VONTADE E NULIDADES
Os conceitos de vícios da vontade são grandes avanços do Direito. O seu surgimento e posterior aprimoramento contribuíram muito para nosso convívio. Erro, coação, estado de perigo, lesão e fraude desvirtuam a manifestação de vontade.[i]
Hoje, nosso Código Civil tem a previsão dos defeitos do negócio jurídico que são o erro ou ignorância, dolo, coação, estado de perigo, lesão, fraude contra credores e já se fala em vícios sociais.[ii]
Muitos novos aprimoramentos existirão. Todos os negócios jurídicos deverão ter função social, no dizer de Pietro Perlingieri.[iii]
A manifestação de vontade haverá de ser a expressão da liberdade e da solidariedade.[iv]
Em outras áreas, afins ao Direito, muito se tem esclarecido o que seja vontade e como são chegamos a ela. Recorde-se estudo de Juiz em Natal, Rio Grande do Norte, na intersecção entre Direito e Neurociência.[v]
Inúmeras pesquisas têm demonstrado que existem vários modelos cognitivos envolvidos nos processos de tomada de decisão humana, não sendo mais possível apostar na prevalência da racionalidade abstrata de um ser autossuficiente.[vi]
Hoje, temos maiores conhecimentos que os nossos antepassados de Roma e dos posteriores tempos iniciais da modernidade. No futuro, precisaremos compreender sociedades ainda mais complexas e com diferentes questões sociais a serem superadas. Os aprendizados de tempos anteriores não podem ser esquecidos, todavia, são insuficientes.
Acredita-se que nós, profissionais do Direito, saberemos atualizar os conceitos de coação e estado de perigo no futuro. O livro de ficção do cientista Miguel Nicolelis menciona índice de desemprego superior a 80% em 2036, na estimativa de um hipotético banqueiro da Suíça.[vii]
Estar entre os 20% ou entre os 80% será expressão de vontade, livre, solidária e consciente?? Qual será a população do Mundo? E de São Paulo?
Os trabalhadores com ganhos mensais muito inferiores a R$ 16 mil não podem ter igual tratamento aos demais mencionados no parágrafo único do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, se é que estes outros poucos poderiam.
No Direito do Trabalho, desde a década de quarenta do Século passado, se alcançou relevante construção jurídica. O artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho é claro ao dizer que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
O conceito acima, provavelmente, seja resultado de debates travados aqui no Brasil, no dizer de Arnaldo Süssekind.[viii]
Em resumo, do dito até aqui:
a)os conceitos de vícios da vontade do Direito Civil contribuíram muito e tem evoluído;
b)o conceito de nulidade do Direito do Trabalho resulta de outros aprendizados.
Ora, se a sociedade tem evoluído e continuará evoluindo, parar para pensar terá pouca ou nenhuma utilidade.[ix] O descompasso entre Direito e História será, cada vez maior, se não estivermos atentos. Ricardo Campos chega a propor que o Direito forme uma ordem dinâmica de permanente mudança.[x]
Entre nós, na Constituição não existe a figura de suspensão processual. Trata-se de conceito do direito processual, infraconstitucional, para situações excepcionais.
Nossos avanços dos conhecimentos jurídicos, certamente, acompanharão a velocidade das transformações sociais. Vamos cuidar para que não exista um grande descompasso.[xi]
Porto Alegre, Páscoa de 2025.
Ricardo Carvalho Fraga
Desembargador do Trabalho no
Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul
[i] Site https://www.aurum.com.br/blog/glossario-juridico/vicios-da-vontade/
[ii] Código Civil, artigos 138 e seguintes. Vícios sociais em texto de Renata Cristina Moreira da Silva, https://www.jusbrasil.com.br/noticias/qual-a-diferenca-entre-vicios-da-vontade-ou-consentimento-e-vicios-sociais-e-o-que-compreende-cada-um-deles-renata-cristina-moreira-da-silva/2219393
[iii] Pietro Perlingieri em entrevista ao Professor Gustavo Tepedino, in Direito Civil Constitucional, São Paulo: Editora Foco Jurídico, 2022, pg 3.
[iv] Maria Cristina de Cicco, agora na página 4 da obra citada de Gustavo Tepedino, resultante dos Anais do VII Congresso do Instituto Brasileiro de Direito Civil, em setembro de 2019.
[v] Rosivaldo Toscano Jr, O Cérebro que Julga, Florianópolis: Emais Editora, 2023.
[vi] Ludmila Junqueira Duarte Oliveira e Brunello Stancioli, Neurodireito e Negócios Jurídicos, São Paulo, Editora Foco, 2022, pg 9.
[vii] Miguel Nicolelis, Nada Mais Será Como Antes, São Paulo, Editora Planeta, 2024, pg 22.
[viii] Arnaldo Süsekind, em entrevistas para ANAMATRA,
https://www.youtube.com/watch?v=DWAUeOtuXdI
[ix] Ricardo Campos, Metamorfoses do Direito Global, São Paulo: Editora Contracorrente, 2022.
[x] Ricardo Campos, Metamorfoses do Direito Global – sobre a interação entre direito, tempo e tecnologia, São Paulo: Editora Contracorrente, 2022, pg 126
[xi] Descompasso ou delay, já em outro idioma e área.