Tutela: uma forma de proteger os seus filhos

Coluna Direito da Família e Direito Sucessório

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Ninguém espera falecer, e muito menos deixar os filhos pequenos desamparados. Alguns mais preparados, ou mais temerosos, não sei, não fazem viagem de família todos juntos. Cada filho viaja com um genitor em aviões diferentes, ou meios de transporte diferentes. Isso porque tem-se a sensação de estamos protegendo ao menos um dos filhos.

E nem os pais viajam juntos deixando a prole em casa; se forem viajar, seguem o padrão da família, cada um viaja num voo distinto.

Foto: Unsplash

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Mas existe uma outra forma de proteger também os filhos que é fazer a nomeação do tutor em documento legítimo.

Isso significa que os pais, em conjunto, nomeiam a pessoa que irá cuidar dos seus filhos em caso de falecimento do casal.

A nomeação pode ser denominada como voluntária quando os pais exercendo o seu direito de nomear aponta quem seria essa pessoa, pode ser feito mediante documento autêntico ou de testamento. Esse documento somente terá eficácia quando do falecimento do testador.

Caso os genitores não exerçam esse direito, a nomeação ocorrerá pelo Poder Judiciário, sendo que a preferência é pelos ascendentes mais próximo. Mas quando falamos dos ascendentes mais próximos nos deparamos com quatro avós – via de regra, e nesse caso, é preciso verificar aquele que tem melhor condição para cuidar das crianças, atendendo assim o caso concreto.

Para exemplificar apontamos a ementa abaixo de um interessante julgado do E. Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

RECURSO ESPECIAL – DISPUTA JUDICIAL POR PARTE DOS AVÓS PATERNOS E MATERNOS, RESIDENTES EM PAÍSES DIVERSOS, PELA TUTELA DE NETO, CRIANÇA DE DUPLA NACIONALIDADE QUE SE TORNARA ÓRFÃ EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO OCORRIDO NO BRASIL, DO QUAL RESTARAM FATALMENTE VITIMADOS OS RESPECTIVOS PAIS – TUTELA ATRIBUÍDA ORIGINARIAMENTE, SEM OPOSIÇÃO, A TIO MATERNO RESIDENTE NO BRASIL – POSTERIOR PEDIDO DE ESCUSA DO ENCARGO DEVIDO A PROBLEMAS PESSOAIS DE SAÚDE DO TUTOR – REQUERIMENTO DE TUTELA AJUIZADO PELAS AVÓS MATERNA BRASILEIRA E PATERNA FRANCESA – DECISÃO DO R. JUÍZO CÍVEL EM COMPARTILHAR A TUTELA DA CRIANÇA ENTRE AS AVÓS, MANTENDO-SE, CONTUDO, A CRIANÇA NO BRASIL – RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA AVÓ PATERNA, PROVIDO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM A DETERMINAÇÃO DE REPATRIAMENTO IMEDIATO DA CRIANÇA PARA A FRANÇA, FUNDAMENTADO NA CONVENÇÃO DE HAIA.

IRRESIGNAÇÃO DA AVÓ MATERNA BRASILEIRA.

Fundamento adotado pelo v. acórdão recorrido é claro e suficiente para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário – como se tem repetido – ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte. Inexistência de violação ao art. 535 do CPC.

O Código de Processo Civil, ao tratar dos procedimentos de jurisdição voluntária, apresenta disciplina própria em relação ao instituto da tutela, regulado a partir do artigo 1.187. No ponto, as regras dos artigos 1.192 e 1.193 não deixam margem de dúvida acerca da natureza de sentença, mormente quando, no caso concreto, o r. juízo a quo decidiu, no mesmo momento, pela concessão de segunda tutela em favor das avós, bem como autorizou a dispensa da tutela anteriormente concedida ao tio materno da criança.

No caso dos autos, o objeto da demanda não é o cumprimento de obrigação fundada em tratado internacional. Aqui não há se falar em pedido de busca e apreensão promovido pela União, com fundamento na Convenção de Haia. O que se discute é a tutela da criança.

3.1. A hipótese dos autos é distinta, pois o menor encontrava-se no Brasil, sob a guarda de seus pais, até o dia do acidente em que ficou órfão, não tendo sido removido, de forma ilícita, de seu país de origem. Trata-se, em consequência, de questão envolvendo a tutela de interesses disputados entre particulares que, inclusive, não demanda a intervenção da União no feito, conforme expressamente admitido pela Autoridade Central da Administração Federal – ACAF, órgão do Ministério da Justiça.

3.2. É incontroverso que o menor veio ao Brasil, na companhia de ambos os pais, que exerciam plenamente o poder familiar (guarda) sobre o filho, o qual, portanto, ingressou e permaneceu neste país de forma absolutamente lícita e regular, restando óbvio que, em razão dessa verdade, tanto a avó paterna, ora recorrida, quanto a materna, aqui recorrente, não detinham originariamente guarda ou poder familiar algum sobre o neto, vez que este direito/dever, conforme já averiguado, era regular e validamente exercido pelos próprios pais, que moravam na cidade de Paris, em França (fls.1.069/1.096, e-STJ) e estavam no Brasil, com o filho, quando do acidente que cisou a vida dos primeiros e feriu gravemente a criança que contava, então, com dois anos de idade, cuja tutela, agora, é disputada pelas avós.

