A competência por prevenção na interceptação telefônica e de dados

Coluna Processo Penal em Foco

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Foto: pixabay

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Como se sabe, os arts. 69, VI, 75, parágrafo único e 83 do Código de Processo Penal estabelecem como um dos critérios determinadores da competência a prevenção. Por ela, e em linhas gerais, qualquer ato praticado por um Juiz de Direito, ainda que anterior ao processo torna-o prevento.

Por outro lado, o art. 3º. da Lei nº. 9.296/96 permite ao Juiz, mesmo na primeira fase da persecutio criminis, determinar de ofício a quebra do sigilo telefônico.

Resta-nos indagar se tais disposições coadunam-se com a Constituição Federal, especialmente com o Sistema Acusatório, por ela adotado.

Desde logo, assumimos uma posição segundo a qual a prevenção, longe de atrair a competência judicial, deveria excluí-la, visto que a prática de deste ato judicial anterior ao processo criminal atinge inevitavelmente a imparcialidade do julgador.

Observe-se, por exemplo, que para decretar a interceptação telefônica o Juiz deve obrigatoriamente afirmar que há “indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal” e que “o fato investigado constitui infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.” (art. 2º., I e III), o que já significa um posicionamento quanto ao mérito da causa penal e, por conseguinte, não deixa de ser um prejulgamento.

Não por menos que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos vem decidindo reiteradamente pela exclusão do julgador que de alguma forma interferiu na fase investigatória, segundo nos informa Aury Lopes Jr.:

“sem dúvida, chegou o momento de repensar a prevenção e também a relação juiz/inquérito, pois ao invés de caminhar em direção à figura do juiz garante ou de garantias, alheio à investigação e verdadeiro órgão supra partes, está sendo tomado o caminho errado do juiz instrutor. E, mais: a imparcialidade do julgador está comprometida não só pela atividade de reunir material ou estar em contato com as fontes de investigação, mas pelos diversos pré-julgamentos que realiza no curso da investigação preliminar (como na adoção de medidas cautelares, busca e apreensão[1], autorização para intervenção telefônica[2], etc.).”[3]

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já decidiu que “o princípio constitucional do justo processo legal manda que cada causa tenha um magistrado competente para decidi-la.” Neste julgamento, o Ministro César Peluso afirmou que “o juiz já teria feito um prejulgamento do réu ao receber a ação penal”. “Ele teve um contato com o réu que não foi superficial”. A sentença condenatória penal estaria, segundo o Ministro, “repleta de remissões aos atos das investigações prévias, além de ter opiniões anteriormente concebidas e expostas”. O Ministro argumentou que houve quebra da imparcialidade do julgamento. “Ele teve um contato com o réu que não foi superficial”, alegou Peluso. A sentença condenatória penal estaria, segundo o Ministro, “repleta de remissões aos atos das investigações prévias, além de ter opiniões anteriormente concebidas e expostas”. (Habeas Corpus 94641).

Dentro desta perspectiva, o Sistema Acusatório é o que melhor encontra respaldo em uma democracia, pois distingue perfeitamente as três funções precípuas em uma ação penal, a saber: o julgador, o acusador e a defesa. Tais sujeitos processuais devem estar absolutamente separados (no que diz respeito às respectivas atribuições e competência), de forma que o julgador não acuse, nem defenda (preservando a sua necessária imparcialidade), o acusador não julgue e o defensor cumpra a sua missão constitucional de exercer a chamada defesa técnica.

Observa-se que no sistema acusatório estão perfeitamente definidas as funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao Juiz proceder como órgão persecutório. É conhecido o princípio do ne procedat judex ex officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório. Nele, segundo o professor da Universidade de Santiago de Compostela, Juan-Luís Gómez Colomer:

“hay necesidad de una acusación, formulada e mantenida por persona distinta a quien tiene que juzgar, para que se pueda abrir y celebrar el juicio e, consecuentemente, se pueda condenar”[4], proibindo-se “al órgano decisor realizar las funciones de la parte acusadora”[5], “que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento”[6].

É de José Frederico Marques a lição:

“A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal, tão somente, da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. (…) O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público.”[7]

Obviamente que a grande distinção do Sistema Acusatório em relação ao Inquisitivo (e abstraindo o Sistema Francês, de duvidosa existência), reside muito mais na questão da gestão da prova (na iniciativa instrutória). Aqui reside o ponto! Não é possível Juiz Instrutor ou Juiz Inquisidor, ainda que haja um órgão distinto responsável formalmente pela acusação. O Sistema Acusatório restará sabotado.

