Os pais podem negar vacinar os seus filhos?

Créditos: PixaBay / Alexandra_Coch

Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

Renata Malta Vilas-Bôas

 

Muitos pais não compreendem que as crianças são pessoas em desenvolvimento e como tal tem também um arcabouço de direitos fundamentais como toda e qualquer pessoa.

A Constituição Federal coloca que todas as pessoas (Família, Sociedade e Estado) tem a obrigação de cuidar dessas crianças, conferindo a elas uma série de direitos que depois estão delineados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na Constituição Federal encontramos a seguinte previsão:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ou seja, apesar da criança ser filho ou filha de alguém, este não pode dispor livremente de seus filhos, como bem entender, posto que a criança tem uma série de direitos, independentemente de os pais concordarem ou não.

Quando se trata do Direito à Saúde que toda e qualquer pessoa tem, para as crianças e adolescentes o Estatuto determina que:

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.

  • É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Essa previsão do parágrafo primeiro está no Estatuto da Criança e do Adolescente desde 1990. Ou seja, não é novidade nenhuma.

E, as crianças devem participar das diversas campanhas que são feitas de vacinação ao longo do ano e em períodos específicos. E assim nasceu, por exemplo, o Zé Gotinha.

Nesse caso é o Estado fazendo a sua parte de proteger as crianças.

No confronto entre o que os pais desejam e o que o Estado determina, o que tem ocorrido, por atender ao Princípio do Melhor Interesse da Criança, é o que o Estado determina em sua legislação.

E temos dois exemplos tradicionais sobre o tema:

Direito à Educação:

O primeiro versa sobre o direito à educação. As crianças precisam ser matriculadas e estar inseridas no ensino formal de aprendizagem. Aqueles pais que queriam fazer o homeschooling não pode fazer. Foram diversas decisões dos tribunais determinando que as crianças fossem matriculadas nas escolas.

O tema chegou ao Superior Tribunal Federal[1] que se manifestou no sentido de que as crianças poderiam até fazer o homeschooling, desde que existisse uma legislação normatizando o tema. Enquanto isso não ocorre tem que seguir o que está previsto na norma atual.

Direito à Saúde e à Vida:

Outra discussão clássica que temos é com relação a questão religiosa sobre a transfusão de sangue em crianças. Como existe religião que não permite que isso ocorra, as discussões chegaram aos tribunais. De um lado o direito à religião – escolhida pelos pais e do outro o direito à vida e à saúde das crianças.

O tema já está no Superior Tribunal de Justiça, mas ainda não foi colocado em pauta para julgamento. O que temos são decisões das instâncias inferiores em que podemos vislumbrar que os juízes e demais julgadores tem-se pautado pela liberdade de expressão religiosa e de autodeterminação – isso para pessoas maiores de 18 anos. Contudo, para crianças e adolescentes, o entendimento é que deve ser feita a transfusão sanguínea. E um dos fundamentos é de que a religião é dos pais e não da criança e do adolescente que pode optar por uma outra religião.

Ou seja, para proteger as crianças e adolescentes é necessário que se faça a transfusão de sangue. É o Estado se sobrepondo ao viés religioso da família. Mas, para os adultos, a ideia é que o Estado não interfira nesse processo. Aguardemos então o pronunciamento final vindo do Supremo Tribunal Federal[2].

E quanto à vacinação, os pais podem se recusar a vacinar os seus filhos ?

Veja até agora, nos dois exemplos citados acima, a prevalência é proteger a criança e os adolescentes, afastando as convicções dos seus pais.

Aqui também o Supremo Tribunal Federal[3] se manifesta em prol das crianças e dos adolescentes, em detrimento da vontade dos seus pais.

Assim foi fixado a tese de que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no Programa Nacional de imunizações ou tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso medico-cientifico.

Diante do que foi pontuado até agora a resposta é de que os pais não podem deixar de vacinar os seus filhos. Devendo o entendimento técnico ser estabelecido pelos órgãos competentes, independentemente da convicção dos pais das crianças.

 

[1] Recurso Extraordinário 888.815 em regime de repercussão geral.

[2] ADPF 618

[3] ARE 1267879 tema 1.103 da repercussão geral.

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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