Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Em livro que foi tema de meus comentários nesta Coluna Lido para Você – SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (Organizador). Na Fronteira: Conhecimento e Práticas Jurídicas para a Solidariedade Emancipatória. Porto Alegre: Editora Síntese, 2003 – referi-me ao que ele representou como resultado de um belo projeto que inaugurou a política de cooperação interinstitucional promovida pela Faculdade de Direito da UnB.
Então, em relação ao livro exibido na coluna – http://estadodedireito.com.br/na-fronteira-conhecimento-e-praticas-juridicas-para-a-solidariedade-emancipatoria/ – mencionei que seu mais imediato resultado, enquanto antes de tudo, autoria havia sido, em primeiro lugar, a autoria explícita dos textos que o compõem. Cada um deles contribuição de autores professores docentes e de professores discentes do Programa Interinstitucional de Mestrado em Direito que as Faculdades de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) desenvolveram, em convênio, para a formação de mestres em Direito para a instituição sul-mato-grossense.
Mas o livro era também, síntese de muitas autorias, individuais e coletivas. Seus textos representavam as autorias individuais, ao menos uma parte da rica contribuição que, no período de realização do programa interinstitucional, os professores discentes agregados pela Faculdade de Direito da UNIGRAN ofereceram à discussão pública. A experiência foi pródiga em sugerir outras contribuições, além das dissertações finais, destacando-se como repositórios principais a revista Notícia do Direito Brasileiro, da Faculdade de Direito da UnB, e a Revista Jurídica, da Faculdade de Direito da UNIGRAN.
Mas o livro é, também, resultado da autoria coletiva que imanta o projeto que lhe deu origem. Essa autoria coletiva é a síntese dos esforços de mais de cinco anos de negociação, preparação, programação e execução de um cuidadoso projeto de capacitação acadêmica, mobilizador das energias solidárias das duas instituições que com ele se comprometeram.
Começo com referência a essa obra porque nela teve participação Bráulio Cézar da Silva Galloni, um dos docentes da Unigran que participou do projeto de formação e que contribuiu para a publicação com um ensaio desenvolvido durante o desenvolvimento do programa, como parte de atividades de estudos e pesquisas: As Atividades de Interpretação no Processo de Mutação Constitucional como Garantia dos Direitos Fundamentais: Limites, p. 193-204.
Já nessa etapa Bráulio demonstrava o bom manejo de temas da hermenêutica constitucional e dos direitos fundamentais, com a competência que mobilizou para a elaboração de sua dissertação, logo transformada no livro que objeto deste Lido para Você.
Embora não tenha sido o orientador da dissertação, tendo coordenado o curso e ministrado disciplina prevista na estrutura curricular do projeto, fui convidado pelo Autor para fazer o prefácio do livro.
O livro Hermenêutica Constitucional, de Bráulio Cézar da Silva Galloni, publicado pela Editora Galloni, eu disse no prefácio, é uma importante contribuição para o processo contemporâneo de realização da Constituição e de concretização dos direitos fundamentais.
O livro aprofunda uma discussão que o autor iniciara durante o desenvolvimento de um programa interinstitucional de pós-graduação, que me coube coordenar, em nome de minha instituição, a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, visando à capacitação de docentes da Faculdade de Direito do Centro Universitário da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul.
Naquela ocasião, o autor orientou seu interesse para o tema da “atividade interpretativa no processo de mutação constitucional como garantia dos direitos fundamentais” e este, de fato, foi o título do artigo que publicou em obra que organizei e que reuniu ensaios dos professores e pesquisadores que participaram daquele esforço, conforme referência acima.
O objeivo do autor, em seu ensaio, foi “demonstrar que o juiz, diante do paradigma do atual Estado Democrático de Direito não pode continuar desenvolvendo sua atividade galgado na lógica dedutiva de antes, que servia muito bem ao positivismo kelseniano, mas não para a efetivação ou concretização dos direitos fundamentais trazidos pela nova realidade constitucional (p. 193)”.