É bem verdade que já houve no Brasil a chamada ação penal ex officio, prevista expressamente na Lei n.º 4.611/65 (revogada pela Lei nº. 9.099/95) e nos arts. 26 e 531 do Código de Processo Penal, onde se permitia que a ação penal fosse iniciada por Portaria da autoridade judiciária: era o chamado procedimento “judicialiforme” previsto para as contravenções penais e para as lesões e homicídios culposos com autoria conhecida nos primeiros quinze dias. Estes dois últimos artigos do código processual evidentemente não foram recepcionados pela nova ordem constitucional, à vista do art. 129, I da Carta Magna.

Ainda como corolário dos princípios atinentes ao Sistema Acusatório, aduzimos a necessidade de se afastar o Juiz, o mais possível, da atividade instrutória. Um dos argumentos mais utilizados para a admissão do Juiz na colheita da prova é a decantada busca da verdade real, verdadeiro dogma do processo penal. Ocorre que este dogma está em franca decadência, pois hoje se sabe que a verdade a ser buscada é aquela processualmente possível, dentro dos limites impostos pelo sistema e pelo ordenamento jurídico.

 

Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

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Como ensina Muñoz Conde:

“El proceso penal de un Estado de Derecho no solamente debe lograr el equilibrio entre la búsqueda de la verdad y la dignidad de los acusados, sino que debe entender la verdad misma no como una verdad absoluta, sino como el deber de apoyar una condena sólo sobre aquello que indubitada e intersubjetivamente puede darse como probado. Lo demás es puro fascismo y la vuelta a los tiempos de la Inquisición, de los que se supone hemos ya felizmente salido.”[8]

Com efeito, não se pode, por conta de uma busca de algo muitas vezes inatingível (a verdade…)[9] permitir que o Juiz saia de sua posição de supra partes, a fim de auxiliar, por exemplo, o Ministério Público a provar a imputação posta na peça acusatória. Sobre a verdade material ou substancial, ensina Ferrajoli, ser aquela:

“carente de limites y de confines legales, alcanzable con cualquier medio más allá de rígidas reglas procedimentales. Es evidente que esta pretendida ´verdad sustancial´, al ser perseguida fuera de reglas y controles y, sobre todo, de una exacta predeterminación empírica de las hipótesis de indagación, degenera en juicio de valor, ampliamente arbitrario de hecho, así como que el cognoscitivismo ético sobre el que se basea el sustancialismo penal resulta inevitablemente solidario con una concepción autoritaria e irracionalista del proceso penal”.

Para o mestre italiano, contrariamente, a verdade formal ou processual é alcançada:

“mediante el respeto a reglas precisas y relativa a los solos hechos y circunstancias perfilados como penalmente relevantes. Esta verdad no pretende ser la verdad; no es obtenible mediante indagaciones inquisitivas ajenas al objeto procesal; está condicionada en sí misma por el respeto a los procedimientos y las garantías de la defensa. Es, en suma, una verdad más controlada en cuanto al método de adquisición pero más reducida en cuanto al contenido informativo de cualquier hipotética ´verdad sustancial´”[10]

Admitimos esta iniciativa judicial probatória, excepcionalmente, quando visa, verbi gratia, a provar a inocência do acusado, isto em respeito ao princípio do favor rei. Como ensina o mestre italiano Giuseppe Bettiol:

“Numa determinada óptica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação processual penal de um Estado inspirado, na sua vida política e no seu ordenamento jurídico, por um critério superior de liberdade. Não há, efectivamente, Estado autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. (…) No conflito entre o jus puniendi do Estado por um lado e o jus libertatis do argüido por outro, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quer assistir ao triunfo da liberdade.”[11]

Não é possível tais disposições em um sistema jurídico acusatório, pois que lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo[12] caracterizado, como diz Ferrajoli, por

“una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad”, ou seja, este sistema “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.[13]

Ainda respaldando-se nas lições de Ferrajoli, ao estabelecer as bases do modelo garantista e do “modelo teórico acusatório” que

“comporta no sólo la diferenciación entre los sujetos que desarrollan funciones de enjuiciamiento y los que tienen atribuidas las de postulación – con la consiguiente calidad de espectadores pasivos y desinteresados reservada a los primeros como consecuencia de la prohibición ne procedat iudex ex officio -, sino también, y sobre todo, el papel de parte – em posición de paridad con la defensa – asignado al órgano de la acusación, con la conseguiente falta de poder alguno sobre la persona del imputado.” (grifamos).[14]

