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Norberto Bobbio e a obra Democracia e Segredo
O autor desta obra, Norberto Bobbio, nasceu em 1909, em Turim (Itália), e faleceu em 2004. Trata-se de um relevante pensador político europeu. Este trabalho, Democracia e Segredo, abrange mistérios e segredos desvirtuados de seus papéis originais e forças implícitas, empregados corruptos. Para Bobbio, isto se trataria do núcleo do “poder invisível” que tem prejudicado a democracia.
Este trabalho agrupa relevantes reflexões sucintas:
a) a crise de credibilidade dos arranjos políticos democráticos contemporâneos;
b) os escândalos de espionagem globais (leva-nos ao conceito: “Estado dual”);
c) o poder, de um lado, instituído funciona de acordo com a lei e à luz da opinião pública;
d) de outro, igualmente, age nos subterrâneos da política, arbitrário, em prol de interesses ilícitos. Para Bobbio, “a opacidade do poder é a negação da democracia”.
O Estado coexiste em um paradoxo
Em um globo ligado pelas tecnologias de informação, a espera por transparência e publicidade por parte do aparato do Estado dissolve-se nas revelações de ações ocultas. Para o autor, o Estado coexiste em um paradoxo, de modo que suas ações secretas abrangem o germe de um poder despótico, em que “o soberano vê sem poder ser visto”. Para o pensador, diante disto, não existe o que ceder, já que “a única maneira de defender as instituições democráticas é cerrando fileiras ao lado dos que jamais tiveram a tentação de ir para o subsolo para não serem reconhecidos. São numerosos, felizmente. Mas precisam ter coragem e agir de modo consequente.”
Nesse panorama, nas palavras do cientista político: “A democracia costuma ser acusada de não cumprir suas promessas. Não cumpriu a promessa de eliminar as elites do poder. Não cumpriu a promessa do autogoverno. Não cumpriu a promessa de integrar a igualdade formal com a igualdade substantiva. Curiosamente é algumas vezes acusada de não ter conseguido debelar o poder invisível. É fato que o poder invisível costuma a existir.”
Na obra de Bobbio, distingue-se o Estado em dois: 1) “Estado normativo”; e 2) “Estado discricionário”. O primeiro se trata daquele submetido ao império da lei. O segundo, enquanto isso, opera fora do princípio da legalidade, com fulcro em um mero juízo de oportunidade. Pode-se, até mesmo, neste último caso, referir-se a um “Estado de exceção”, com traços de dualidade.
A negação da democracia
No que se refere ao poder invisível, o autor afirma: “a opacidade do poder é a negação da democracia”, conflitando com os fundamentos ideais da democracia. Tais reflexões Bobbio trata no livro O futuro da democracia, volume que, oportunamente, do mesmo modo resenharemos.
Pois bem, o autor recorre ao “critério da publicidade para distinguir o justo do injusto, o lícito do ilícito”, uma vez que apenas na tirania “público e privado coincidem, na medida em que os negócios do Estado são seus negócios pessoais e vice-versa.”
A seguir, Bobbio afirma que a transparência absoluta é impossível em qualquer democracia. Ademais, o autor justifica que, em casos extremos, pode-se suspender os princípios fundamentais. Por fim, o pensador indica que, na democracia, o segredo ou a verdade sempre termina no escândalo.
Democracia e a essência do poder
Adiante, no decorrer do estudo, Bobbio reflete sobre quatro pontos: 1) o poder invisível; 2) o poder invisível dentro do Estado e contra o Estado; 3) Democracia e segredo; 4) Segredo e mistérios: os poderes invisíveis.
Por questão metodológica, optamos por tratar do terceiro item, qual seja: Democracia e segredo – uma vez que, principalmente, o título da obra leva esta denominação.
Nessa perspectiva, o autor aponta que o segredo é a essência do poder, tendo sido por séculos fundamental para governar. Daí, que apenas o detentor de poder “tem a chave do sistema completo de caixas, que abriga seus segredos. Se a confia inteiramente a alguém mais, ele se sente em perigo”.
Bobbio, assim, recorre a Carl Schmitt, para avistar “a ideia da guerra como confronto realizado em um grande palco (pense-se na metáfora do ‘teatro de guerra’)”
A geopolítica no campo das relações exteriores
Com efeito, no campo das relações exteriores, não raras vezes, a geopolítica consiste, nada mais nada menos, do que quatro elementos combinados, quais sejam: 1) teatro; 2) xadrez; 3) mágica; e 4) força.
O primeiro se trata da relação de encenação num grande palco. O segundo, de abranger a necessidade de táticas / estratégias neste âmbito. O terceiro, de lidar com o diversionismo. E o último, do recurso ao uso da força por quem de fato detém o poder militar para fazer valer o seu interesse.
Em passagem esclarecedora, Bobbio sintetiza: “Nada pode confundir mais o adversário do que não poder reconhecer a verdadeira face de quem está à sua frente.”
O desafio democrático
Com relação ao desafio democrático, mencionamos apenas a frase de Jefferson: “O líder pode usar o discernimento, mas não pode ser autorizado a guardar suas intenções para si.”
Para encerrar nossas reflexões, indaga-se: “Quem vencerá o desafio?”. O autor problematiza a questão com a transparência do poder. Nesse sentido, afirma: “a democracia excluiu por princípio o segredo de Estado, mas o uso do segredo de Estado, através da instituição dos serviços de segurança, que agem em segredo, é justificado como sendo um instrumento necessário para defender, em última instância, a própria democracia.”
Finalmente, a “serpente morde a própria cauda. Mas a serpente, como vimos, sempre foi considerada um emblema da prudência, virtude política por excelência – e por que não?, uma virtude também dos juristas, cuja ciência não por acaso foi chamada de jurisprudentia.”
Nicholas Maciel Merlone é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Direito Constitucional em Debate – Mestre em Direito pelo Mackenzie. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro Associado do Observatório Constitucional Latino Americano (OCLA). Professor Universitário e Advogado. |