Cobrar a consulta ou não, eis a questão.

Coluna Instante Jurídico

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Foto: Pixabay

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A crença de que a dignidade da profissão está vinculada a prestação de serviços gratuitos

Dia desses, fui procurado por um cidadão determinado a esclarecer suas dúvidas em face de um problema jurídico. Ao telefone, uma voz que parecia pertencer a um homem de meia idade cuidava de me explicar a gravidade do caso ao tempo em que exigia uma possível solução.

Desconfortável por ser “forçado” a prestar as informações solicitadas daquela maneira, sugeri ao meu interlocutor que comparecesse ao meu escritório para uma consulta, pois assim teria melhores condições de fazer apontamentos sobre os documentos mencionados por ele durante a conversa ou qualquer outro fato que julgasse necessário.

Agendados o dia e o horário, o possível cliente compareceu no local marcado e lá conversamos por cerca de duas horas. Na ocasião, ele dava detalhes sobre o ocorrido ao tempo em que se esforçava para compreender a importância de uma contestação, de um recurso e, sobretudo, de como funcionavam os honorários contratuais e sucumbenciais dos advogados.

Fonte: Pixabay

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Ao final do atendimento, o senhor disse educadamente que necessitava refletir um pouco mais sobre as soluções colocadas à vista, salientando que, caso fosse responder à demanda judicial, voltaria ao escritório numa outra oportunidade. Ato contínuo, estendeu-me a mão num sinal de despedida e correspondi anunciando que o valor da consulta poderia ser acertado com a secretária quando da sua saída.

A cena que se seguiu foi tão rápida e constrangedora que só pode ser descrita da seguinte maneira: indignado, o homem começou a bradar numa sala de dezesseis metros quadrados que era um absurdo ser cobrado só para ter uma orientação; que esse tipo de coisa só deveria ser exigido caso o cliente fosse dar entrada numa ação ou, quando muito, na realização de um acordo extrajudicial.

Num primeiro momento, confesso que fiquei abismado (nada mais natural, afinal, não fazia sentido ser procurado para prestar um serviço sem que para isso houvesse a contraprestação aplicável à espécie). Instantes depois, percebi que me encontrava diante de uma situação que certamente já ocorreu com vários outros advogados. E isso me fez pensar: “em que momento validou-se a crença de que a dignidade da profissão está vinculada a prestação de serviços gratuitos”[1]?

Por vezes ouço colegas dizerem que a advocacia não se compara com uma atividade econômica e, por esse mesmo motivo, não se importam em dar um direcionamento em determinado casos (e, até certo ponto, eu meio que concordo com esse ponto de vista). O problema é que esse tipo de pensamento tem se acentuado de tal maneira, que a situação vem alcançando níveis insustentáveis, a ponto de a sociedade passar a ter uma visão deturpada da função do advogado.

E esse é um ponto bastante delicado, pois, se o Novo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil determina que o advogado deve observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional quando da realização do serviço,[2] significa que a opção pela não cobrança de valores preliminares implica, além do desprestígio da advocacia, na desmoralização da própria profissão.

Fonte: www.oabsp.org.br

Fonte: www.oabsp.org.br

A esse respeito, o Tribunal de Ética da OAB/SP assim se manifestou:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CONSULTAS JURÍDICAS – PARÂMETROS PREVISTOS NA TABELA DE HONORÁRIOS DA SECCIONAL DE SÃO PAULO – OBRIGATORIEDADE. A cobrança de consulta jurídica, verbal ou por escrito, deve observar as regras e condições estabelecidas na Tabela de Honorários da Seccional de São Paulo. Deixar de efetuar a cobrança dessa consulta configura prática de mercantilização da profissão, inculca, captação de causas e angariação de clientela, além de desprestigiar o exercício da advocacia, conduta essa que ofende o prescrito nos arts.  41 do Código de Ética e Disciplina e o inciso IV do art. 34 do EAOAB. Proc. E-4.523/2015 – v. U., em 18/06/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. JOÃO LUIZ LOPES – Rev. Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.[3]