Desde então, o autor avançou em suas pesquisas, consolidando os fundamentos de seu ponto de partida, afinal sustentados com vigor na dissertação de mestrado que defendeu em coroamento de seus estudos, obtendo o assentimento acadêmico aos seus pressupostos teóricos, pela exigente banca que o examinou, composta pelos professores da UnB Inocêncio Mártires Coelho, seu orientador, ex-Procurador-Geral da República, Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Marcus Faro de Castro, à época, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Bráulio traz ao debate, em seu livro, esses fundamentos, contribuindo para repensar a Constituição e o Direito Constitucional e oferecer novas bases para o conhecimento e a interpretação do Direito.
Com efeito, conforme salienta o autor, a concepção de Constituição que baliza suas ideias, distancia-se “do positivismo jurídico estatal, de feição formalista, para voltar-se ao sentido, ao fim, aos princípios políticos e às teses ideológicas que a animam”. Insere-se, pois, o autor naquela perspectiva que J. J. Gomes Canotilho aponta para o Direito Constitucional, de recuperação do “impulso dialógico e crítico que hoje é fornecido pelas teorias da justiça e pelas teorias críticas da sociedade”, sob pena de restar “definitivamente prisioneiro de sua aridez formal e de seu conformismo político”.
Nessa linha, o autor, da mesma maneira que o constitucionalista português, faz apelo à ampliação das possibilidades de compreensão e de explicação dos problemas fundamentais do direito constitucional, de modo a orientar uma hermenêutica vigilante “das exigências do direito justo e amparadas num sistema de domínio político-democrático materialmente legitimado”, como indica Canotilho.
É nesse cadinho hermenêutico que o autor vai situar a outra baliza de sustentação de seu trabalho, contida na ideia de que a interpretação deve ser “entendida como recriação e inserção em um mundo comprometido com a intencionalidade e os valores”, para reivindicar uma disposição criadora para a atividade judicial e do juiz.
A abordagem que o autor desenvolve, bem fundamentada e apoiada em leituras muito atualizadas, ressalta a compreensão plena do ato de julgar, rejeitando a falsa oposição entre o político e o jurídico. Por isso ela revela, também, a dupla crise que perpassa o tema em discussão. De um lado, uma crise de conhecimento traduzida na perda de confiança epistemológica acerca da formação teórica dos juristas; e de outro, uma crise de legitimidade presente na atuação dos operadores de direito, afetando a sua própria função social, especialmente os magistrados, colocados em face de problemas e conflitos novos que sequer dão conta de compreender.
O livro de Bráulio Cézar da Silva Galloni é, pois, por tudo isso, um exercício exemplar de estruturação de novas categorias aptas a abrigar as direções evolutivas do conhecimento e da interpretação do Direito Constitucional, especialmente frente à necessidade de proteção aos direitos fundamentais.
Essas direções transparecem do sumário da obra, judiciosamente analítico em suas demarcações problematizantes, a partir da sinopse que expressa a organicidade da obra: 1. O Direito e suas manifestações históricas; 2. A ideia de Direito e o poder que o cria; 3. A atividade interpretativa no processo de criação; 4. Constitucionalismo, Constituição e Hermenêutica; 5. A criação jurisdicional no processo de efetivação dos Direito Fundamentais.
No esquema proposto pelo autor, em que pese a abertura neoconstitucionalista que as promessas das constituições nas re-emergências democráticas, tal como no Brasil no movimento constituinte de 1988, não se deve perder de vista que a simples positivação não garante todos os avanços assim realizados. Aquele efeito encantatório, imobilizador e de ordem que faz o encantamento das disposições pós-positivistas, não deve perder de vista que a só constitucionalização não assegura o cumprimento de promessas só pela força dos textos.
Os movimentos sociais nunca deixaram de reivindicar a rua como espaço de afirmação, conquista e avanço da juridicidade. Os eventos de 2016, no Brasil, e a conjuntura de desdemocratização ainda em curso, advertem para esse cuidado.
