O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal.  V. 1 n. 3 (2019): Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras. José Geraldo de Sousa Junior, Nair Heloisa Bicalho de Sousa , Alberto Carvalho Amaral ,Talita Tatiana Dias Rampim (Editores).  Endereço do link para a edição completa da Revista: http://revista.defensoria.df.gov.br/revista/index.php/revista/issue/view/8/RDPDF%20vol%201%20n%203%202019.

            Em coluna anterior – http://estadodedireito.com.br/direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/ – demos a notícia do lançamento da REVISTA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL, v. 1 n. 2 (2019): Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras. Editor-Chefe Defensor Público do Distrito Federal Alberto Carvalho Amaral. Brasília, maio a setembro de 2019, p. 1-213.

             Como disse na abertura daquela Coluna, “o conjunto de textos preparados para o dossiê de celebração de 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, superou as expectativas de edição, levando a distribuir o material em dois volumes, o primeiro deles, ora Lido para Você, publicado para coincidir com o programa do Seminário Direito como Liberdade. O segundo volume sairá ainda neste ano de 2019, depois do dia 20 de dezembro.

            Para aquele primeiro volume, na qualidade de editores para a edição, preparamos eu, a Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, o Defensor Alberto Carvalho Amaral e a Professora  Talita Tatiana Dias Rampim, todos nós integrantes de programas de pós-graduação na Universidade de Brasília, o texto de apresentação que abre o número, o fundamenta e expõe a sua composição: O Direito Achado na Rua: possibilidades de diálogo com a Defensoria Pública e de intervenções em benefício de grupos sociais vulnerabilizados (The Law found on the Street: possibilities for a dialogue with the Public Defensorship and interventions for the benefit of vulnerable social groups).

            Assim, neste novo número, desdobramento do material organizado para a edição, coincidente com as celebrações de 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, também objeto de uma Coluna Lido para Vocêhttp://estadodedireito.com.br/o-direito-como-liberdade-30-anos-de-o-direito-achado-na-rua/ – nós os editores da publicação eu, a Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, o Defensor Público Alberto Carvalho Amaral e a professora Talita Tatiana Dias Rampim, preparamos uma outra Apresentação que localiza, fundamenta exibe as contribuições que formam o vol. 1, n. 3, da Revista:

            Começando com a epígrafeEl deber de asistencia puede entenderse como simple correlato del derecho del pobre. Sobre todo en países donde la mendicidad es un oficio regular, el mendigo cree, más o menos ingenuamente, que tiene derecho a la limosna, cuya  denegación considerará como sustracción de un tributo que se le debe. Una naturaleza completamente distinta reviste – dentro de este mismo tipo – la idea según la cual la exigencia de asistencia se basa en la pertenencia del necesitado al grupo (…) A esto se añade el motivo humanitario de que la petición y aceptación de la asistencia le resulte más fácil al pobre si entiende que con ello simplemente está ejerciendo su derecho. Así, la humillación, la vergûenza y el déclassement que implica la limosna, disminuyen cuando ésta no es concedida por compasión, sentido del deber o por conveniencia, sino exigida por el pobre como un derecho (…) Al convertirse en derecho, se pretende fijar el significado inherente de la asistencia y elevarlo a opinión de principio sobre la relación del individuo con los otros individuos y con la comunidad. El derecho a la asistencia pertenece a la misma categoría que el derecho al trabajo o el derecho a la existencia. (Georg Simmel, El pobre) – convidamos todas e todos para a leitura dos artigos que marcam o terceiro número da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (RDPDF), iniciativa acadêmica que se consolida, no âmbito deste órgão, e que se propõe a rediscutir as grandes categorias analíticas que estão envoltas nas questões jurídicas, sociológicas, antropológicas entre outras, que marcam a atuação dentro do sistema de justiça, por defensores públicos e por outros atores essenciais para a concretização desse emaranhado sistêmico posto para a resolução de conflitos.

            Faz-se, desde logo, uma explicação: os segundo e terceiro números do primeiro volume da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal se complementam. Também agregam esforços na pretensão de veicularem temáticas conexas e que tocam o pluralismo jurídico crítico de “O Direito Achado na Rua”.

            Na apresentação do segundo número da revista, tivemos oportunidade de correlacionar os estudos empreendidos no âmbito dessa proposta humanística dialógica; nesta, procederemos distintamente. A proposta é que a apresentação, compreendida como vocativo mas, também, como parte componente e que se conecta à própria obra, marque números que se integrem plenamente.

            Além de prosseguirmos com os textos que revolvem os volumes da série “O Direito Achado na Rua”, esta apresentação propõe-se a articular e expor a iniciativa que, na prática e a partir de pressupostos emancipatórios e de reconhecimentos de cidadania, consolida-se com potencialidade para concretizar amplamente algumas das vindicações de O Direito Achado na Rua.

