Para uma longevidade feliz: decálogo da plena maturidade

*Autoria Alice Gurgel do Amaral

Revisão texto Gabriel Peev

 

 

Crédito – Nayara Lara

Como é ser “velho” ou “idoso” nessa sociedade pós-moderna, mergulhada numa tecnologia que surpreende mas também assusta – principalmente os da geração mais antiga– e impõe um novo jeito de viver a todos: crianças, jovens, adultos jovens e adultos mais velhos?

Como é ser “velho” ou “idoso” e continuar vivendo e sendo aceito pela sociedade, que se desenvolve sem parar e exige que se continue jovem e conectado?…Num tempo presente, atuante; carregando, porém, anos, bagagens e histórias antigas? Algumas informações que chegam dão conta de pessoas que vivem aqui, agora, em 2019, em pleno século XXI, mas estão vindo de longe: de 1916, já atingindo 102 anos, ou de 1922, chegando à idade de 97.

Como é ser de ontem mas inserido no hoje, tão veloz e tão tecnológico? Eis a pergunta rápida, mas densa, que se insurge ao longo do texto: dois séculos mesclados numa mesma pessoa, numa mesma vida. Simplesmente fantástico!

Esse texto pretende oferecer uma reflexão sobre a velhice, que será chamada de plena maturidade,e também passar roteiros para uma CARTILHA DE BEM VIVER UMA LONGEVIDADE FELIZ E COLABORADORA.

Essa cartilha poderá também ser deixada em aberto para sugestões dos leitores, e, quem sabe, se a adesão for grande, acrescer novas “dicas”. E, sem cessar, completar suas linhas até compor um verdadeiro roteiro para a plena maturidade..feito a quatro, oito ou mais mãos, numa partilha de bem viver e de colaborar.

 

FUNDAMENTOS

Como fundação para erigir uma arquitetura dessa fase de vida – da plena maturidade – é urgente introduzir um novo mind set sobre a velhice. Segundo a ótica exposta, não deveria ser considerada apenas a fase da fragilidade, do aparecimento predeterminado de doenças ou da espera passiva da morte. Ainda que haja uma significativa perda de imunidade e de força física, com variadas repercussões em todos os aspectos da saúde– seja física, mental, emocional ou social-produtiva–, é possível, atualmente, suprir o avanço da idade com variadas estratégias de bem viver.  

A dinâmica da vida é uma propulsão para uma constante busca de viver com felicidade e força. Em outras palavras, cuidar bem da velhice é uma reverência à própria vida, e o alongamento da autonomia e da saúde favorece não só os que estão na plena maturidade, mas também toda a família e a sociedade.

Nessa nova compreensão, considerando a plena maturidade como uma sequência de viver, e de simplesmente viver ou de viver apaixonadamente, como merece essa maravilhosa vida que o ser humano recebe…urge quebrar tabus:o de dizer que os velhos são assexuados; exigir-lhes que se mantenham artificialmente jovens para serem aceitos; ou então usarem sua dedicação e tempo livre no exaurimento de tarefas afetivas e domésticas (como cuidar de netos e bisnetos ou de outros idosos já doentes); ou ainda de terem que se conformar com a reclusão em casa ou nas casas de repouso,apenas porque seu ritmo e sua agilidade são mais lentos.

Em razão desses equívocos, muitos idosos são explorados e não chegam a descobrir a oportunidade que a vida lhes dá ao terem seus anos de vida prorrogados. Ficam marginalizados do convívio social, ainda que estejam rodeados de familiares e da sociedade. E eles próprios se reduzem como indivíduos atuantes e pessoas humanas.

Não se pode tratar a vida humana como descartável, algo que, após cumprir algumas obrigações e finalidades essenciais (procriar, trabalhar, formar patrimônio), se exaure e perde o valor, ainda que a vida se alongue: ou seja, perde sua função e utilidade na família e na sociedade, apenas porque envelheceu.

            A proposta é implantar, nessas antigas gerações,a conscientização de seu direito de bem viver, segundo suas possibilidades. E também incentivá-las a ter autoestima e foco nos desejos e projetos que ainda possam ser desenvolvidos. Mostrar que estar vivo é estar apto a ser feliz a qualquer momento: construindo afetividade, relacionamentos, obras de várias naturezas, participação e capacidade para se apoderarem também do direito de construir o futuro. Sim, os mais velhos podem e devem ter futuro, e não apenas passado. O futuro, afinal, é tão simples: apenas um tempo, um prosseguir e se permitir continuar contando sua própria história e colaborando com a dos outros.

             Um dos objetivos do presente texto é auxiliar quem está na plena maturidade a se reconhecer como pessoa humana, caminhando pela vida com todos os direitos, mas sem o peso da segmentação discricionária (terceira idade, velhinho, idoso, melhor idade), apesar das blindagens de proteção e privilégio concedidas pela legislação brasileira.Devem ser vistos por si próprios– e pelos outroscomo pessoas inteiras, com emoções, talentos, obrigações e inserção na família e no mundo.