É, por óbvio, o Princípio da Inércia da Jurisdição, inerente também ao Sistema Acusatório, caracterizado

“todo ello ante la actitud pasiva del juzgador”, como lembra Aragoneses.[15]

É evidente que não se pode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possa avaliar como

“necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração da justiça. (…) Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’”.[16]

Parece-nos claro que há, efetivamente, uma mácula séria aos postulados do sistema acusatório, precipuamente à imprescindível imparcialidade[17] (e não neutralidade, que é impossível) que deve nortear a atuação de um Juiz criminal, o que não se coaduna com a feitura pessoal e direta de diligências investigatórias. Como se disse acima, neste sistema estão divididas claramente as três funções básicas da Justiça Penal, quais sejam: o Ministério Público acusa, o advogado defende e o Juiz apenas julga, em conformidade com as provas produzidas pelas partes.

 

Foto: Marco Zoaboni/CNJ

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“Este sistema se va imponiendo en la mayoría de los sistemas procesales. En la práctica, ha demonstrado ser mucho más eficaz, tanto para profundizar la investigación como para preservar las garantías procesales”, como bem acentua Alberto Binder.[18]

Quanto à neutralidade, faz-se uma ressalva, pois não acreditamos em um Juiz neutro (como em um Promotor de Justiça ou um Procurador da República neutro). Há sempre circunstâncias que, queiram ou não, influenciam em decisões e pareceres, sejam de natureza ideológica, política, social, etc., etc. Como notou Eros Roberto Grau,

“ainda que os princípios os vinculem, a neutralidade política do intérprete só existe nos livros. Na práxis do direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas.”[19]

São inconfundíveis a neutralidade e a imparcialidade. É ingenuidade acreditar-se em um Juiz neutro, mas absolutamente indispensável um Juiz imparcial.

Um Magistrado imparcial, como afirmam Alexandre Bizzotto, Augusto Jobim e Marcos Eberhardt, implica em um

“formal afastamento fático do fato julgado, não podendo o Magistrado ter vínculos objetivos com o fato concreto colocado à discussão processual. Coloca-se daí na condição de terceiro estranho ao caso penal. (…) Já a neutralidade é a assunção da alienação judicial, negando-se ingenuamente o humano no juiz. Este agente político partícipe da vida social sente (a própria sentença é um ato de sentir), age, pensa e sofre todas as influências provocadas pela sociedade pós-moderna. Afirmar que o juiz é neutro é ocultar uma realidade.”[20]

Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,

“a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (…) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime.”[21]

Induvidosamente, o Processo Penal funciona em um Estado Democrático de Direito como um meio necessário e inafastável de garantia dos direitos do acusado. Não é um mero instrumento de efetivação do Direito Penal, mas, verdadeiramente, um instrumento de satisfação de direitos humanos fundamentais e, sobretudo, uma garantia contra o arbítrio do Estado.

Aliás, sobre processo, já afirmou o mestre Calmon de Passos, não ser

“algo que opera como simples meio, instrumento, sim um elemento que integra o próprio ser do Direito. A relação entre o chamado direito material e o processo não é uma relação meio/fim, instrumental, como se tem proclamado com tanta ênfase, ultimamente, por força do prestígio de seus arautos, sim uma relação integrativa, orgânica, substancial.”[22]

Nesta mesma obra, o eminente processualista adverte que o

“devido processo constitucional jurisdicional, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir.”[23]

Certamente sem um processo penal efetivamente garantidor, não podemos imaginar vivermos em uma verdadeira democracia[24]. Um texto processual penal deve trazer ínsita a certeza de que ao acusado, apesar do crime supostamente praticado, deve ser garantida a fruição de seus direitos previstos especialmente na Constituição do Estado Democrático de Direito.