 A desvalorização dos profissionais liberais

Como se vê, tal ocorrência só demonstra o quão prejudicada se encontra a advocacia particular, pois, se o profissional em Direito, assim como todos os outros profissionais liberais, dedicou anos para sua formação visando melhor atender os anseios da sociedade, é esperado que ele receba um tratamento equivalente no tocante à remuneração pelo exercício de sua atividade.[4]

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Visando resolver esse imbróglio, algumas Seccionais da OAB deram início a campanhas em favor da cobrança das consultas, pelos advogados. Na tentativa de resgatar o prestígio ínsito à profissão, esses movimentos visam, de uma maneira geral, conscientizar os profissionais sobre a valorização do seu trabalho através de palestras, visitas técnicas, fornecimento de material de divulgação, uso das redes sociais, etc. A ideia é evidenciar que a cobrança de consultas é legítima e não deve ser interpretada como um tipo de constrangimento ao cliente.[5]

O problema, é que apesar dos esforços empreendidos pelos respectivos Conselhos de Classe, alguns profissionais continuam a ignorar essas orientações, tornando as medidas citadas inócuas, isto é, sem qualquer efetividade. A esse respeito, penso que as Seccionais deveriam reunir forças para fiscalizar tais situações e, eventualmente, punir aqueles que agirem em desacordo com as suas recomendações, assim como já fazem na ocorrência das hipóteses do art.34 da Lei 8.906/94.

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Sei que a ideia é um pouco radical e um tanto quanto difícil de ser posta em prática, entretanto, ela se mostra plausível quando pensamos na valorização do conhecimento jurídico e no papel desempenhado pelo advogado junto à sociedade.[6] É dizer, por outras palavras, que a classe jurídica deveria continuar se empenhando para fornecer um serviço de qualidade, cuidando de conscientizar seus clientes sobre a importância da consulta e da preservação da atividade.

A essa altura vocês devem estar se perguntando o que aconteceu com o senhor que atendi no meu escritório. Simples: pedi a ele que lesse a coluna de hoje e que não demorasse para assinar e devolver o instrumento procuratório (afinal, o prazo para o oferecimento de defesa havia diminuído).

😉

Notas e referências bibliográficas:
[1] VITÓRIA. Thaiza. Advogados devem cobrar consulta?. Rede Jusbrasil, 26 set. 2014. Disponível em: <http://coachingparaadvogados.jusbrasil.com.br/artigos/141854856/advogados-devem-cobrar-consulta>. Acesso em: 23 ago. 2016.
[2] BRASIL. Resolução n.02/2015, de 19 de outubro de 2015. Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasilia, 2015. Disponível em:<http://s.conjur.com.br/dl/codigo-etica-oab3.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2016.
[3] STRAZZI. Alessandra. É errado o advogado [não] cobrar consulta?. Rede Jusbrasil, 28 jul. 2016. Disponível em: <http://alestrazzi.jusbrasil.com.br/artigos/366824781/e-errado-advogado-nao-cobrar-consulta-novo-codigo-de-etica-da-oab>. Acesso em: 23 ago. 2016.
[4] JUS, Crannio. Advogado deve cobrar por consulta jurídica?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4429, 17 ago. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/41765>. Acesso em: 23 ago. 2016.
[5] VITÓRIA. Thaiza. Op. cit.
[6] Idem.

 

Raphael de Souza Almeida Santos é Articulista do Estado de Direito. Graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras – Unidade Divinópolis. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Araras (UNAR/SP). Mestre em Direito Raphael AlmeidaPúblico pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Professor do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Coordenador do Grupo de Pesquisa de Direito e Literatura, do Curso de Direito da Faculdade Guanambi (FG/BA). Palestrante. Autor e colaborador de artigos e livros. Advogado inscrito na OAB/BA e OAB/MG.
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