Assim que seja resgatada essa dignidade e autoestima, espera-se que a sociedade e as próprias famílias reconheçam essa potencialidade ainda presente nos mais velhos e lhes permitam a inserção em passeios, viagens, diálogos e busca de suas opiniões em família. E, na mesma extensão e filosofia de bem viver,que sejam abertos mais espaços para a sua expressão também como cidadãos.

Para esse novo entendimento, a velhice ou a plena maturidade não é sinônimo de estar ultrapassado e marginalizado apenas porque a idade avançou e, por isso, determinou-lhe a retirada da vida produtiva, com a aposentadoria. Ou então porque, por causa passagem do tempo, não atinge mais os níveis de performance desejada, sejam profissionais ou de beleza física, ou mesmo de saúde pessoal e até financeiro-patrimonial.

Há uma invisível influência do subconsciente coletivo que “assopra” para os que vão ficando mais velhos:“Já está na hora de parar; de ceder lugar aos mais jovens”;“Você já é velhinho, ou velhinha ou senhorzinho ou senhorinha”;“Está na hora de não ser mais bonito; de ficar doente; de morrer”; “Já fez tudo o que era necessário; cumpriu as obrigações fundamentais; agora é descansar ou só ajudar a família…ou melhor ainda:não atrapalhar a família ou sobrecarregá-la…”;“Ah! E não pode mais ter desejos sexuais, não fica bem um idoso ou uma idosa dizer que tem namorado ou novo amor” (item já referido no início do texto, quando são apontados os tabus).

Toda essa influência coloca as pessoas mais velhas num recuo e autossabotagem que as levarão a desenvolver timidez e a reduzir sua participação na própria vida e na sociedade. É um processo bastante marcante de encasulamento progressivo, que vem sendo observado em várias pessoas da plena maturidade, e que pode levar a doenças emocionais, mentais e neurológicas.

Atualmente, salvo algumas exceções, essas pessoas estão acuadas, ainda que a legislação brasileira lhes conceda tratamentos preferenciais e, em decorrência disso, lhes proporcione um falso conforto e valorização. A postura externa de respeito é obrigatória perante a lei, mas o essencial é mudar a mentalidade. Isso só será possível se a transformação começar pelos próprios atores das gerações, que atualmente representam todos aqueles de 60 anos ou mais. E, dessa forma, sedimentar uma nova práxis, ou seja, uma conduta social concreta para a absorção dos mais velhos ao mundo, o qual também continua sendo deles.

A legislação que orienta esse assunto é o Estatuto do Idoso–Lei no 10 741, de 1º de outubro de 2003. O art 1º determina que são idosas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta anos). O art 3º, § 2º, assegura prioridade especial aos maiores de 80 (oitenta anos).

 

DECÁLOGO DA PLENA MATURIDADE

 

1       Continuar olhando-se no espelho.
 
2       Continuar estudando, aprendendo e escrevendo sua história no presente e para o futuro.
 
3       Continuar aberto a novas amizades, novas verdades e a um registro especial ao aprendizado da tecnologia.
 
4       Continuar sorrindo e colaborando.
 
5       Continuar tendo disciplina: saúde

física (exercícios), pessoal, doméstica, emocional, social e financeira.

 
6       Continuar fazendo sexo e amando.
 
7       Continuar cuidando da aparência pessoal e estética, sendo agradável a si mesmo e aos outros; isso não é vaidade, mas obrigatoriedade.
 
8       Assumir a idade que tem e reverenciar o tempo que se alonga: somente os que estão vivos é que envelhecerão.
 
9       Cultivar bons hábitos: não basta só ir ao médico, fazer exames laboratoriais e tomar vacinas. Os bons hábitos é que mantêm a saúde.
 
10  Diminuir significativamente o tempo que passa diante da televisão e descobrir novas formas de lazer e de exercícios intelectuais.

 

  • Alice Gurgel do Amaral – É articulista do Jornal Estado de Direito. Funcionária aposentada do Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região; advogada, jornalista e presidente da AAJUST 2 Associação dos Aposentados da Justiça do Trabalho 2ª Região; doutora em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP; pós doutoranda da École de Droit da Sorbonne, Université de Paris 1, França, atualmente finalizando pesquisa sobre a Saúde do Trabalhador, área do Direito do Trabalho; uma das ganhadoras do Prêmio Novos Poetas, da Vivara Ed. Nac, em 2017; escreve artigos jurídicos, jurídico-políticos, sociais, crônicas, poesias e contos infantis. Aguarda a publicação de seu livro “Alice no País das Poesias Profanas e Sagradas”, pela Ed JhMizuno, SP e “A Vovó Soneca e a Pantufa Vermelha”, pela Ed Gulliver, MG.
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