Muito menos restringir o debate por direitos ao texto constitucional, na ilusão de que realizar política tenha curso no âmbito do Judiciário, onde mais comumente o que ocorre é uma avaliação distorcida da realidade. O real nesse âmbito é captar direitos a partir da demanda social da rua, na luta por direitos (cf. SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática. Coleção Direito Vivo, volume 2. Editora Lumen Juris, 2015). Desenvolvi um nível contínuo de considerações a esse respeito em http://estadodedireito.com.br/desembargador-floriano-cavalcanti-de-albuquerque-e-sua-brilhante-trajetoria-de-vida/; http://estadodedireito.com.br/observatorio-do-judiciario/; http://estadodedireito.com.br/para-uma-revolucao-democratica-da-justica/; http://estadodedireito.com.br/porteiro-ou-guardiao-o-supremo-tribunal-federal-em-face-aos-direitos-humanos/.
. Nesse ponto, sobre esse tema, cuida-se imediatamente, aliás como o autor divisa no livro, mais que nunca de abrir a preocupação já anunciada por Gomes Canotilho, acerca da multiplicidade de sujeitos que se movem no debate constitucional contemporâneo que tende a abrir expectativas de diálogo político estruturado na linguagem do direito, gerando na expressão dele, “posições interpretativas da Constituição” que emergem desse processo e formam uma luta por posições constituintes, luta que continua depois de aprovada a constituição (CANOTILHO, J. J. Gomes. Cf. Entrevista que me concedeu: Pela Necessidade de o Sujeito de Direito se Aproximar dos ‘Sujeitos Densos’ da Vida Real. Constituição & Democracia. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, n. 24, julho de 2008, p.12-13) tal como se deu, por exemplo, no STF na decisão unânime em reconhecimento à constitucionalidade das cotas raciais para acesso à universidade (ADPF 186).
No arsenal dessa luta, o social (direitos) se posiciona contra a mercadorização intensificada pelo mercado (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados) e se busca o acesso público contra a onda de privatização que quer avançar sobre os bens da vida. Por isso a luta é, inclusive, semântica, quando se disputa até no plano judicial, a politização da reivindicação social (ocupação da moradia, terra e território), em face da tentação criminalizadora (invasão e esbulho possessório), o que levou o STJ a decidir não poder ser considerado esbulhador aquele que ocupa terra para fazer cumprir a promessa constitucional da reforma agrária.
Ainda com Canotilho, na Entrevista citada, cabe pôr em relevo a necessidade de recuperar no Direito Constitucional, sobretudo no campo dos direitos sociais, retomo o que ele mencionou e reproduzi acima, o impulso dialógico e crítico que hoje é fornecido pelas teorias políticas da justiça e pelas teorias críticas da sociedade, que o fazem definitivamente prisioneiro de sua aridez formal e do seu conformismo político. É preciso incluir, pois, no Direito Constitucional outros modos de compreender as regras jurídicas, orientadas pelas indicações de O Direito Achado na Rua, enquanto perspectiva de direitos verdadeiramente emancipatórios. (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2015).
É a partir dessa perspectiva, algo que deixo como sugestão ao autor para suas pesquisas futuras considerando que o que vou dizer não se colocava quando o trabalho foi publicado. Ou seja, a partir do que atualmente, com as experiências constituintes em curso na América Latina, aprofundar temas emergentes de um constitucionalismo em chave decolonial.
