Redefinindo a Relação entre o Professor e a Universidade: Emprego Público nas Instituições Federais de Ensino?

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

Redefinindo a Relação entre o Professor e a Universidade: Emprego Público nas Instituições Federais de Ensino?. Boaventura de Sousa Santos, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, Cristiano Paixão Araujo Pinto (Organizador), Florivaldo Dutra de Araújo, José Geraldo de Sousa Junior, Marcelo Arno Nerling e Ronado Rebello de Brito Poletti. Universidade de Brasília/Faculdade de Direito. Coleção “O que se pensa na Colina”, vol. 1. Brasília: Universidade de Brasília/Faculdade de Direito, 2002, 136 p.

         Não é a primeira vez que trato do tema estado, administração e serviço público e sociedade democrática aqui neste espaço da Coluna Lido para Você. Numa dessas leituras abordei a questão do “novo” direito administrativo, a partir do livro de Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, autora também presente em artigo, neste Lido para Você (http://estadodedireito.com.br/o-novo-direito-administrativo-brasileiro-o-estado-as-agencias-e-o-terceiro-setor/).

                Ao tratar desses temas, posta a questão específica trazida pela obra lida, enveredo em geral para a discussão do papel do Estado e o desempenho da máquina governamental, em face das exigências políticas e da defesa intransigente do estado de direito numa sociedade democrática.

            Assim, entre outras leituras, a que desenvolvi em um Lido para Você a propósito de livro que eu próprio organizei – http://estadodedireito.com.br/sociedade-democratica-direito-publico-e-controle-externo/. Ali digo que sempre que se discute papel do Estado, desempenho de máquina governamental, servir bem o cidadão, reformar o sistema burocrático e modernizar os aparelhos de gestão institucional, surge uma tentação poucas vezes refreada de orientar a análise dos mecanismos que desviam a administração pública de seus objetivos essenciais – compatibilizar eficiência e eficácia com equidade e democracia – para atribuir aos servidores públicos a responsabilidade por tais desvios e transformá-los em custos de manutenção do sistema que é preciso minimizar e até mesmo eliminar e desse modo favorecer intenções adrede de sua afetação no interesse de projetos políticos em curso.

            Tal como acontece agora, num discurso ordenado de alto a baixo para incriminar a organicidade do sistema administrativo do Estado e desqualificar os agentes públicos trazidos à posição sacrificial perseguida por essas “políticas”. É o que está ocorrendo no âmbito do ensino superior público universitário, inquinado de aparelhamento ideológico da educação e no serviço público em geral acusado de “parasitismo” vampirisador do esforço social, tudo para reduzir sua capacidade fiscalizadora, precarizá-lo, retirar direitos historicamente alcançados e, ao fim e ao cabo, transferi-lo ao privado, no interesse da acumulação ultraneoliberal. 

            Para além disso, mencionei na Coluna acima referida, uma tendência recente incrementada pelo oportunismo propagandista, tende a oferecer  a dignidade do servidor público – marajás, perdulários, ímprobos e outros [des]qualificativos, o mais recente dos quais é o de designá-los de parasitas – para o simbolismo expiatório que não hesita em atribuir função sacrificial a uma categoria social que tem sido  garante da boa gestão do interesse publico.

            Com efeito, a literatura foi sempre pródiga em destacar a respeitabilidade da função pública, mesmo quando a fina ironia de autores que primavam pela profunda compreensão dos matizes e das relações autênticas, preserva a boa descrição dos caracteres típicos de um determinado tempo. Pode-se encontrar isso em muitas passagens da monumental Comédia Humana de Balzacassim como em Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, dois notáveis escritores brasileiros e, simultaneamente, pela vida toda, servidores públicos ativos e engajados exercitando cidadania em seu duplo ofício.

            Ora, pensar Estado democrático é pensar a tarefa de refundação democrática da administração pública. Se o Estado democrático é fundamento para a transformação da cidadania abstrata em cidadania ativa e participativa, a mediação possível para uma institucionalidade livre de vícios, entre aqueles descritos por Raymundo Faoro [Os Donos do Poder], Sérgio Buarque de Holanda [Raízes do Brasil], Victor Nunes Leal [Coronelismo, Enxada e Voto] – paternalismo, autoritarismo, clientelismo, cunhadismo, filhotismo, nepotismo – está assentada no desempenho organizado, responsável, eficiente e profissional do servidor público.

            A propósito da questão da administração pública e o regime de seus servidores, o historiador Toynbee, chegou a formular uma teoria explicativa do sucesso dos países e dos Estados, tomando como exemplo o Império Romano. Para ele, a grande expansão de Roma não se deveu tanto ao seu formidável exército, mas sim ao seu funcionalismo civil, altamente capaz, responsável e bem remunerado e organizadamente distribuído em todos os espaços administrativos do Império [Recolho o exemplo em Ronaldo Poletti, no livro “Redefinindo a relação entre o professor e a universidade: emprego público nas Instituições Federais de Ensino?, organizado por Cristiano Paixão e publicado pela Faculdade de Direito da UnB, vol. , da Coleção “O que se pensa na Colina”, Brasília, 2002], ora Lido para Você.

