 1/5 do pessoal necessário para atender a demanda de trabalho do Estado (necessidade de 384 funcionários, contando à época com 79). Atualmente, segundo a ANM, há 74 funcionários.[6]

Ainda, Julio Cesar Dutra Grillo, superintendente do Ibama em MG, disse que já havia alertado, em 2018, que barragens de rejeitos em Brumadinho, entre elas a da Vale que se rompeu no dia 25 de janeiro agora, “não ofereciam risco zero”. A BBC News salienta que o aviso de Grillo “foi feito durante reunião extraordinária da Câmara de Atividades Minerárias. A discussão acabou com a aprovação, de forma acelerada, da licença para a continuidade das Operações da Mina da Jangada e das operações da Mina de Córrego do Feijão (Brumadinho)”[7].

A Vale também se beneficiou de atos de Germano Luiz Gomes Vieira, secretário de Meio Ambiente de MG. Vieira assinou, em dezembro de 2017, norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, permitindo a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado. A medida possibilitou à Vale acelerar o licenciamento para alterações na barragem de Brumadinho[8].

Nesse ínterim, diversos atos e declarações do Governo Federal dificultam ações legítimas em prol dos atingidos pelo desastre. Citamos 3:

(1) “Fiscalização xiita do IBAMA”

Foto: Ibama

Após vitória nas eleições presidenciais, Bolsonaro defendeu publicamente a ideia de acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Essa pasta acabou sendo entregue para Ricardo Salles, condenado em primeira instância por alterar mapas para beneficiar uma empresa de mineração durante sua atuação como secretário de meio ambiente do estado de São Paulo. Bolsonaro salientou ainda que “não podemos continuar admitindo uma fiscalização xiita por parte do ICMBio e do IBAMA”. Houve mudança no discurso desde o ocorrido em Brumadinho, mas nada indica que isso não é mera retórica em face do abalo popular atribuído pelo desastre.

(2) Militares Israelenses em Brumadinho

Foto: Israel Defense Forces

O Governo Federal tem se aproximado de Israel, principalmente com a intenção de mover a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, desagradando líderes árabes. Apesar do vice-presidente Mourão declarar recentemente que “por enquanto” essa mudança não ocorrerá, há clara empatia do Governo brasileiro com o Primeiro Ministro israelense Netanyahu, o qual, alvo de acusações de corrupção em seu país, esteve presente na posse de Bolsonaro. Nesse contexto, Israel ofereceu ajuda ao Governo Federal com equipamentos e pessoal para ajudar as vítimas de Brumadinho. Porém, de acordo com o comandante brasileiro das operações de resgate, tenente-coronel Eduardo Ângelo, das 16 toneladas de equipamentos israelenses que chegaram ao Brasil, “nenhum se aplica a esse tipo de desastre”[9].

(3) Reforma Trabalhista e Danos Morais

Em 2017, sancionada pelo então presidente Michel Temer, a Lei 13.467 trouxe mudanças significativas à CLT. Essa verdadeira Reforma Trabalhista, entre outros pontos, limitou a indenização por danos morais a trabalhadores a até 50 vezes o salário recebido. Antes da reforma, a lei trabalhista não estabelecia limitação à indenização por danos morais. No que diz respeito a Brumadinho, “a família de um engenheiro da Vale falecido na tragédia que recebia um salário de R$ 10 mil terá indenização 10 vezes maior do que a de um trabalhador braçal que recebia R$ 1 mil”[10]. O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, salienta que “o valor da dor da família desse engenheiro seria 10 vezes maior do que o valor da dor desse trabalhador braçal. Ou seja, estamos valorando a dor das pessoas por castas”[11].

Sob o Governo de FHC, a companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 1997 com a venda da parte acionária pertencente ao governo por 3,3 bilhões de reais. Na época, a empresa valia cerca de R$100 bilhões. O argumento do então presidente era a redução da dívida interna, essa a qual, entretanto, cresceu, entre 1995 e 2002, de R$108 bilhões para R$654 bilhões.

A lógica lucrativa das empresas privadas impera intrínseca nas estruturas da Vale. Resta saber como enfrentarão o lado mais humano do recente desastre em Brumadinho.

Notas:

[1] BBC NEWS. Brumadinho pode ser maior acidente de trabalho do Brasil. G1. 29 jan. 2019. Disponível em https://glo.bo/2BcaENL. Acesso em 29 jan. 2019.

[2] COUTINHO, Mateus. Samarco não pagou nenhuma multa ao Ibama referente à tragédia em Mariana. O Globo. 29 jan. 2019. Disponível em https://glo.bo/2Ro5zqR Acesso em 29 jan. 2019.

[3] ALMG. Tramitação de Projetos. PL 5316/2018 – Projeto de Lei. Disponível em http://bit.ly/2Tsj0Id Acesso em 29 jan. 2019.

[4] ALMG. Tramitação de Projetos. PL 5316/2018 – Projeto de Lei. Disponível em http://bit.ly/2Tsj0Id Acesso em 29 jan. 2019.

[5] OSAKABE, Marcelo. Mesmo após desastre de Mariana, projetos de lei buscam afrouxar licenciamento ambiental. Notícias UOL. 29 jan. 2019. Disponível em http://bit.ly/2TjdzuJ Acesso em 29 jan. 2019.

[6] LIS, Laís. Agência de Mineração tem um quinto do pessoal necessário em MG, diz relatório do TCU. G1. 29 jan. 2019. Disponível em https://glo.bo/2MFfZBv Acesso em 29 jan. 2019.

[7] ODILLA, Fernanda. Brumadinho: MG tem mais de 300 barragens inseguras, diz superintendente do Ibama que fez alerta em dezembro. BBC News Brasil.         26 jan. 2019. Disponível em https://bbc.in/2Ggj1ea Acesso em 29 jan. 2019.

[8] Cf. CAMARGOS, Daniel. Secretário de Meio Ambiente reduziu critérios de risco de barragens e acelerou licenciamento ambiental em MG. Repórter Brasil. 26 jan. 2019. Disponível em http://bit.ly/2MHbSF8 Acesso em 29 jan. 2019.

[9] Cf.  VALENTE, Rubens. Equipamentos de israelenses não são efetivos para as buscas, diz chefe do resgate. Folha de S. Paulo. 28 jan. 2019. Disponível em http://bit.ly/2MFqRPO Acesso em 29 jan. 2019.

[10] CARRANÇA, Thais. Reforma trabalhista cria desigualdade em Brumadinho, diz procurador. Valor. 28 jan. 2019. Disponível em http://bit.ly/2Uq4jVW Acesso em 29 jan. 2019.

[11] CARRANÇA, Thais. Reforma trabalhista cria desigualdade em Brumadinho, diz procurador. Valor. 28 jan. 2019. Disponível em http://bit.ly/2Uq4jVW Acesso em 29 jan. 2019.

Rodrigo de Camargo Cavalcanti é Articulista do Estado de Direitopossui Pós-Doutorado em Ciências Jurídicas pela UNICESUMAR (2016-2018); Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2014); Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2010); Pesquisador pela Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (FUNADESP) no Projeto de Pesquisa “Direito Constitucional Econômico: historicidade e contextualização contemporânea brasileira”; Diretor de Imprensa e Comunicação da Associação de Pós-Graduandos em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012-2015); Membro suplente do Conselho Fiscal do Projeto Rondon São Paulo – Associação Nacional dos Rondonistas; Secretário-Geral da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (2010-2012); Diretor de Comunicação e Imprensa da Associação dos Pós-Graduandos da PUC-SP (2010-2012).
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