            O dossiê temático, repartido entre o segundo e terceiro números da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, marca momento único e destacado de atuação conjunta da Defensoria Pública do Distrito Federal e da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. A partir de inspirações e de aspirações conjuntas, demos início, no segundo semestre de 2019, ao “1º Curso de Capacitação de Defensoras e Defensores Populares do Distrito Federal”, voltado para pessoas pertencentes a grupos sociais vulneráveis (ou vulnerabilizados, enfatizando a dinamicidade dessa relação social), verdadeiras lideranças em suas comunidades e que possuem (ou serão capazes de possuir) capacidade para identificar situações de violência e violações. Em razão desse posicionamento privilegiado, são atores e interlocutores especiais para a luta pelo reconhecimento de direitos e justiça, pois possibilitam caminhos mais céleres para o acesso a órgãos públicos protetivos, inclusive à Defensoria Pública, e permitem que a comunidade tenha certa independência ao ver-se diante de dificuldades jurídicas e sociais.

            O curso de capacitação, que se direciona para uma conscientização de direitos, tentando evitar um cenário opressivo e hierarquizado, preferindo a construção conjunta a partir das demandas e da elaboração coletiva, abrange temas como introduções críticas ao Direito e ao sistema judicial e seus órgãos, aos direitos de nascimento, da infância e da adolescência, dos direitos humanos, das pessoas idosas, com deficiência, em situação de rua e outras situações de vulnerabilidade social. Sua metodologia foi elaborada a partir de encontros semanais e da discussão de tópicos específicos relacionados a reconhecimento e reivindicação de direitos, com viés pragmático na emancipação individual, familiar e comunitária. O público-alvo é composto por lideranças comunitárias, mulheres e homens comprometidas e comprometidos com sua realidade social, que estejam abrangidos dentro dos critérios de hipossuficiência econômica que guia a atuação da Defensoria Pública do Distrito Federal, que possuam pelo menos 18 anos, pessoas idosas e com deficiência.

            A iniciativa possui, como traço distintivo de outras louváveis experiências em outras defensorias estaduais, a conexão umbilical com a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, o que possibilita amplificar os alcances práticos para uma dimensão pedagógica que articula ensino, pesquisa e extensão para o enfrentamento das desigualdades.

            A capacitação volta-se, outrossim, para aspectos teóricos, metodológicos; mas, especialmente, para a atuação na realidade, com enfoque na modificação e melhoria de mecanismos de inclusão social. É a partir da universidade e dentro das possibilidades emancipadoras que a atuação que a Defensoria Pública possibilita se investe em uma nova metodologia de alcance das populações carentes, com esforços claros de emancipação e reconhecimento da cidadania.

            Assim, deve ficar assentado que a defensora e o defensor popular não atuarão como defensoras e defensores públicos, nem são uma longa manus, ou seja, não agem em nome da instituição Defensoria Pública; mas, sim, agem em nome de sua comunidade, em rede, articuladas e articulados e a partir da própria vivência e do conhecimento jurídico voltado para a prática que obtiveram nos cursos de extensão ministrados.

            Relembramos, aqui, as advertências tecidas na apresentação do segundo número do primeiro volume da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, quando afirmamos acerca da potencialidade da produção autoral e bibliográfica, que exige leitura e propicia uma análise mais aprofundada, tema que é contrastado, diariamente, por uma nova conformação comunicativa que aposta em informações céleres, esvaziando o conteúdo e prejudicando, talvez de forma pior, preceitos éticos, humanos. Apostamos, assim, nessa viabilidade teórica, que será desnudada nesta e na próxima edição, com artigos que revisitam todos os volumes da série “O Direito Achado na Rua”, além de resenhas inspiradas na obra coletiva “O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática” e outros estudos que, direta ou indiretamente, visualizam nas práticas de resguardo de direitos por práticas de valorização de direitos de camadas populacionais vulnerabilizadas.

            Abrindo este número e retomando a temática presente no segundo volume da série “O Direito Achado na Rua”, o artigo Flexibilização e precarização do trabalho no Brasil em tempos de capitalismo global neoliberal, de Luciana Lombas Belmonte Amaral, irá se debruçar sobre as principais alterações normativas relativas ao Direito do Trabalho e alguns relevantes desafios postos diante dos fenômenos contemporâneos que fragilizam e precarizam a relação empregatícia, nesse cenário de capitalismo global neoliberal, de flexibilização e precarização, reconfigurações espaço-temporais, fragilização de direitos e dos sindicatos, a partir de tensionamentos que suscitam relevantes temas de O Direito Achado na Rua.  

            Sobre a temática dos direitos humanos e da justiça de transição, objeto do sétimo volume da série, Ana Luisa Ferreira Ribas, Izabela Lopes Jamar, Cynthia de Lacerda Borges e Meiriany Arruda Lima apresentam o artigo Direitos Humanos e justiça de transição: os dilemas e desafios da justiça de transição na pós-ruptura democrática sob a ótica de O Direito Achado na Rua, em que questionam as medidas transicionais adotadas no Brasil após a queda do período ditatorial, bem como evidenciam feridas abertas nesse tema, que ainda repercutem na atual conjuntura político-econômica.