Disso cuida Antonio Carlos Wolkmer em texto publicado há poucos dias – Notas para Pensar la Descolonización del Constitucionalismo en Latinoamérica in Constitucionalismo en clave descolonial / Amélia Sampaio Rossi … [et al.].; Liliana Estupiñán- Achury, Lilia Balmant Emerique, editoras académicas. — Bogotá: Universidad
Para Wolkmer, “la propuesta de un constitucionalismo crítico bajo la óptica del sur global puede ser contemplada en los aportes innovadores de la propuesta del consti tucionalismo transformador de Sousa Santos, B. de y de las variaciones presentes que tienen en cuenta las epistemologías del sur y, más directamente, del constitucionalismo andino, ya sea en la vertiente del constitucionalismo pluralista (Yrigoyen Fajardo, 2011; Wolkmer, 2013, p. 29; Brandão, 2015), del constitucionalismo horizontal descolonial (Médici, 2012), constitucionalismo comunitario de la alteridad (Radaelli, 2017), constitucionalismo crítico de la liberación (Fagundes, 2020), constitucionalismo ladino-amefricano (Pires, 2019) o aún del constitucionalismo hallado en la calle (Leonel Júnior, 2018).
Realmente Gladstone Leonel Junior trouxe essa designação, ainda sem a aprofundar em seu livro de 2015, reeditado – Novo Constitucionalismo Latino-Americano: um estudo sobre a Bolívia, 2a. Edição. SILVA JUNIOR, Gladstone Leonel. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2018.
Na segunda edição, novas questões ensejam novas análises para a construção de um projeto popular para a América Latina a partir do que a experiência na Bolívia e em outros países nos apresenta. Das novidades dessa edição, a Editora e o Autor destacam: Um capítulo a mais. Esse quarto capítulo debate “O Constitucionalismo Achado na Rua e os limites apresentados em uma conjuntura de retrocessos”. A importância do mesmo está na necessidade de configurar um campo de análise jurídica que conjugue a Teoria Constitucional na América Latina com o Direito Achado na Rua, situando então, o Constitucionalismo Achado na Rua.
O livro, aliás, pavimenta o caminho para estudos e pesquisas nessa dimensão do constitucionalismo e o próprio professor Gladstone Leonel, em sua docência na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, criou a disciplina “O Constitucionalismo Achado na Rua e as epistemologias do Sul”, ofertada no programa de pós-graduação em Direito Constitucional na UFF. O programa da disciplina e maiores informações podem ser obtidos no seguinte site: http://bit.ly/2NqaABn.
Resenhei esse percurso em http://estadodedireito.com.br/novo-constitucionalismo-latino-americano-um-estudo-sobre-bolivia/. Claro que em O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática, volume 2, cit., no capítulo (Parte IV): O Direito Achado na Rua: Desafios, Tarefas e Perspectivas Atuais, já inscrevemos uma anotação programática nessa direção, ao indicar (p. 224): que “Essas experiências refletem uma espécie de ‘Constitucionalismo Achado na Rua’, em que os atores constituintes, os protagonistas desses processos, que envolveram povos indígenas, feministas, campesinas e campesinos, trabalhadoras e trabalhadores e setores historicamente excluídos, arrancam do processo constitucional novas formas de pluralismo jurídico e conquistas de Direitos”.
Com Gladstone eu também trabalhei o tema, procurando fixar a sua mais precisa enunciação. Assim, em Revista Direito e Práxis, On-line version ISSN 2179-8966 (http://old.scielo.br/scielo.php?pid=S2179-89662017000201008&script=sci_abstract&tlng=pt). LEONEL JUNIOR, Gladstone and GERALDO DE SOUSA JUNIOR, José. A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um “constitucionalismo achado na rua”. Rev. Direito Práx. [online]. 2017, vol.8, n.2, pp.1008-1027. ISSN 2179-8966. https://doi.org/10.12957/dep.2017.22331, valendo o resumo: “A crise política brasileira, evidenciada a partir de junho 2013, enseja novas reflexões para a conjuntura recente. A reforma do sistema político é necessária e um das formas de viabilizá-la é por meio de uma Assembleia Constituinte. Sobretudo, se observado os movimentos político-jurídicos dos últimos 15 anos nos países da América Latina. Cabe refletir sobre o momento e as possibilidades dessa aposta pautando-se em um ‘constitucionalismo achado na rua’”.
Quase que simultaneamente, também com Gladstone publicamos em La Migraña… Revista de Análisis Político, nº 17/2016. Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolívia: La Paz, o artigo La lucha por la constituyente y reforma del sistema político em Brasil: caminhos hacia um ‘constitucionalismo desde la calle’.