3.3. Sendo assim, forçoso reconhecer a inaplicabilidade da Convenção de Haia, na hipótese dos autos, porquanto não preenchidos os requisitos de seu artigo 3º, ou seja, i) não houve violação de guarda, porque exercida plenamente por ambos os pais, na época da chegada da criança ao Brasil e; ii) não havia, em favor da avó paterna, ora recorrida, direito de guarda do menor.

Na expressa dicção do art. 90 do CPC, “a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.” Ademais, conforme determina o art. 76, parágrafo único, do Código Civil, o domicílio do incapaz é o do seu representante legal. Hipótese de competência internacional concorrente e de domicílio necessário do tutelado.

Considerando que um dos requisitos formais exigidos pela legislação, como visto, é o trânsito em julgado da decisão a ser homologada, na hipótese em foco, a tutela concedida por meio de decisão judicial da Justiça Francesa está sendo questionada, pelos parentes brasileiros, por meio de recurso próprio, é inequívoco que a sentença estrangeira não preenche o requisito do trânsito em julgado, circunstância a impedir a homologação perante o Superior Tribunal de Justiça e, por conseguinte, a própria execução do julgado no território nacional brasileiro.

Com o advento da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que adotou a doutrina da proteção integral, foram modificados profundamente os paradigmas orientadores acerca dos fatores a serem considerados quando da prolação de decisões que envolvem temáticas referentes à infância e juventude, adotando-se, a partir de então, o princípio do melhor interesse da criança.

6.1 Dessa forma, referido princípio – do melhor interesse da criança – tornou-se tanto orientador para o legislador, como para o aplicador da norma jurídica, já que estabelece a primazia das necessidades infanto-juvenis como critério de interpretação da norma jurídica e de elaboração da decisão que venha a solucionar demandas na área alcançada pela temática da infância e juventude.

6.2 Com esse norte hermenêutico, não se pode ignorar o conteúdo do parecer psicossocial e dos laudos médicos elaborados por diversos e conceituados profissionais que assistem a criança desde o acidente – especialistas que, de modo autônomo e integrado, atuam nas áreas da neurologia, psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia-ocupacional e neuro-pediatria – os quais recomendam, sem exceção, a manutenção da criança no Brasil neste momento, sob pena do risco de regresso em seu tratamento, ante a possível ruptura da recuperação não apenas física mas também emocional, caso interrompido o tratamento do paciente e, também, se rompidos, outra vez, os relacionamentos já estruturados, somatório de fatores que se manifestam no sentido de conferir atenção ao melhor interesse da criança, sendo indiscutivelmente mais proveitoso ao menor que permaneça no Brasil, no meio onde ora se encontra e, consequentemente, com a avó materna. E isso, registre-se para a posteridade histórica das famílias, não em virtude de a avó paterna não reunir condições para ter o neto em sua companhia, mas, sim, porque as graves circunstâncias ditadas pelos infelizes fortuitos dos acontecimentos da vida certamente já submeteram esta criança a agruras bastantes para que agora se imponha, novamente de modo inesperado e pouco compreensível a ela, complexa adaptação, isto é, mais outra abrupta modificação, não apenas das rotinas de seu cotidiano (dia a dia), mas ao próprio relacionamento com as pessoas que atualmente lhe são próximas, enfim, reiterando a desestruturação estética de fatos e da situação recém consolidada ante contingências absolutamente alheias à vontade dos próprios protagonistas.

6.3 Essas circunstâncias, vistas em conjunto, não foram adequadamente enfrentadas pelo v. acórdão recorrido, daí porque não há se falar em incidência da Súmula 7/STJ, muito embora apreciadas a seu modo pelo juízo de primeiro grau, sem que ocorra supressão de instância, não mereceram definição jurídica pelo Tribunal de origem, o qual se quedou ao largo da principiologia do melhor interesse da criança, destacadamente ao não considerar as recomendações médicas, limitando-se a afirmar que na França a criança poderia obter tratamento médico semelhante ao que conta no Brasil, desconsiderando o caráter emocional e afetivo do caso, notadamente em razão da tragédia que atingiu a criança.

Foto: Unsplash

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6.4 Nesse contexto, em virtude das orientações médicas e do relatório psicossocial e, portanto, conforme o princípio do melhor interesse da criança, a teor de sua proteção integral, é de rigor sua manutenção no Brasil, com a avó materna, tendo em conta que já possui laços de afetividade, social e familiar, o que tem propiciado, sem dúvida, o êxito em seu delicado tratamento médico.

Precedentes do STJ em casos análogos.

6.5 É certo que a própria criança, no futuro, poderá iniciar a discussão quanto a sua ida ou não, para a França em caráter provisório ou definitivo como resultado de seu melhor interesse.

Nesse contexto, não há vedação a que, no real e mais elevado propósito do bem estar do menino, na sua formação e crescimento, possa verificar-se nova adequação quanto à sua permanência neste ou naquele país, sempre se recordando do que diz o art. 28, caput, do ECA, ao estatuir que, se a criança contar com menos de 12 (doze) anos, sua opinião será levada em consideração. Ao passo que se for maior de 12 (doze) anos, é condicionante a sua anuência.

Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1449560/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 14/10/2014).

Para evitar a confusão que ocorreu nesse julgado bastava que os pais tivessem expressado a vontade e indicado quem deveria exercer a tutela da criança.

renata vilas boas
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

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