Direitos fundamentais decorativos

Djalma Pinto*

Os direitos à vida e à propriedade, no País, são acintosamente violados, a despeito de sua inclusão no texto da Constituição como “fundamentais”. Embora difundidos, nos ambientes acadêmicos como direitos civis de primeira geração, são desrespeitados de forma espantosa. Sua permanente violação, visualizada no crescente aumento do número de homicídios e de furtos, expõe uma contradição a exigir urgente reflexão.

A realidade brasileira confirma a impotência do Direito para, sozinho, impedir o aumento da violência que incomoda a todos. Mostra, ainda, a procedência desta advertência feita pelo professor garantista Luigi Ferrajoli: “Um sistema jurídico, ainda que tecnicamente perfeito, não pode por si só garantir nada […] a experiência ensina que nenhuma garantia jurídica pode reger-se exclusivamente por normas; que nenhum direito fundamental pode concretamente sobreviver se não é apoiado pela luta por sua atuação da parte de quem é seu titular e pela solidariedade com esta, de forças políticas e sociais.”

Tome-se como exemplo o caso de duas pessoas que brigam no interior de uma boate. Separadas pelos seguranças e, após serem os ânimos “acalmados” naquele ambiente, uma delas vai à sua residência armar-se com um revólver. Retorna ao local e senta-se, a menos de três metros da vítima que, sem perceber, aguarda uma carona num banco próximo de seu algoz. Na mente do infrator, está bem definida a determinação de exterminar o seu inimigo. Aguarda apenas o momento para a consumação de seu ato delituoso. Levanta-se, lentamente, retira a arma da cintura e deflagra três tiros, matando a vítima. Corre, em seguida, para não ser alcançado pelos agentes da lei. (Cenas, há alguns anos, gravadas por câmeras e exibidas na televisão).

No caso específico, o homicida infringiu a obrigação imposta a todos os brasileiros de não portar arma de fogo. Descumpriu o dever de respeitar o direito à vida de seu desafeto. Percebe-se, no exemplo extraído da realidade, que todo o aparato repressor do Estado se mostrou insuficiente para impedir que aquele homem perpetrasse sua ação criminosa. Tivesse este, porém, desde a infância, sido induzido a respeitar o direito à vida, sendo conscientizado de que não deve fazer com o outro aquilo que não deseja que lhe façam, muito provavelmente, não teria se tornado um delinquente, um violador de direito fundamental de primeira geração. A explicação de que “a norma jurídica brilha com intenso fulgor, no exato momento em que é violada”, é inútil para a vítima e os membros de sua família, que se sentem indignados e impotentes diante da ousadia de quem não recebeu educação adequada para viver sem lesar o seu semelhante.

Vários são os mecanismos buscados pela civilização para encontrar um equilíbrio, entre a plenitude da liberdade assegurada ao homem e a preservação do bem-estar da sociedade, muitas vezes, ameaçado por este a pretexto de exercê-la. Dentre aqueles, merece destaque a Ética, que recebeu significativo impulso da religião, da qual os Dez Mandamentos são ponto de especial destaque.

“Ama teu próximo como a ti mesmo” é uma imposição religiosa que bem resume a forma de expressão da Ética. O aceno com a perspectiva de uma vida melhor, após a morte, serviu de base para o convencimento de muitos para observá-la. Os avanços do mundo tecnológico e as descobertas, que provocam o rápido “envelhecimento” dos dogmas exaltados pela Ciência, impuseram, porém, uma constatação: o homem vive pouco. E qualquer que seja o seu destino, o essencial, enquanto por aqui estiver, é ser feliz. Para isso, é fundamental ser bom; praticar o bem e ser justo.

Colocar-se no lugar do outro para sentir a sua dor, este um dos valores básicos a ser propagado pelas famílias, por educadores do ensino fundamental e superior para a capacitação dos cidadãos para viverem em sociedade. Essa capacitação é necessária e imprescindível para a garantia da efetividade dos direitos de primeira geração. Afinal, qual a importância de um direito rotulado de fundamental para a mãe, em prantos, sobre o cadáver do filho jovem brutalmente assassinado?

 

  • Djalma Pinto é advogado, Mestre em Ciência Política e autor de diversos livros entre os quais Ética na Política, Distorções do Poder, Educação para a Cidadania e Cidade da Juventude. Articulista do Jornal Estado de Direito.
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