Com essas referências, alcança-se o patamar que, juntamente com Antonio Escrivão Filho (Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos, Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, especialmente no Capítulo V – América Latina, desenvolvimento e um Novo Constitucionalismo Achado na Rua, páginas 123-150), enunciamos, vale dizer, que o Constitucionalismo Achado na Rua vem aliar-se à Teoria Constitucional que percorre o caminho de retorno a sua função social. Uma espécie de devolução conceitual para a sociedade, da função constitucional de atribuir o sentido político do Direito, através do reconhecimento Teórico-conceitual da luta social como expressão cotidiana da soberania popular. Um reencontro entre a Teoria Constitucional, e o Direito compreendido como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade (p. 149).
Com pesquisadores do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq), organizamos o livro O Direito Achado na Rua: questões Emergentes, revisitações e travessias (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al (org). Coleção Direito Vivo volume 5. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021), um capítulo é dedicado ao tema: Constitucionalismo Achado na Rua, com os temas A Democracia Constitucional e a Proposta para um Constitucionalismo Inclusivo no Brasil, de Bárbara R. R. C. de Oliveira, Jean Patrício da Silva, João Paulo Santos Araújo, Samuel Barbosa dos Santos e Betuel Virgílio Mvumbi; e O Constitucionalismo Achado na Rua, os Sujeitos Coletivos Instituintes de Direito e o Caso APIB na ADPF nº 709, de Marconi Moura de Lima Barum, Mauro Almeida Noleto, Priscila Kavamura Guimarães de Moura e Renan Sales de Meira.
É sempre estimulante poder construir com os compromissos de engajamento, sobretudo epistemológico, escoras teóricas para anaçar nessas emergências, revisitações e travessias, em arcos de cooperação não apenas orgânicos – os Grupos de Pesquisa – mas nos encontros conjunturais com aliados acadêmicos nos eventos, disciplinas e projetos que nossos coletivos de ensino, extensão e pesquisa proporcionam.
É nesse ambiente que podemos localizar abordagens instigantes que acolhem os achados desse processo, assimilando-os as suas estruturas de análise e de aplicação, e prorrogando seu alcance heurístico para novos níveis de discernimento. Assim, nesse recorte aqui realizado, o texto de Antonio Carlos Bigonha (Subprocurador-Geral da República, atua na 2a. Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferindo pareceres em Direito Privado. Foi presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (2007/2011) e coordenador da 6a. Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais da PGR (2019/2021), além de destacado compositor, pianista e mestre em Música pela Universidade de Brasília. O texto, originalmente publicado na página do IREE, Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, foi reproduzido pelo Expresso 61 (https://expresso61.com.br/2022/02/17/darcy-ribeiro-a-unb-e-o-constitucionalismo-achado-na-rua/), com o título Darcy Ribeiro, a UnB e o constitucionalismo achado na rua. Atente-se para o seguinte excerto:
As academias de Direito, públicas e privadas, adotaram, desde o advento da nova ordem democrática, uma visão do constitucionalismo hodierno que se tornou uma forma aprimorada de positivismo, como alerta Luiz Moreira, para o monopólio da normatividade e submissão das demais disciplinas à sua formalização. Os critérios principiológicos abertos na interpretação constitucional, segundo Moreira, conduziram praticamente ao esvaziamento dos resultados obtidos pela atividade política e pela atividade parlamentar constituinte, cuja legitimação proveio diretamente da soberania popular. Um truque hermenêutico que possibilitou aos juízes e aos promotores subjugar a democracia, malgrado sejam agentes públicos imunes ao sufrágio crítico das urnas, instaurando em todo o sistema uma grave crise de legitimidade.
