24 de fevereiro de 1891: promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

No dia 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, a consolidar a República instaurada em 15 de novembro de 1889, pelo Decreto n. 01 (redigido por Rui Barbosa), que também estabeleceu a forma federativa de Estado.

Como muito já se escreveu sobre a proclamação da República no Brasil, relembra e destaca que ela apresentou um “pecado original”, como mencionou José Murilo de Carvalho [1]: a ausência de povo, que deixaria profundas marcas na vida política e social do país. Isso tanto no simbolismo do ato de proclamação [2], quanto às políticas empregadas e, sobretudo, as não empregadas para desenvolvimento social.

Mas na presente data, se quer aqui relembrar os principais aspectos normativos estabelecidos no documento constitucional e os primeiros anos da vida política que se seguiram, que não foram de calmaria e se consubstanciaram, em grande medida, autoritários.

Nesse sentido, sobre o documento normativo, em linhas gerais, a Constituição previu a República, o Estado Federal (que já constavam no Decreto n. 1) e o sistema presidencialista de governo. Em decorrência deste, previu a responsabilidade do presidente, sujeito a processamento e julgamento no Senado, mediante processo de impeachment. Extinguiu o poder moderador, prevendo somente três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário.

O voto censitário foi extinto, havendo igualdade de direito em votar e em candidatar-se, sem qualquer requisito econômico, estando excluídos da cidadania política o analfabeto, o mendigo, o militar de categoria inferior, denominado praças de pret, e os religiosos de ordem monástica. O voto feminino não foi previsto, tampouco expressamente proibido. No mais, trouxe maior liberdade religiosa, a dualidade da justiça, criou o Supremo Tribunal Federal (iniciando suas atividades em 18 de fevereiro) e inaugurou o controle (jurisdicional) de constitucionalidade das leis e dos atos normativos pela via difusa, assim como no modelo estadunidense.

Em termos liberais, trouxe uma declaração de direitos, prevendo o habeas corpus (embora já previsto no Código Criminal de 1832), a abolição da pena de morte, dentre outras garantias penais, a liberdade religiosa, o princípio da legalidade, livre associação, garantia do livre exercício da profissão, a inviolabilidade do domicílio, a propriedade industrial, dentre outros. Ademais, nas disposições transitórias da Carta, previu a votação indireta para presidente e vice-presidente [3], a ser feita pela Assembleia Geral, após sua promulgação. Com votação para presidente e vice feitas separadamente, Marechal Deodoro recebeu 129 votos e Prudente de Morais, 97 e, para vice-presidente, venceu Floriano Peixoto, que era da oposição. Estima-se que Deodoro recebeu tantos votos, inclusive da oposição, por receio de que não entregasse o cargo e desse um golpe, fechando o congresso.

Oportuno se torna dizer que, iniciada a República, seus primeiros anos não foram de calmaria, muito pelo contrário, foi um período de intenso turbilhão. Até 1894, o governo republicano se consubstanciou em um governo militar, marcado pelo uso da força, centralização e pelo autoritarismo. Expunha um militarismo fortemente influenciado pelas ideias positivistas.

Rui Barbosa, crítico do militarismo do governo, desde o governo provisório, classificava-o como uma “ditadura presidencial” em que “o chefe centralizara em suas mãos todos os poderes. O legislador era elle. E os seus actos legislativos operavam-se por decretos firmados com a sua assignatura”[4]. E, em outro momento enaltece não haver dúvidas de que “o adotado para o governo de 15 de novembro foi a ditadura individual de um chefe, temperada pelos conselhos de um corpo de secretarios de Estado” [5].

No entanto, essa tendência do governo provisório se seguiu República adentro. Nesse sentido, a Constituição promulgada não alcançou um ano quando Deodoro ordenou o fechamento do Congresso, ainda em 1891. Rodeado pelas manifestações de insatisfações pela crise econômica, inflação, dentre outras questões, não soube lidar com expressões contrárias e as fortes críticas da oposição.

No entanto, o ato autoritário de Deodoro teve reflexos muito negativos. Pouco depois, em decorrência de tal ato, eclodiu a primeira revolta armada, conhecida como Revolta da Esquadra. Foi uma Revolta comandada pela Marinha, encabeçada pelo almirante Custódio de Mello, que exigia a reabertura do Congresso sob ameaça de bombardeiro ao Rio de Janeiro. Com medo de perder ou não desejoso por uma guerra civil, Deodoro renuncia em 23 de novembro do mesmo ano. Assume em seu lugar o vice, Floriano Peixoto, embora a Constituição exigisse para o caso (vacância do cargo de presidente nos dois primeiros anos de mandato [6]) a convocação de novas eleições. Portanto o governo incorre em mais uma afronta à Constituição, dando, desde já, também o tom autoritário do novo governo.

