Proteção popular em direitos humanos: Sentidos, limites e potencialidades

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Paulo César Carbonari. Proteção popular em direitos humanos : Sentidos, limites e potencialidades [recurso eletrônico]/ Paulo César Carbonari. – Passo Fundo: Saluz, 2023. 271 p. ; 1,8 MB; PDF. Editado também como livro impresso em 2023.

 

 

 

A proposta da proteção popular em direitos humanos está em construção como prática própria das organizações que atuam em direitos humanos há muito. Ela também está em construção como proposta teórica, contando com vários exercícios de sistematização. Este livro é um deles. Nasce nos movimentos e organizações populares de direitos humanos, os mais diversos, dos que concentram sua atuação nos territórios locais aos que incidem em espaços nacionais e internacionais. Nutre-se das experiências, dos saberes de experiência feitos, dos debates e embates ali realizados. Este livro oferece subsídios aos militantes e engajados que se empenham na construção coletiva. Essa é a descrição do livro na página da Editora.

A obra foi editada no contexto do projeto sementes de proteção, uma iniciativa conjunta para o desenvolvimento de ações que tem por finalidade o fortalecimento das organizações da sociedade civil que tem atuação em direitos humanos nos territórios. Ações de formação, de comunicação, de organização, de mobilização e de incidência se somarão ao desenvolvimento de ações de proteção popular de militantes e coletivos dos quais são parte.

Esse projeto, dos mais consistentes desenvolvidos em articulação da sociedade civil, tem por objetivos: contribuir com o apoio a defensores/as dos direitos humanos e as organizações da sociedade civil que atuam em questões associadas a violações dos direitos humanos e ataques contra liberdades fundamentais no Brasil; fortalecer as capacidades de defesa, promoção e proteção dos direitos dos/as defensores/as de direitos humanos de movimentos sociais e organizações da sociedade civil em 21 Estados das cinco regiões brasileiras.

Junto com o livro, que me foi entregue pessoalmente por Paulo César, com uma fraterna dedicatória, o autor me brindou, cadernos da Série Proteção Popular, subsídios do Projeto Sementes de Proteção – Projeto Defendendo Vidas, um material pedagógico no melhor fundamento freireano de educação popular (educação em e para os direitos humanos). Material, aliás, compartilhável, conforme se pode ter acesso pelo endereço: https://sementesdeprotecao.org.br/subsidios-para-analise-desafios-a-protecao-popular-de-defensores-e-defensoras-de-direitos-humanos/.

Conheço e convivo com Carbonari há décadas. Notadamente nos espaços de interlocução do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) do qual é um dos fundadores e ao tempo em que exerceu docência a Direção Pedagógica do Instituto Berthier (IFIBE), Passo Fundo, RS. Também no Rio Grande do Sul, nos eventos do Conselho Estadual de Direitos Humanos, especialmente quando o coordenou.

Basta uma mirada nas informações do seu Lattes para aferir suas credenciais: “Graduado em Filosofia no Instituto Berthier (IFIBE) com reconhecimento pela Universidade de Passo Fundo (1993). Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (2000). Doutor em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (2015). Foi professor e Diretor Pedagógico do Instituto Berthier (IFIBE), Passo Fundo, RS. Professor convidado em cursos de Especialização em Direitos Humanos na Unocapeco, UCS, PUCRS e Unisinos, além de convidado para cursos e atividades a UFRGS, UPF, URI, UFFS e outras instituições. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), da coordenação da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos (ReBEDH), da Associação Brasileira de Direitos Humanos, Pesquisa e Pos-Graduação (ANDhEP), educador social na Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ética e Filosofia Política. Autor de artigos, livros e capítulos de livros em vários temas de filosofia, ética e direitos humanos. Atua principalmente nos seguintes temas: responsabilidade ética, direitos humanos, organização social, participação popular”.