            Por essas razões escolhi aqui e agora apresentar essa obra. A fonte de sua publicação projeta tensões de arranque neoliberal, expondo projetos com as características desse receituário, colocando quase sempre o sistema administrativo público em foco e o universitário em sua ponta de lança.

            Agora é o estrangulamento orçamentário e estatutário, articulado ao desenho amplo de uma proposta de reforma, no caso universitário, claramente a revogar o modelo constitucional da educação como um bem público e substituí-lo por um modelo de negócio no qual a educação é um serviço disponível ao mercado. A proposta do “Future-se” tem esse caráter. Tratei disso também em longa entrevista para o sítio do IHU- Instituto Humanitas (http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/590985-future-se-valoriza-o-privado-e-nao-acena-para-o-ethos-academico-entrevista-especial-com-jose-geraldo-de-sousa-junior), logo a seguir acostada a um destacado conjunto de manifestações que vieram a compor um volume de IHU On-Line. Revista do Instituto Humanitas Unisinos, n. 539, ano XIX, 19/08/2019, também publicado em formato digital (http://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/539).

            No livro ora Lido para Você registra-se um desses movimentos recorrentes, de 2002, governo Fernando Henrique Cardoso, quando se intentou transformar em emprego público (celetista) a função docente do servidor público. Na UnB, Faculdade de Direito, nos juntamos ao esforço de resistência e organizamos o Seminário que dá título ao livro. Seu organizador professor Cristiano Paixão, ele próprio Procurador do Ministério Público do Trabalho, explica no Relatório do seminário “o emprego público nas Instituições Federais de Ensino, p. 13-21, o alcance e os limites da proposta e o recorte de problematização que foi trazido ao Seminário. O próprio organizador, p. 27-38, baliza a discussão com um bem construído percurso histórico-conceitual sobre Autonomia universitária e civilização: dimensões do debate atual.

            Também integra o livro o Parecer oferecido ao conselho da Faculdade de Direito sobre as conclusões do seminário “O emprego público nas Instituições Federais de Ensino”, p. 21-27, pelo Professor da UnB e ex-Consultor-Geral da República Ronaldo Rebello de Britto Poletti.

            No livro foi incluído o texto preparatório do seminário, nele também apresentado, a cargo do professor Florivaldo Dutra de Araújo, da UFMG, notável administrativista: O emprego público nas Instituições Federais de Ensino, p. 39-46; secundado pelo texto Reflexões acerca do regime de emprego público, elaborado e apresentado pela Procuradora-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, professora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, p. 47-68, também destacada administrativista.  Faço aqui referência a uma de suas obras objeto de minha leitura na Coluna Lido para Você,

            Ainda sobre autonomia destaca-se o texto do professor paulista Marcelo Arno Nerling, p. 69-86, Autonomia universitária e Reforma Administrativa: um texto para discussão.

            Coroa o livro o artigo paradigmático de Boaventura de Sousa Santos, p. 87-136, Da ideia de universidade à universidade de ideias.

            Então Diretor da Faculdade de Direito, presidi o seminário e trouxe para o livro, p. 9-12, uma Introdução – Repensar a Universidade, repensar-se, situar civilizatoriamente o potencial utópico e crítico de um projeto cultural para o País.

            Repristino aqui a parte final de minha Introdução, para atualizar expectativas em face de recidivas de propostas na contramão do acumulado e da racionalidade utópica, democrática e emancipatória:

            “Convocada a pensar sobre o encaminhamento governamental para o enquadramento da carreira pública universitária sob a forma de proposta legislativa de ‘emprego público’, a Faculdade de Direito – da UnB – cuidou de estabelecer parâmetros consistentes para essa reflexão e de organizar a discussão de forma adequada. É justamente o resultado desse processo que é oferecido por meio desta publicação, como contribuição ao conhecimento do problema.

            Não basta que o Ministro da Educação tenha realizado um recuo tático atual em relação a sua pretensão originária. Ele já explicitou a percepção que tem do lugar em que quer ver situada a Universidade Pública e da representação que faz de seu protagonista por excelência, o Professor. Quando retome – senão ele próprio, outro, em seu lugar, que se inspire por igual visão política – o mesmo desiderato, que encontre, como obstáculo epistemológico, um pensamento organizado e consciente que se possa opor a voluntarismos na contramão da história, ao menos como auto-reflexão em seu potencial utópico, crítico, emancipatório”.  

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

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