Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Luiza de Andrade Penido. Direitos Humanos nas Entrelinhas das Crônicas de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Blucher, 2022. 202 p.
Conforme a sinopse preparada pela Editora, o livro analisa como a temática de direitos humanos está expressa nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade, publicadas no Jornal do Brasil nos períodos de outubro de 1969 a outubro de 1970 e de setembro de 1983 a setembro de 1984. A seleção dos textos foi amparada na correspondência a dois momentos marcantes da ditadura civil-militar no Brasil: o governo Médici, fase conhecida como “anos de chumbo”; e a gestão de Figueiredo, caracterizada pelo crescimento das lutas pela democratização, como na campanha Diretas-já.
As relações entre direitos humanos e literatura, gênero crônica e opinião pública são alguns dos temas abordados. Em seguida, as crônicas drummondianas do período são categorizadas e analisadas conforme os direitos humanos que saltam do conjunto das publicações, como direitos às liberdades; à cultura e ao patrimônio; à participação efetiva da mulher; direitos econômicos e sociais; à democracia e à participação política e social.
A autora – Luiza de Andrade Penido – é graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília, e atua há dez anos como servidora pública na área de direitos humanos.
A Autora conforme se anota nesse registro biográfico desenvolveu a pesquisa da qual resulta o livro, no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, vinculado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – CEAM, da Universidade de Brasília, no qual sou professor. Lá a conheci, bem assim o seu projeto, em profundidade quando a dissertação foi submetida a banca examinadora, composta por seu Orientador Professor Menelick de Carvalho Netto, pelas Professoras Mariana Martins de Carvalho e Sinara Zardo e por mim.
Desde logo o trabalho me encantou. Pelo tema, articulando direitos humanos e literatura, nexo que me mobiliza, conforme se deduz das muitas recensões que elaborei aqui neste espaço, na medida em que vejo nessa relação – direito e direitos humanos, arte e literatura – uma racionalidade expressiva que permite ao discurso literário conduzir temas densos, e com linguagem persuasiva própria da retórica, traduzir o discurso epistemológico da ciência. Por isso dediquei à Dissertação uma atenta recensão, numa Coluna Lido para Você, para a qual remeto o leitor: http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-nas-entrelinhas-das-cronicas-de-carlos-drummond-de-andrade/.
Volto a tratar do assunto com a publicação do livro porque entre a Dissertação e a sua edição há sempre um rearranjo, sabido que o só tempero já forja ineditismo como acréscimo de sentido, dá sabor, de modo que não seja só, lembra Roberto Lyra Filho, chover no molhado, nem deitar chuvisco, depois das chuvas copiosas (LYRA FILHO, Roberto. Pesquisa em QUE Direito?. Brasília: Edições Nair Ltda, 1984), sobre o que já foi escrito anteriormente. No mesmo texto, apoiando-se em Pascal, acresce que até as mesmas palavras, noutra ordem, constituem novas ideias e que as ideias antigas, noutro arranjo, formam um novo de corpo de doutrina.
É o que podemos aduzir do comentário da Autora na edição do livro:
Este livro surgiu a partir da minha dissertação de mestrado em Direitos Humanos e Cidadania na Universidade de Brasília – UnB, defendida em 2020. Embora a pesquisa e a escrita tenham durado dois anos, a escolha do tema passou por anos de maturação até se circunscrever em autenticidade, já que envolve atuação profissional (há dez anos atuo como servidora pública na área de direitos humanos), a formação como jornalista e também o amor pela literatura, em especial por Carlos Drummond de Andrade, autor cujas letras marcaram minha vivência familiar.
Ao longo da escrita, porém, o avanço da extrema-direita no poder e as ameaças do autoritarismo no Brasil transformaram a pesquisa em refúgio e busca de caminhos de resistência, ao investigar sobre como a literatura e o jornalismo podem se constituir elementos formadores de uma cultura emancipatória. O tema se revelou também inédito, uma vez que o viés específico dos direitos humanos não havia sido ainda tratado em Carlos Drummond de Andrade.