Vou ao livro, com Apresentação, a cargo do Autor e Prefácio assinado pela caríssima Joisiane Sanches Gamba, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), o seu conteúdo forma o seguinte sumário:

Parte I

Proteção em direitos humanos: ensaio para sugerir uma proposta libertadora e militante

Defensores/as populares de direitos humanos: agentes e sujeitos da proteção popular

A condição humana na proteção popular: ensaios para subsidiar práticas protetivas

Parte II

Espiritualidade e proteção popular: abordagem sobre sensibilidade e mística

Empotenciamento para a proteção popular: prática fundamental para o fortalecimento popular

A dialogicidade na proteção popular: ensaio sobre limites e possibilidades em Paulo Freire

Parte III

Campos práticos de ação da proteção popular: reflexões para seguir em construção

Atuação em direitos humanos: ensaiando pistas para orientar práticas em direitos humanos

Dinâmica de ação na proteção popular: subsídios para atuação

Operacionalização da proteção popular: reflexões para orientar a prática de defensores/as de direitos humanos

Parte IV

Pedagogia da proteção: contra a “pedagogia da crueldade”

Pedagogia da proteção e educação em direitos humanos: bases éticas para uma proposta ecológica e popular

Pedagogia da proteção e educação popular em direitos humanos: bases freirianas para a ação educativa na proteção popular

Parte V

Proteção como prática coletiva: considerações gerais para colaborar ao debate

Proteção “três porquinhos”: uma reflexão inspirada no conto infantil

Proteção popular samaritana: um exercício de serviço ao “próximo”

Proteger quem cuida: o cuidado dos/as cuidadores/as

Bruno e Dom: presente, agora e sempre!

O próprio Autor expõe, na Apresentação os fundamentos, os enunciados e o modo de leitura da obra:

Os ensaios aqui recolhidos são fruto das reflexões feitas a caminho, na atuação; por isso, carregam as marcas da intensidade dos momentos, as características próprias da reflexão em ação, as insuficiências e as potencialidades destes processos. Têm o objetivo de subsidiar outras reflexões e ações, alimentar debates e, sobretudo, inspirar sua ampliação e superação crítica e criativa.

A proposta da proteção popular em direitos humanos está em construção com a prática própria das organizações que atuam em direitos humanos há muito. Ela também está em construção como proposta teórica, contando com vários exercícios de sistematização. Este é um deles. Nasce nos movimentos e organizações populares de direitos humanos, os mais diversos, dos que concentram sua atuação nos territórios locais aos que incidem em espaços nacionais e internacionais. Nutre-se das experiências, dos saberes de experiência feitos, dos debates e embates neles realizados. Ali encontra subsídios militantes e engajados que se oferecem à construção coletiva.

As elaborações aproveitam trabalhos feitos em outros momentos e construções novas; todas, porém, trabalhadas no enfoque e na busca dos sentidos, dos limites e das potencialidades da proteção popular. Sentidos porque interessa menos uma definição e mais uma construção processual performativa que se dá na práxis.

Limites porque é fundamental conhecer as situações que ainda precisam de qualificação e aprofundamento. Potencialidades para, sabendo do que de melhor se acumulou, dar passos a fim de que as práticas sejam encorajadas e fortalecidas.

Os textos podem ser lidos em sequência ou em separado, um a um. Por vezes, com temas retomados; em outras, recolocados; noutras, complementados. Estão organizados em grupos que compõem as partes da obra. São cinco partes. A primeira reúne textos que se ocupam particularmente dos sentidos da proteção popular. A segunda apresenta temas de aprofundamento da proteção popular.

A terceira trata de aspectos práticos, talvez até procedimentais para a efetivação da proteção popular. A quarta trata da pedagogia da proteção, aprofundando os aspectos educativos da ação protetiva popular. A quinta apresenta alguns temas ilustrativos e de aplicação da proposta protetiva popular.Os textos da primeira parte são três: Proteção em direitos humanos: ensaio para sugerir uma proposta libertadora e militante; Defensores/as populares de direitos humanos: agentes e sujeitos/as da proteção popular; A condição humana na proteção popular: ensaios para subsidiar práticas protetiva. Os textos tratam de desenhar um esboço de uma proposta de proteção em direitos humanos, de perfil dos/as sujeitos/as da proteção e enfoques de abordagem da condição humana para subsidiar práticas de proteção popular.

