Família ou famílias“s”?

Artigo publicado na 46 edição do Jornal Estado de Direito.

Maria Berenice Dias

Advogada

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

O sonho do amor eterno, na pobreza, na doença e na tristeza – se é que um dia existiu – acabou!

O chamado débito conjugal, que servia para impor a procriação, até a morte, também.

Quando isso ocorreu, até não se sabe, mas se consegue identificar um punhado de causas. Talvez o mais significativo foiter a mulher de objeto de desejo tornado-se sujeito de direitos. Surgiram os métodos contraceptivos, caiu o tabu da virgindade, a engenharia genética opera milagres. Agora para ter filhos, não é preciso ter um par e nem fazer sexo.

                Estas mudanças precisam ser reconhecidas. Não só pela sociedade. Também pelo Estado. A forma é inseri-las no sistema jurídico, através de leis que retratem e regulamentem a vida como ela é. Não há outra maneira de fazer justiça senão retirando da invisibilidade quem encontrou formas de amar que só fazem bem e não prejudicam ninguém.

Enquanto tal não acontece, o jeito é bater às portas do Poder Judiciário. Acabaram os juízes a assumindo a responsabilidade de assegurar direitos às novas estruturas familiares que surgiram a partir das mudanças de paradigmas. Foi assim com o reconhecimento do concubinato, que acabou chamado de união estável. Foi assim também com as uniões homoafetivas. Tudo issograças à construção de todo um arcabouço centrado na ética das relações de convívio. A partir de tais mudanças é que se reconheceu a filiação socioafetiva, como geradora de direitos e o dano afetivo a impor obrigações.

Como todos estes avanços precisam ser consolidados em lei, o IBDFAM – Instituto Brasileiro de direito de Família, apresentou Projeto de Lei (PL2.285/2007), que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas foi barrado seu encaminhamento ao Senado. A solução foi atualizar e reapresentar o Estatuto das Famílias no Senado Federal (PLS 470/2013).

Certamente com o propósito de induzir em erro os menos avisados, foi apresentado o Estatuto da Família (PLC 6.583/2013), que, de forma para lá de retrógrada define entidade familiar como a união entre um homem e uma mulher. A tentativa de engessar a família dentro deste conceito,além de flagrantemente inconstitucional,significa descabido retrocesso.

Às claras que a intenção é impor um moralismo encharcado de preceitos religiosos, criando inclusive conselhos da família, perigoso mecanismo de controle estatal no âmbito das relações familiares.

                Algo para lá de injustificável, em tempos de respeito ao direito à felicidade.

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