Como afirma Ada Pelegrini Grinover,

“o processo penal não pode ser entendido, apenas, como instrumento de persecução do réu. O processo penal se faz também – e até primacialmente – para a garantia do acusado. (…) Por isso é que no Estado de direito o processo penal não pode deixar de representar tutela da liberdade pessoal; e no tocante à persecução criminal deve constituir-se na antítese do despotismo, abandonando todo e qualquer aviltamento da personalidade humana. O processo é uma expressão de civilização e de cultura e consequentemente se submete aos limites impostos pelo reconhecimento dos valores da dignidade do homem.”[25]

O Processo Penal é antes de tudo um sistema de garantias face ao uso do poder do Estado. Para Alberto Binder, por meio do Processo Penal

“procura-se evitar que o uso deste poder converta-se em um fato arbitrário. Seu objetivo é, essencialmente, proteger a liberdade e a dignidade da pessoa”[26]

Norberto Bobbio afirmava que os

“direitos do homem, a democracia e a paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais. Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.”[27]

Assim, a norma processual, ao lado de sua função de aplicação do Direito Penal (que é indiscutível), tem a missão de tutelar aqueles direitos previstos nas constituições e nos tratados internacionais. Exatamente por isso, o processo penal de um País o identifica como uma democracia ou como um Estado totalitário.

Hélio Tornaghi já afirmava que

“a lei de processo é o prolongamento e a efetivação do capítulo constitucional sobre os direitos e as garantias individuais”, protegendo “os que são acusados da prática de infrações penais, impondo normas que devem ser seguidas nos processos contra eles instaurados e impedindo que eles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes.”[28]

Como dizia Frederico Marques,

“o processo é instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, às diretrizes políticas que plasmam a estrutura do Estado. Impossível, por isso, subtrair a norma processual dos princípios que constituem a substância ética do Direito e a exteriorização de seus ideais de justiça. No processo penal, então, em que as formas processuais se destinam a garantir direitos imediatamente tutelados pela Constituição, das diretrizes políticas desta é que partem os postulados informadores da legislação e da sistematização doutrinária. Com razão afirmou Goldschmidt que a estrutura do processo penal de uma nação indica a força de seus elementos autoritários e liberais.”[29].

Não há dúvidas que todo o conjunto de garantias penais reconhecidas, defendidas e buscadas pelos penalistas

“quedaría incompleto si no fuese acompañado por el conjunto correlativo o, mejor dicho, subsidiário de las garantías procesales, expresadas por los princípios que responden a nuestras dos últimas preguntas, ´cuándo´ y ´cómo juzgar`: la presunción de inocencia hasta prueba en contrario, la separación entre acusación y juez, la carga de la prueba e el derecho del acusado a la defensa.”[30]

Assim, por exemplo, ao Direito Penal mínimo corresponde um Direito Processual Penal garantidor.

Concluindo, entendemos que os arts. 69, VI, 75, parágrafo único e 83 do Código de Processo Penal não foram recepcionados pela Constituição Federal, pois a nossa Carta claramente inclinou-se pela adoção do Sistema Acusatório, especialmente em alguns incisos do seu art. 5º., além do art. 129, I.

Logo, o Magistrado que determinar a interceptação telefônica ou de dados estará impedido de atuar no processo. A solução para afastá-lo seria a impetração de uma ordem de Habeas Corpus visando ao trancamento do processo ou, em último caso, a oposição de uma exceção de impedimento, com fulcro nos arts. 95, I e 252, III do Código de Processo Penal, considerando-se como “outra instância” a fase pré processual, em uma interpretação extensiva do dispositivo legal, como permite o art. 3º. do mesmo Código, sem prejuízo de alegação como uma preliminar de nulidade em caso de recurso (art. 564, I, segunda parte, Código de Processo Penal).

 

[1] Art. 242, CPP

[2] Art. 3º. da Lei nº. 9.296/96.

[3] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim – Ano 11 – nº. 127 – Junho/2003.

[4] Introducción al Derecho Penal y al Derecho Penal Procesal, Editorial Ariel, S.A., Barcelona, 1989, p. 230.

[5] Gimeno Sendra, Derecho Procesal, Valencia: Tirant lo Blanch, 1987, p. 64.

[6] José António Barreiros, Processo Penal-1, Almedina, Coimbra, 1981, p. 13.

[7] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Forense, p. 64.

[8] Búsqueda de la Verdad en el Proceso Penal, Buenos Aires: Depalma: 2000, p. 107.