Os textos da segunda parte são três: Espiritualidade e proteção popular: abordagem sobre sensibilidade e mística; Empotenciamento para a proteção popular: prática fundamental para o fortalecimento popular; A dialogicidade na proteção popular: ensaio sobre limites e possibilidades em Paulo Freire. Os ensaios abordam três questões de fundo para a proteção popular, elementos determinantes para a qualificação da atuação protetiva.

Os textos da terceira parte são três: Campos práticos de ação da proteção popular: reflexões para seguir em construção; Atuação em direitos humanos: ensaiando pistas para a orientar práticas em direitos humanos; Dinâmica de ação na proteção popular: subsídios para atuação. Os textos estão dedicados à orientação prática da atuação protetiva popular e abordam os campos, uma concepção de atuação em direitos humanos e a dinâmica da ação protetiva.

Os textos da quarta parte são três: Pedagogia da proteção: contra a “pedagogia da crueldade”; Pedagogia da proteção e educação em direitos humanos: bases éticas para uma proposta ecológica e popular; Pedagogia da proteção e Educação Popular em direitos humanos: bases freirianas para a ação educativa na proteção popular. Os ensaios desenvolvem os sentidos da pedagogia da proteção, considerando aspectos diversos a serem tomados em conta nas práticas protetivas.

Os textos da quinta parte são cinco: Proteção como prática coletiva: considerações gerais para colaborar no debate; Proteção “três porquinhos”: uma reflexão inspirada no conto infantil; Proteção popular samaritana: um exercício de serviço ao “próximo”; Proteger quem cuida: o cuidado dos/as cuidadores/as e Bruno e Dom: presentes agora e sempre! Os ensaios aqui reunidos são mais sintéticos e agregam subsídios que dão plasticidade à proposta de proteção popular.

Estas contribuições estão disponíveis à crítica. Espera-se que alimentem o debate e os diálogos sobre a proteção popular em direitos humanos. Espera-se, igualmente, receber contribuições para seu aprimoramento; e, mais do que para isso, para o aperfeiçoamento da própria prática protetiva popular.

Operar é uma construção que se faz em processo e como dinâmica permanente. Temos ciência que, ao dizer uma palavra autêntica sobre o tema, também estamos, de alguma forma, em ação, alimentando a práxis.

Agradecimento a todas as organizações, movimentos, instituições, lutas e processos que nos permitiram aprender e a seguir aprendendo. Obrigado a cada uma e cada um que nos ajudou nesta empreitada que é não mais do que a expressão de uma tarefa cumprida, de um serviço feito à “causa” da dignidade humana.

 

O prefácio, conforme mencionei antes,  é assinado pela caríssima Joisiane Sanches Gamba, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH). Diz ela:

A oportunidade de apresentar um livro sobre Proteção Popular e desenvolvido por Carbonari é um convite para revisitar como tudo começou há cerca de 13 anos, quando, desafiada a assumir, através da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), a coordenação do Programa Federal de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, resolvi buscar apoio no Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) para imprimirmos a marca dos direitos humanos na política pública de proteção. Desafio aceito, o processo foi desencadeado. Esse livro é a sistematização de uma prática de resistência, de ansiedade e de dor. Ultrapassamos o limite da política pública, voltamos no tempo, bebemos nas histórias de luta, revisitamos a proteção vivenciada em períodos onde muitos foram presos, torturados e mortos pelo simples fato de pensar diferente dos que estavam no poder, mas que também registrou muitas vidas salvas devido a estratégias de autoproteção, proteção recíproca e solidária, que este livro chama de proteção popular.

