Kafka convida leitor a se interessar pelo Direito e lutar pelo aprimoramento das leis, diz especialista

Da esq. para a dir., Maria Lucia Gyrão e Adriana SantosDa esq. para a dir., Maria Lucia Gyrão e Adriana Santos

A obra do escritor tcheco Franz Kafka convida a sociedade a se interessar pelas questões jurídicas e a lutar pelo aprimoramento legislativo, afirmou a procuradora de Justiça Militar e doutora em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ) Adriana Santos. No evento Cem anos sem Kafka, promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) nesta terça-feira (2/4), ela citou o romance O processo como um exemplo da relação entre a obra do autor e o Direito: “Ele chama a atenção para o fato de que não basta a existência da norma se a sua aplicação for deturpada. Um processo penal envolve a liberdade, seu limite jurídico e outras questões transversais”.

No livro, o personagem Josef K. é detido e luta para descobrir do que é acusado, quem o acusa e com base em qual lei. “O processo possibilita a todos nós que atuamos na área jurídica indagar sobre o papel do processo judicial na vida do ser humano, como ser social, integrante de um grupo e sujeito às leis que regulam seu povo. O processo, como instrumento do Direito, deve ser elaborado com respeito às regras estabelecidas e sempre de forma conscienciosa para o cumprimento da sua finalidade. Quando isso não acontece, ele se transforma em mecanismo arbitrário cujo resultado não é diferente de outras formas de uso da força”, disse Santos.

A abertura do webinar foi realizada pela presidente da Comissão de Filosofia do Direito do IAB, Maria Lucia Gyrão, que destacou a importância de Kafka, que era advogado, para os estudos na área: “Ele deve ser lido pelos estudantes e profissionais do Direito, juízes, desembargadores e todos que se dedicam ao Direito e à Justiça”. De acordo com a advogada , o livro O processo é extremamente atual. “Temos hoje pessoas que sofrem denunciação caluniosa e amargam falta de transparência e rigor no processo, que deveria assegurar as garantias constitucionais. É preciso que não só a sociedade, mas também os operadores do Direito pensem em tudo isso”.

Adriana Santos afirmou que o processo penal, como retratado por Kafka, caracteriza a instrumentalização abusiva da força em nome do Estado, deixando o cidadão indefeso. “Ele discute diversas situações pelas quais podem passar os que são submetidos à Justiça sem ter a quem recorrer. Na verdade, Kafka tratou do calcanhar de Aquiles da Justiça, que é a denunciação caluniosa. Com a corrupção do sistema, descobrir se o sujeito está mentindo não é fácil, mas o foco da questão é o processo e os seus efeitos nas vidas das pessoas”, explicou a procuradora.

Segundo a palestrante, a importância da obra de Kafka é demonstrada no cotidiano da Justiça. Mesmo décadas após a sua morte, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a usar o termo “kafkiano” para se referir a estruturas de um processo. “A acusada estava presa em São Paulo e respondia por outros crimes no Rio de Janeiro. Ela não teve acesso a um advogado. A defensoria pedia, mas o juiz não permitia e o processo todo foi feito sem que ela tivesse o verdadeiro acesso à Justiça. O STF usou esse termo porque justamente foi negado a ela todo tipo de direito e garantias”, contou.

Fonte IAB

 

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