Ao analisar como os direitos humanos estão presentes nas crônicas drummondianas publicadas no Jornal do Brasil e como se integram a um movimento de abertura democrática, encontramos literatura e direitos humanos a iluminar-se mutuamente. Nas crônicas em que Drummond enlaçava leitoras e leitores para tecer uma civilização mais justa e igualitária, encontramos também alumbramentos para enfrentar os fundamentalismos da atualidade.
Já o Sumário do livro indica a continuidade da escrita na sua continuidade entre a Dissertação e a publicação do livro:
Sumário
Introdução
- Direitos humanos e literatura
Um lugar no diamante ético dos direitos humanos
Direitos humanos e literatura se enlaçam
- A crônica que aviva a opinião pública e afirma direitos
O direito achado no jornal
Literatura, jornalismo e cultura na ditadura civil-militar brasileira
- Direitos humanos nas entrelinhas drummondianas (1969-70/1983-84)
Breve trajetória do JB
“Drummond aqui entre nós”
Encontros entre os direitos humanos e as crônicas drummondianas
- O Sentimento do mundo nos jornais
“Cronista da ambiguidade”
Pelas lentes da Crítica
O lutador
Referências
Notícias, crônicas e artigos jornalísticos
Apêndice
No que me concerne, remeto ao texto de minha recensão no qual aludo inclusive, a satisfação de me ver localizado como referência teórica, entre Lynn Hunt e Joaquín Herrera Flores, os autores de ancoragem epistemológica de Luiza Penido. No que me diz respeito, a Autora quer sustentar o duplo enlace – o teórico e o político – para a condução de sua análise. Me vejo íntegro no recorte que ela elabora, na página 27, sobretudo, de maneira mais ampla mas, notadamente, a propósito, nessa passagem:
Para a teoria, por meio das manifestações da rua, o direito alcança a positivação, concretizando-se em normativo reflexo das lutas por justiça social e equidade, com base legítima de movimentos e controles sociais. Dessa forma, o direito se desloca da norma e se coloca na rua, conquistada no interior do processo histórico, dialético e social, suas lutas e contradições, ao passo que adquire caráter concreto e plural, pois baseado no que pulsa na rua: o povo. Assim, o direito é visto por seu caráter transformador, capaz de alterar a lógica jurídica opressora, ao positivar demandas de novos movimentos sociais, formados por novos sujeitos de direito originários das ruas
Aqui ela remete ao meu (organizador) O Direito Achado na Rua: concepção e prática (Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2015). O recorte é preciso e ganha adensamento, no que se refere aos novos sujeitos de direito originários das ruas, na atualização mais recente conforme os consensos alcançados no Seminário Internacional 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua: O Direito como Liberdade (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (et al org). Série O Direito Achado na Rua volume 10: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: Editora UnB/Editora OAB Nacional, 2021).
Muito interessante, conforme o Sumário, que a Autora tenha aberto uma seção O Direito Achado no Jornal (p. 49-55). Assim que ela indica, na sequência de seu argumento, que ao “compreender que o Direito se constrói nas ruas, dentro da concepção de Roberto Lyra Filho e José Geraldo [de] Sousa Junior, encontramos o Direito que se constrói nos jornais, entendido como meio de comunicação de massa e, portanto, plataforma para compartilhamento e difusão, o que resulta, em última instância, na própria construção de um espaço público etéreo, mas que se concretiza ao balizar as lutas sociais travadas na rua”.
Reproduzo aqui o fecho de meu comentário sobre a sua dissertação, para reafirmar o meu sentimento de que Luiza Penido, com seu trabalho sensível, traz com delicadeza, e não só com esse gesto, um arremate para sua obra que vale como um desagravo, algo que ela traduz no mesmo sentimento de injustiça que move o Autor de sua estima, e que o projeta, diz um de seus interpretes, para o “máximo de espírito do tempo e da consciência possível com relação à sua época”. Ou, tal como ela inscreve na sua apresentação do livro que, “ao enfocar o perfil cronista e humanista de Drummond, o livro revela como os direitos humanos estão consistente e recorrentemente presentes nas crônicas do autor, constituídas por entrelinhas comprometidas com valores democráticos e libertários que foram difundidos no café da manhã de leitoras e leitores brasileiros durante o período de autoritarismo”.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55 |
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