[9] “Classicamente, a verdade se define como adequação do intelecto ao real. Pode-se dizer, portanto, que a verdade é uma propriedade dos juízos, que podem ser verdadeiros ou falsos, dependendo da correspondência entre o que afirmam ou negam e a realidade de que falam.” (Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Dicionário Básico de Filosofia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990, p. 241). “A porta da verdade estava aberta / Mas só deixava passar / Meia pessoa de cada vez / Assim não era possível atingir toda a verdade. / Porque a meia pessoa que entrava / Só trazia o perfil de meia verdade / E a segunda metade / Voltava igualmente como perfil / E os meios perfis não coincidiam. / Arrebentavam a porta, derrubavam a porta, / Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. / Era dividida em metades diferentes uma da outra. / Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. / Nenhuma das duas era totalmente bela e carecia optar. / Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.” (Carlos Drummond de Andrade, do livro “O corpo”, editora Record). “Não tenho a menor noção do que é a verdade, mulher! Caguei pra verdade, a verdade é uma coisa escrota, uma nojeira filosófica inventada pelos monges do século XIII, que ficavam tocando punheta nos conventos, verdade o cacete, interessa a objetividade.” (“Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor, Rio de Janeiro: Objetiva, p. 65).

[10] Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, pp. 44 e 45.

[11] Instituições de Direito e Processo Penal, Coimbra: Editora LDA., 1974, p. 295, tradução de Manuel da Costa Andrade.

[12] Parece-nos interessante transcrever um depoimento de Leonardo Boff, ao descrever os percalços que passou até ser condenado pelo Vaticano, sem direito de defesa e sob a égide de um típico sistema inquisitivo. Após ser moral e psicologicamente arrasado pelo secretário do Santo Ofício (hoje Congregação para a Doutrina da Fé), cardeal Jerome Hamer, em prantos, disse-lhe: “Olha, padre, acho que o senhor é pior que um ateu, porque um ateu pelo menos crê no ser humano, o senhor não crê no ser humano. O senhor é cínico, o senhor ri das lágrimas de uma pessoa. Então não quero mais falar com o senhor, porque eu falo com cristãos, não com ateus.”  Por uma ironia do destino, depois de condenado pelo inquisidor, Boff o telefonou quando o cardeal estava à beira da morte, fulminado por um câncer. Ao ouvi-lo, a autoridade eclesiástica desabafou, chorando: “Ninguém me telefona… foi preciso você me telefonar! Me sinto isolado (…) Boff, vamos ficar amigos, conheço umas pizzarias aqui perto do Vaticano…” (in Revista Caros Amigos – As Grandes Entrevistas, dezembro/2000).

[13] Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 604.

[14] Derecho e Razón – Teoría del Garantismo Penal, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 567.

[15] Instituciones de Derecho Procesal Penal, Madrid: Gráficas Mesbar, 1976, p. 30.

[16] Lopes Jr., Aury, Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74.

[17] Como diz o Professor da Universidade de Valencia, Juan Montero Aroca, “en correlación con que la Jurisdicción juzga sobre asuntos de otros, la primera exigencia respecto del juez es la de que éste no puede ser, al mismo tiempo, parte en el conflicto que se somete a su decisión.” (Sobre la Imparcialidad del Juez y la Incompatibilidad de Funciones Procesales, Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 186).

[18] Iniciación al Proceso Penal Acusatório, Buenos Aires: Campomanes Libros, 2000, p. 43.

[19] Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, São Paulo: Malheiros, 2ª. ed., 2003, p. 51. Também neste sentido, veja-se Rodolfo Pamplona Filho, “O Mito da Neutralidade do Juiz como elemento de seu Papel Social” in “O Trabalho”, encarte de doutrina da Revista “Trabalho em Revista”, fascículo 16, junho/1998, Curitiba/PR, Editora Decisório Trabalhista, págs. 368/375, e Revista “Trabalho & Doutrina”, nº 19, dezembro/98, São Paulo, Editora Saraiva, págs.160/170.

[20] A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal, obra organizada por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Salo de Carvalho, Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 20.

[21] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.

[22] Direito, Poder, Justiça e Processo, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 68.

[23] Idem, p. 69.

[24] Apesar de que, como ensina Norberto Bobbio, “(…) a Democracia perfeita até agora não foi realizada em nenhuma parte do mundo, sendo utópica, portanto.” (Dicionário de Política, Brasília: Universidade de Brasília, 10ª. ed., 1997, p. 329).

[25] Liberdades Públicas e Processo Penal – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª. ed., 1982, pp. 20 e 52.

[26] Introdução ao Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 25, na tradução de Fernando Zani.

[27] A Era dos Direitos, Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 01/05.

[28] Compêndio de Processo Penal, Tomo I, Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1967, p. 15.

[29] José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 37.

[30] Luigi Ferrajoli, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 537.

 

Rômulo de Andrade MoreiraRômulo de Andrade Moreira é Articulista do Estado de Direito – Procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS.

 

 

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