Artigo veiculado na 27ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.
Gabriel Ferreira dos Santos*
Há muito que a prisão preventiva é tema dos mais acalorados debates por parte de toda a comunidade jurídica e pelos discursos repressistas dos meios midiáticos. Por certo, hodiernamente, vivenciamos uma fase onde responder a um processo criminal em liberdade deixou de ser a regra (ainda que explicitamente contida na Constituição Federal), e, por conseguinte, passamos a reproduzir, diuturnamente, o fenômeno traduzido na “banalização da prisão preventiva”. Os decretos prisionais desta modalidade de custódia cautelar se acumulam no Poder Judiciário, enquanto os seus cumprimentos contribuem, de maneira decisiva para o fortalecimento do caos prisional.
Nesta seara é que surge a análise do projeto de lei (PLS 156 e sua respectiva Emenda 2 – CCJ – Substitutivo), qual seja, a proposta de um Novo Código de Processo Penal para o Brasil. Em que pese a evolução do referido projeto de lei no tocante a previsão de diferentes medidas cautelares de caráter pessoal (em torno de dezesseis medidas), a prisão preventiva permanece como modalidade de prisão cautelar, apresentando importantes avanços em relação ao modelo do atual Código de Processo Penal, mas também preocupantes retrocessos, em especial quando a exposição de motivos do referido projeto de lei apresenta-se inspirado em um modelo de sistema processual acusatório.
Neste diapasão, o PLS 156/09 elenca um rol de situações onde não será imposta a prisão preventiva, dispondo, para tanto, em seu art. 555, o não cabimento da prisão preventiva na hipótese de crimes culposos, nos crimes dolosos cujo máximo da pena privativa de liberdade não exceda a três anos (excetuando-se os cometidos com violência ou grave ameaça), bem como se o autor da infração penal estiver acometido de doença gravíssima, se o estado de saúde apresentar-se incompatível com o ambiente prisional. Dispõe ainda o referido projeto, que o juiz poderá autorizar o cumprimento da prisão preventiva em domicílio, desde que o sujeito seja maior de setenta e cinco anos, gestante a partir do sétimo mês de gestação (ou de alto risco), bem como quando imprescindível aos cuidados especiais devidos a menor de seis anos de idade ou com deficiência.
Por seu turno, inegavelmente, o avanço que merece destaque no instituto da prisão preventiva diz respeito à limitação do período de custódia cautelar. A partir da aprovação de um novo código de processo penal a prisão preventiva passa a obedecer a prazos previamente definidos e, no então substitutivo do CCJ, dispostos em seu art. 556, em suma: 180 (cento e oitenta dias) quando decretada no curso do inquérito policial ou antes da sentença penal condenatória recorrível; 360 (trezentos e sessenta dias) quando decretada ou prorrogada em virtude da sentença penal recorrível; 360 (trezentos e sessenta dias) quando houver fuga ou comportamento reprovável do sujeito após liberado; 240 (duzentos e quarenta dias) ou 420 (quatrocentos e vinte dias) quando se estiver diante de um crime cuja pena máxima in abstrato for igual ou superior a doze anos. Contudo, a temática da “limitação de prazo” apresenta uma importante dissonância em relação à Constituição Federal. Isto porque, conforme preceitua o §2º, do art. 556 do PLS, ao prazo da prisão preventiva decretada serão acrescidos outros 180 (cento e oitenta dias), desde que haja a interposição, por parte da defesa, dos recursos especial e/ou extraordinário. E note-se: o disposto no artigo apresenta-se de maneira cogente (impositiva).
Ora, tal dispositivo não guarda correspondência alguma com o dito sistema processual penal acusatório que se objetiva (re)implantar com um Novo Código de Processo Penal. Como sustentar em um código, pós Constituição, a violação explícita desta? Não se tem notícias que o legislador tenha diante de si o permissivo (absoluto/absurdo retrocesso) de obstar o acesso ao duplo grau de jurisdição cerceando a liberdade de alguém. Ao que parece, o tão discutido e revogado dispositivo que obrigava o recolhimento à prisão para fins de conhecimento do recurso de apelação parece ter sido reativado (com nova roupagem) em nosso ordenamento jurídico.
Nesse diapasão, muito embora determinados prazos apresentem-se exacerbados, ainda assim, busca-se minimizar a ocorrência de situações jurídico-penais esdrúxulas (e em números bem consideráveis) onde a prisão preventiva perdura por tempo muito superior a prisão pena. Contudo, há que se considerar que o PLS 156/09 traduz, também, consideráveis retrocessos em matéria de prisão preventiva, a começar: segue sendo admissível o decreto prisional para a garantia da ordem pública e da ordem econômica, possibilidades estas eivadas de inconstitucionalidade frente ao caráter não cautelar que as mesmas guardam frente ao processo. Se não bastasse a manutenção destas, a emenda nº 09 (Sena¬dor Demóstenes Torres), acolhida parcialmente, teve o condão de incluir outras duas possibilidades para o decreto prisional cautelar, quais sejam, na hipótese de extrema gravidade do fato e diante da reiterada prática de crimes pelo mesmo autor.
Inegavelmente as referidas possibilidades de de¬creto prisional (sem compromisso semântico algum) estarão à disposição do Poder Judiciário como forma de saciar o discurso repressista ditado pela mídia e facilmente propagado e enaltecido pela “sociedade do risco”. E quando se fala em discurso midiático, volta-se a atenção para o disposto no §2º, do art. 554, do PLS, segundo o qual, “o clamor público não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva”. Ou seja, a partir do Novo CPP a mídia terá ainda mais espaço para contribuir nos decretos de prisões cautelares, uma vez que, se não justifica por si só, o clamor público também justificará. Dessa forma, em que pese o acontecer constitucional, ainda assim, o sentido semântico permanecerá na interpretação judicial (discricionariedade). Neste prisma, cabe uma última indagação: processo penal constitucionalizado para quem?
* Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Coordenador da Pós-Graduação da Escola de Direito da IMED, Coordenador da Especialização em Direito e Processo Penal, Advogado Criminalista, Professor das disciplinas de Direito Penal, Processo Penal e Prática Penal.