Floriano Peixoto, ao tomar posse, contraria vários dos interesses oligárquicos. Em especial, nomeou interventores militares para as províncias, desagradando sobremaneira a elite cafeeira que, há tempos, buscava maior autonomia. Por outro lado, presenciou um viés jacobino e era alguém que detinha a simpatia das classes médias urbanas e classes populares em geral. Tanto é a aderência popular, que surgiu o que se denominou de florianismo, um movimento popular de ampla adesão à Floriano. Considerada a primeira movimentação popular de forma espontânea que surgiu na República, mesmo assim aponta José Murilo de Carvalho, “não possuía organização, tendia ao fanatismo e perdia-se em intermináveis contradições”. [7]

No entanto, a Marinha não cessou suas afrontas ao governo, havendo, em 1893, outra Revolta da Armada (era a forma como a Instituição era chamada à época). Sentia-se desprestigiada e deixada de lado pelo governo republicano e buscavam recuperar o antigo prestígio e autoridade. Junto a isso, o governo também enfrentava a Revolução Federalista do Sul, que foi uma sangrenta guerra civil que começou no mesmo ano e só terminou em 1985. Diante da grave crise política, Floriano reprimiu fortemente ambos os movimentos, e passou a governar em constante estado de sítio.

Em março de 1894 houve a primeira eleição direta para presidente da república. Foram mais de vinte e nove candidatos. Prudente de Morais, do Partido Republicano Paulista, venceu as eleições (sendo Afonso Pena o segundo mais votado) e inaugurou o primeiro governo civil da República. Moderado, preocupado com a pacificação do país e voltado aos interesses dos cafeicultores em São Paulo, foi o responsável pela transição da República jacobina para a República oligárquica.

De tal modo, em 1898 fez de Campos Sales, também paulista, seu sucessor. Aqui se inicia o processo de alternância de poder entre São Paulo e Minas Gerais. Era uma forma de prevalecer, sempre, o mesmo grupo no poder, a defender seus próprios interesses em período permanente, ainda que previsto o sistema de alternância, numa afronta à república e à democracia.

Sobre esse ponto, o liberal Assis Brasil, em discurso, em 1908, traçou inúmeras críticas sobre os aspectos eleitorais do Brasil e asseverou que “A eleição entre nós, em regra, só serve para sagrar o arbítrio dos que governam”[8]. Sua clara percepção do momento revela, além da previsibilidade do processo eleitoral, suas fraudes e seus grandes acordos entre poder central e estadual, a incapacidade do sistema político estar conformado aos moldes jurídicos, pois, ainda que haja na Constituição e nas leis eleitorais a garantia da participação popular, a lisura do processo democrático, dentre outros, o pensamento político e a práxis transcendem aos moldes jurídicos e criam, autonomamente, seus próprios modelos a partir de uma “lógica” própria.

Por fim, além da lógica de alternância de poder, se seguiu e é destaque na Primeira República, sob a égide da Constituição de 1891, as mais variadas fraudes eleitorais, que manteve forte a estrutura oligárquica montada neste primeiro período e a ampla exclusão da população do pleito eleitoral (estima-se que até 1945 nunca excedeu 6% da população).

[1] CARVALHO, José Murilo. O Pecado Original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2017, p. 18.

[2] O ato simbólico da proclamação da República foi, segundo historiadores, um movimento “superficial”, feito por jovens militares de baixa patente, radicais, sem grande articulação com outros postos hierárquicos (CARDOSO, Fernando Henrique; LOVE, Joseph, et al. O Brasil Republicano: estrutura de poder e economia (1889-1930). v. 1. In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. 6 ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997, p.15.). De tal ato o povo foi somente espectador, tendo assistido à parada militar na Praça da Aclamação “bestializados”, conforme marcante expressão de Aristides Lobo sobre esse histórico momento. Monteiro Lobato também faz referência ao termo ao narrar que “Em 15 de Novembro troca-se um trono vitalício pela cadeira quadrienal. O país bestifica-se ante o inopinado da mudança”. (LOBATO, Monteiro. Urupês e outros contos. Jandira, SP: Ciranda Cultura, 2019, p. 121.).

[3] Art 1º – Promulgada esta Constituição, o Congresso, reunido em assembléia geral, elegerá em seguida, por maioria absoluta de votos, na primeira votação, e, se nenhum candidato a obtiver, por maioria relativa na segunda, o Presidente e o Vice-Presidente dos Estados Unidos do Brasil.

[4] BARBOSA, Ruy. Finanças e Politica da Republica: discursos e escriptos. Capital Federal: Companhia Impressora Rua Nova do Ouvidor, 1892, p. 342.

[5] BARBOSA, Ruy. Finanças e Politica da Republica: discursos e escriptos. Capital Federal:          Companhia Impressora Rua Nova do Ouvidor, 1892, 338.

[6] Art. 42 – Se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição.

[7] CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 4 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 137.

[8] ASSIS-BRASIL, J. F. Dictadura, Parlamentarismo, Democracia. Discurso pronunciado no   Congresso do Partido Republicano Democratico, aberto a 20 de Setembro de 1908, na cidade de Santa Maria. Porto Alegre: L.P Barcellos & Cia – Livraria do Globo, 1908, p. 47.

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Jessica Fachin

Em Estágio Pós-Doutoral (UnB). Doutora em Direito Constitucional (PUCSP). Mestre em Ciência Jurídica (UENP). Graduada em Direito (PUCPR) e Licenciada em Letras (UEL). Professora Substituta na Universidade de Brasília (UnB) e professora Permanente no Programa de Mestrado em "Direito, Sociedade e Tecnologias" das Faculdades Londrina. Membro do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP. Advogada.

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