Em suas Confissões Darcy Ribeiro descreve em detalhes as discussões que travou com o procurador da República “Manes” quando esteve preso em um batalhão do Exército. Em longos interrogatórios realizados na presença de seu advogado, Darcy apelava para o senso de Justiça de seu carrasco, na tentativa de demovê-lo do compromisso com a acusação sistemática, formulada para agradar ao governo ditatorial. Os militares, entre as múltiplas imputações de subversão, não o perdoavam pelo que havia feito na Universidade: seu crime maior era ter reunido na UnB intelectuais capazes de pensar o Brasil com independência. O estatuto da magistratura foi estendido ao Ministério Público pela Assembleia Nacional Constituinte para evitar que cenas deploráveis como esta se repetissem na vigência da Constituição de 1988.
A interpretação constitucional que setores retrógrados da magistratura e do Ministério Público adotaram para o exercício arbitrário de suas prerrogativas e atribuições, ao longo dos últimos 30 anos, faria corar monges de mármore, para usar uma expressão muito referida pelo ministro Gilmar Mendes, em sessões de julgamento no STF. Desconheço em que fonte foram beber seu fundamento teórico, fruto talvez de uma corrupção semântica, resultado da leitura equivocada da matriz germânica ou estadunidense. Neste contexto, o Direito Achado na Rua afirma-se como um poderoso vetor hermenêutico, uma abertura capaz de barrar os exageros do neoconstitucionalismo e oferecer novas epistemologias que conduzam à interpretação da Constituição e das leis do País para a afirmação e o fortalecimento dos direitos humanos, segundo uma agenda comprometida com os interesses do nosso povo. E ouso supor que Darcy Ribeiro e Machado Neto subscreveriam, novamente, esta virada hermenêutica.
Em comunicação oral realizada no GT 12- Constitucionalismo achado na rua, por ocasião do Seminário Internacional O Direito como Liberdade – 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, Menelick de Carvalho Netto e Felipe V. Capareli, com o título “O Direito Encontrado na Rua, a Luta por um Constitucionalismo Plural e Inclusivo, e a necessidade de enfrentar o risco autoritário de uma política simplista e privatizante. Visão dicotômica do Estado e do Direito” (Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (RDPDF, 2019, vol. 1, n. 2) – Dossiê Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras), também extraem consequências dessa dimensão constitucional estabelecida na rua.
É importante, eles dizem, “recordar que o constitucionalismo é permanente tentativa de se instaurar e se efetivar concretamente a exigência idealizante que inaugura uma modernidade no nível da organização de uma sociedade complexa, incapaz de lançar mão de fundamentos absolutos e que, por isso, só pode legitimar seu próprio sistema de direitos na medida em que os potenciais podem se reconhecer como coautores e autoras das normas que os regem. Ou seja, ou o direito é constitucionalmente achado na rua e nas ruas, e com as ruas, é construído e reconstruído de forma plural e inclusiva, ou, sem dúvida, tende-se a privatizar o próprio Estado, mediante a colonização do direito por uma lógica simplista binária de cunho plebiscitário e na da democrática, pois infensa a qualquer eficaz de bate”.
É com esse acumulado que chegamos ao Seminário Internacional O Direito como Liberdade: 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, realizado em Brasília, na UnB, em dezembro de 2019. No programa toda uma seção (Seção III) para o tema Pluralismo Jurídico e Constitucionalismo Achado na Rua. Esse material veio para o volume 10 da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: Editora UnB/Editora da OAB Nacional, 2021. Na seção podem ser conferidos os textos: Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo: processos de descolonização desde o Sul, de Antonio Carlos Wolkmer; A Contribuição do Direito Achado na Rua para um Constitucionalismo Democrático, de Menelick de Carvalho Netto; Constitucionalismo Achado na Rua em México: de los acuerdos de San Andrés al concejo indígena de gobierno, de Jesús Antonio de la Torre Rangel; O Direito à Alimentação como um Direito Humano Coletivo dos Povos Indígenas, de Raquel Z. Yrigoyen Farjado; e Constitucionalismo Achado na Rua: reflexões necessárias, de Gladstone Leonel Júnior, Pedro Brandão, Magnus Henry da Silva Marques.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55 |
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