Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito
As relações familiares são muito dinâmicas e individualizadas para ficarem limitadas à legislação existente, ou ainda, para todas elas serem codificadas. Afinal, cada família é única e apresenta uma série de particularidades.
E quando essas particularidades chegam ao Poder Judiciário é preciso que seja analisado pelos magistrados com a lente do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
No caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça temos uma situação em que a criança foi colocada para a adoção e com isso os seus vínculos com a família biológica foram desfeitos.
Os anos se passaram, e agora a criança já adulta reencontra a mãe biológica que pede, ao Poder Judiciário, para adotar a sua filha biológica.
Situação inusitada, mas não menos relevante e por isso o Superior Tribunal de Justiça buscando satisfazer o desejo da mãe e da filha permitiu que a mãe pudesse adotar a sua própria filha.
Vejamos a notícia veiculada:
Para Quarta Turma, mãe pode adotar filha biológica que foi adotada por outros quando criança
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de uma mulher para permitir que ela adote sua filha biológica, que foi adotada por um casal quando criança.
Para o colegiado, a decisão do tribunal local contrariou as disposições legais sobre adoção de pessoa maior e capaz. Além disso, os interesses envolvidos são mais bem garantidos com o deferimento da adoção, conforme a vontade das partes envolvidas.
O recurso teve origem em ação de adoção ajuizada pela mãe biológica. Ela explicou que entregou a menina para adoção porque, naquela época, enfrentava dificuldades pessoais e financeiras.
A recorrente informou que visitava frequentemente a criança e que sempre teve uma boa relação com seus pais adotivos. Conforme relatou, com o passar do tempo, as duas foram se aproximando cada vez mais e surgiu a vontade recíproca de se tornarem mãe e filha novamente, com a concordância dos pais adotivos.
Na adoção de maior capaz, deve ser aplicado o Código Civil
O juiz considerou que o pedido violaria a legislação e comprometeria a segurança jurídica das relações parentais decorrentes da adoção – entendimento mantido pelo tribunal de segunda instância.
No recurso especial, a autora da ação argumentou que o acórdão aplicou os pressupostos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) referentes à adoção de menor de idade. Entretanto, a adotanda é maior e capaz, razão pela qual – acrescentou – deveria ter sido observado o disposto no Código Civil, especificamente em relação a esse tipo de adoção.
Irrevogabilidade da adoção protege interesses do menor adotado
O relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, afirmou que a adoção realizada na infância foi válida e é irrevogável. Entretanto, ele esclareceu que a ação objetiva uma nova adoção, de pessoa maior, que é regida pelo Código Civil.
O ministro destacou que a irrevogabilidade da adoção visa proteger os interesses do menor adotado, evitando que os adotantes se arrependam e queiram “devolvê-lo”. No caso sob análise, ele apontou que todos os requisitos legais da adoção de maior capaz foram preenchidos, conforme o estabelecido no Código Civil, entre eles a concordância dos atuais pais adotivos e da adotanda, e a diferença de idade, de 16 anos, entre ela e a adotante.
“A lei não traz expressamente a impossibilidade de se adotar pessoa anteriormente adotada. Bastam, portanto, o consentimento das partes envolvidas, ou seja, dos pais ou representantes legais, e a concordância do adotando”, declarou.
Princípio do melhor interesse deve ser atendido
Raul Araújo reiterou que, independentemente da idade da adotanda, o princípio do melhor interesse deve ser atendido. Segundo ele, os princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse não podem ser interpretados contra a adotanda, de modo a lhe impedir uma nova adoção com a qual tanto ela quanto seus pais adotivos concordam.
O ministro observou que, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do artigo 39, parágrafo 1º, do ECA, é possível concluir que a regra da irrevogabilidade não é absoluta. Segundo apontou, ela pode ser afastada quando deixar de atender aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança ou do adolescente.
Para o relator, se, ao atingir a maioridade, a adotada deseja constituir um novo vínculo de filiação, seus interesses serão mais bem preservados com o respeito à sua vontade, livremente manifestada.
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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