            Em Democracia e os novos fenômenos comunicacionais: reflexões a partir de O Direito Achado na Rua, Milena dos Santos Marra, Emília Teixeira Lima Eufrásio e Thaisa Xavier Chaves debaterão sobre as implicações sociais das novas tecnologias informacionais sobre os direitos à comunicação e à informação, como direitos humanos construídos a partir dos movimentos de luta e do protagonismo popular, retomando as complexidades debatidas no oitavo volume da série.

             Moema Oliveira Rodrigues discorre sobre O Direito Achado na Rua e o Direito à cidade na virada paradigmática do Direito Urbanístico, que é objeto do nono volume da série, expondo barreiras à implementação de uma reforma habitacional que esbarra na lógica de acumulação de riquezas e tem no processo de urbanização o condicionamento da cidadania ao poder aquisitivo.

            A seção de resenhas inicia-se com Luciano Goés e o texto Sambando (com o) direito… achando outras ruas, no qual O Direito Achado na Rua é posto na avenida, a partir da candência, ritmo, musicalidade e performances do samba, situando-o em paralelo com o movimento de rua por excelência e tensionando a partir de aspectos líricos.

            Em O Direito Achado na Rua: uma conquista do povo, Leonor Xavier Nhaca Mumguambe discorrerá sobre a obra, apontando caminhos desse direito plural crítico, sendo acompanhada, nessa empreitada, pelo texto que segue, de autoria de Lorena Santos, Justiça social e o direito. Ambas realizam resenhas que permitem visualizar, a partir de olhares distintos, visões peculiares sobre a obra e a prática encarnada no projeto lyriano.

            E, na seção de artigos, que encerra este número da Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, temos Bruno Amaral Machado e Bruna Barbieri Waquim, que ofertam Alienação parental, guarda compartilhada e estilos parentais, no qual enfatizam os fundamentos jurídicos que posicionam a guarda compartilhada como instrumento de prevenção e enfrentamento à prática de alienação parental, bem como estudos interdisciplinares sobre os estilos parentais e padrões de relacionamento entre cônjuges, que permitem afirmar que o tratamento mais adequado ao desequilíbrio sistêmico demanda análise casuística.

            Anna Gabriella Pinto da Costa, no artigo Aplicação da Audiência de Custódia nas Varas da Infância e da Juventude: uma alternativa contra o menorismo, questiona a possibilidade de aplicação da audiência de custódia aos processos de adolescentes em conflito com a lei, a partir de recorte de dados obtidos em Fortaleza, capital do estado de Ceará, no sentido de garantir a efetividade de direitos e garantias fundamentais desse grupo social vulnerabilizado.

            A discussão dos direitos de cidadania para os jovens internados é a premissa contida no texto Os jovens sujeitos de direito em privação de liberdade: o exercício da cidadania nas unidades de internação, de Catherina Fonseca Coutinho, no qual, a partir da experiência da autora no Núcleo de Medidas Socioeducativas da Defensoria Pública do Distrito Federal, propõe reflexões sobre cuidados e descuidos das instituições estatais nessa tutela altamente interventiva do Estado.

            Retomando as falas sobre as possibilidades emancipatórias que podem advir da atuação articulada entre a Defensoria Pública do Distrito Federal e os viéses emancipatórios de O Direito Achado na Rua, evidencia-se como o enfrentamento às situações sociais de vulnerabilidade social é das principais pautas (ou deveria ser) de uma política pública mínima de garantia dos direitos da cidadania. Nesse contexto, a citação à obra de Georg Simmel, no início deste arrazoado, não se faz inoportunamente. Considerar a pobreza de um quadro relacional, cravada por contradições e no seio de uma pobre sociedade rica, como é a brasileira, é elemento necessário para visualizar as possibilidades de realização do Projeto das Defensoras e Defensores Populares do Distrito Federal.

            Se os caminhos são mais distantes para o pobre, como afirmaria Guimarães Rosa, é nosso dever, como juristas, críticos, sensíveis ao mundo que nos rodeia, e da Defensoria Pública, enquanto órgão que se atreveu a concretizar os ditames constitucionais em uma sociedade desigual, tentar alcançar e, pelo menos, transformar a sociedade.

            Para uma leitura mais orientadora acerca do acesso à justiça, vulnerabilidades e discussões críticas que contribuem para a formulação do Curso de Capacitação de Defensoras e Defensores Populares do Distrito Federal, vale conferir: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; AMARAL, Alberto Carvalho; RAMPIN, Talita Tatiana Dias. Exigências críticas para uma defensoria pública e popular: contribuições desde O Direito Achado na Rua. In: SIMÕES, Lucas Diz; MORAIS, Flávia Marcelle Torres Ferreira de; FRANCISQUINI, Diego Escobar (Org.) Defensoria Pública e a tutela estratégica dos coletivamente vulnerabilizados. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019. Acerca desse texto, e para melhor aferir a sua leitura, consulte-se o meu Lido para Você http://estadodedireito.com.br/defensoria-publica-e-a-tutela-estrategica-dos-coletivamente-vulnerabilizados/.

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

 

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