A sistematização desse conhecimento acumulado é construída por muitas mãos. Em si já seria um desafio, mas o autor foi além, imergiu na experiência coordenando um projeto nacional de proteção popular, o Sementes. É sobre essa experiência vivenciada por muitos e muitas que Carbonari escreve, de forma intensa. O livro se baseia em um processo que vai além das pesquisas bibliográficas, bebe na fonte, faz uma análise das experiências e aponta luzes para seu aperfeiçoamento.

A obra é atualíssima, se justifica pelo momento do Brasil, onde o ódio, a intolerância e a violência se sentiram autorizadas a agredir os direitos conquistados e aos que lutam pela garantia desses direitos. É um olhar na/da resistência e nas/das formas como os/as resistentes se protegem e protegem todos/as os/as envolvidos/as e a luta.

Nem preciso dar ênfase à urgência e à oportunidade do trabalho exposto a partir do livro. Em minha coluna O Direito Achado na Rua, publicada regularmente no Jornal Brasil Popular – https://www.brasilpopular.com/25a-hora-genocidio-declarado-agir-ou-omitir-se/ – faço referência à recente visita ao Brasil da subsecretária-geral das Nações Unidas e Assessora Especial para Prevenção do Genocídio Alice WairimuNderitu. Ainda que o escopo da visita de monitoramento derive de um mandato que objetiva coletar informações sobre graves violações de direitos humanos contra grupos étnicos e raciais discriminados que, se não forem evitadas ou interrompidas, podem levar a crimes de atrocidade (genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra ou limpeza étnica), uma declaração importante feita pela Comissária em seu relatório, diga respeito a uma preocupação ativada pela constatação de reais ameaças a defensores de direitos humanos.

Retiro de declaração da subsecretária-geral, a ênfase a esse indicador crítico: “O discurso de ódio pode levar a discriminação, ódio, violência e, em seu extremo, crimes de atrocidade e deve ser abordado em alinhamento aos direitos humanos internacionais. Isso vale especialmente para o discurso de ódio dirigido contra os grupos protegidos que mencionei e outras populações em risco, por exemplo, defensores dos direitos humanos, líderes comunitários, mulheres, entre outros. Meu Escritório está pronto para fornecer apoio técnico ao governo, equipe nacional da ONU e outros atores relevantes no Brasil nesta área”.

Essa indicação, grave, reforça a importância do Projeto Sementes de Proteção, e do livro ora Lido para Você. E essa importância se destaca no excerto do prefácio de Josiane: “Esse livro é a sistematização de uma prática de resistência, de ansiedade e de dor. Ultrapassamos o limite da política pública, voltamos no tempo, bebemos nas histórias de luta, revisitamos a proteção vivenciada em períodos onde muitos foram presos, torturados e mortos pelo simples fato de pensar diferente dos que estavam no poder, mas que também registrou muitas vidas salvas devido a estratégias de autoproteção, proteção recíproca e solidária, que este livro chama de proteção popular”.

O livro vem fortalecer uma vertente crítica necessária de estudos e subsídios nesse tema. A exemplo do Guia prático de proteção à violência política para defensoras e defensores de direitos humanos / Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. — 1. ed. — Rio de Janeiro: Artigo 19. Justiça Global e Terra de Direitos: 2022. 55 p. Acesse o Guia em https://comiteddh.org.br/, uma realização Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos. Organização da publicação Agnes Karoline de Farias Castro, Alane Luzia da Silva, Amara Hurtado, Anna Carolina Murata Galeb, Antonio Francisco de Lima Neto, Guacira Cesar de Oliveira, Maria Tranjan S. do Prado, Luciana Pivato e Tatiana Lima. Co-realização Artigo 19, Cfemea; Justiça Global e Terra de Direitos. Redação e Edição Textual Antonio Escrivão Filho. Consulte-se sobre esse trabalho a minha recensão em https://estadodedireito.com.br/guia-pratico-de-protecao-a-violencia-politica-para-defensoras-e-defensores-de-direitos-humanos/.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

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