Do Direito (Im)puro ao Direito Fraterno

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Presente e Futuro do Pensamento Jurídico

Pragmatismo e utilitarismo invadiram o Direito. Muitos nem querem pensar no que venha a ser Justiça. E alguns dos que pensam o Direito vivem ilusões na caverna platónica.

Excelentes pessoas, juristas eruditos, não puseram os pés na terra, pois em regra vivem em microclima protegido. Outra razão de idealismo é o discurso legitimador, o senso comum e certa dose de alienação.

Há intentos purificadores do Direito bem diversos da Reine Rechtslehre de Kelsen, autores preocupados com o isolamento jurídico aspirando à separação do Direito da política (sobretudo): projeto sedutor.

A Justiça, segundo o preceito clássico do Digesto, seria constans et perpetua voluntas suum cuique tribuere, e o suum seria o que é de cada um num estrito rigor titularista.

 

O Jusnaturalismo

Tais autores jusnaturalistas (ao menos de designação) acabam por resvalar para um positivismo, dado que os títulos jurídicos poderão ser talvez um pouco mais latos que o simples dura lex sed lex do legalismo (englobando costume, contrato, testamento, etc.), mas não muito menos apertados. Esses intentos purificadores não passarão de titularismos, jusnaturalismos positivistas.

 

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Mas a situação de clausura não dura. A partir da entrada no rol dos títulos jurídicos desse título maior, a condição humana, tudo muda. A partir do reconhecimento de que, pelo facto de se ser Pessoa, já se tem direitos, que não podem ser senão naturais, então o Direito Natural deixa de ser uma filosofia escolástica mais ou menos distante e envolta em brumas de dialéticas esotéricas, para se tornar direito em ação (law in action), e os direitos passam, verdadeiramente, a Direitos Humanos, os  quais contêm uma enormíssima componente de política. Política que era precisamente o que muitos jusnaturalistas purificadores queriam afastar (pelo contrário, algumas ideias de índole moral e religiosa faziam-nas até caber no próprio cerne jurídico do direito natural).

A partir do momento que a razão jurídica dos direitos deixa de ser a da purificação para assumir a impureza, permeabilidade a outras racionalidades e contributos, entra fortemente em jogo a ideia de Justiça como justiça social. E há uma mutação de paradigmas.

Por que razão deverá o Direito ser algo de radicalmente impermeável a outras racionalidades, ao ponto de as tratar com desprezo?

 

Ser jurista

A divisão aristotélica entre o jurídico particular e o geral confinou mental e praticamente muitos, que consideraram que fazer mesmo Justiça seria um sacrilégio jurídico.  Mas o problema hoje está já num outro patamar. Não mais faz sentido ensinar juristas com mãos puras porque sem mãos, como dizia Péguy a propósito de Kant, certamente uma consideração impiedosa. Os juristas de hoje precisam de sê-lo de corpo inteiro.

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Primeiro ter-se-á que assumir razão jurídica não obcecada com pureza e purificação, i.e., o isolamento, mas, ao contrário, abertura a outros contributos, que supere até o interdisciplinar no pós-disciplinar. Depois, já nemsequer o binómio dicotómico (oposição binária como tantas que nos formatam e deformam) e estigmatizador puro/impuro estará presente. Trata-se de pensar e fazer Direito com Justiça, na Justiça.

Surge um novo paradigma de fraternidade e humanismo. Depois do paradigma do direito objetivo romanista e do direito subjetivo idealista, ganha terreno o paradigma do Direito Fraterno Humanista. Manifestação evidente dessa aspiração universal é o movimento pela criação de uma Corte Constitucional Internacional. Em vez de se apelar para o céu, como acabariam por recomendar aos injustiçados Locke e Hume, achamos que “o céu pode esperar”, e queremos justiça em todo o Mundo, aqui e agora.

Para que essa Justiça triunfe não é indiferente  que exista um instrumento teórico realista e lúcido, teorização clara, desmitificadora. Na luta pela Justiça, uma arma essencial é a teoria do Direito e um ensino jurídico crítico.

 

imagePaulo Ferreira da Cunha – Comité TCI, UAM, bolseiro FUNADESP na FADISP, FDUP. É Mestre e Doutor em Direito.

 

Artigo publicado na 48ª edição do Jornal Estado de Direito. Acesse aqui!

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