CPC e CLT
Já escrevi e tenho defendido a desnecessidade de recorrermos ao Código de Processo Civil, quando temos na CLT regras mais claras e realmente voltadas a tornar o processo eficaz. Há uma norma, porém, que merece atenção.
Trata-se do artigo 475-O do atual CPC, que corresponde ao artigo 520 do Código de Processo Civil de 2015. Nele há autorização expressa para que o juiz determine o “levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real” em execução provisória.
A CLT, quando editada em 1943, revolucionou a ideia então assente de processo, segundo a qual a fase de conhecimento era completamente dissociada da fase de execução. O resultado final do processo era uma declaração do juiz, nada mais. Para que o crédito fosse efetivamente perseguido pelo Estado e entregue àquele reconhecido como titular, era preciso dar início a um novo processo: o de execução. Logo, a execução provisória era mesmo impensável, com exceção apenas para casos especiais.
Legislação Trabalhista
A legislação trabalhista inovou determinando não apenas que a execução dar-se-ia nos mesmos autos da demanda, sendo parte do mesmo processo, como também estabelecendo a execução provisória como regra, até a penhora (art. 899 da CLT). Essa evolução acabou tornando-se anacrônica diante da regra do CPC, inserta no bojo das alterações havidas em 2005.
A questão acerca da aplicação desse dispositivo ao processo do trabalho é mesmo singela. Embora a doutrina trabalhista tenha se esforçado em construir teses mais elaboradas, como a da lacuna axiológica, basta pensar na regra de ouro da permeabilidade que informa o processo e o direito do trabalho: a regra de aplicação da norma mais favorável ao trabalhador. Essa é, aliás, a razão da existência de normas processuais tipicamente trabalhistas: conferir maior efetividade a direitos que a Constituição reconhece como fundamentais e cujos créditos são equiparados a alimentos (art. 100 da CF).
Se a norma do CPC, em que se presume a igualdade e exalta-se a necessidade de tratamento equânime, admite a liberação de valores em execução provisória, inclusive dispensando a garantia exatamente quando
“I – o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem”
Ou quando
“II – o credor demonstrar situação de necessidade”
Hipóteses que se amoldam perfeitamente à realidade trabalhista, com mais razão ainda, neste campo do direito, é preciso ultrapassar a barreira da racionalidade protetiva ao patrimônio e reconhecer sua aplicação.
Ocorre que, curiosamente, apesar da tendência quase visceral que temos em aceitar todas as novidades do direito comum, correndo para aplicá-las no âmbito do direito do trabalho, essa norma tem tido sua aplicação rejeitada pelos Tribunais. Fato curioso, na medida em que outras normas, menos radicais na proteção ao crédito e no reconhecimento da necessidade de valorização da sentença de primeiro grau, tem sido trazidas para dentro do processo do trabalho, mesmo quando temos norma específica. É o caso do art. 475J do atual CPC.
Tamanha resistência para a aplicação do artigo 475O, que será ainda mais efetivo na redação que lhe confere o artigo 520 do novo CPC, só se justifica então se pensarmos na dificuldade que temos em superar a racionalidade liberal de proteção ao devedor. Talvez se explique também pelo déficit de estudo em âmbito processual, para o efeito de reconhecer o caráter instrumental dessas normas, como elementos de efetividade do direito material a que se referem. Talvez também falte a consciência de que vivemos em um Estado que detém o monopólio da jurisdição e, portanto, assume o dever de efetivar os direitos de modo tempestivo e, acima de tudo, eficaz.
Processo Comum X Processo do Trabalho
De todo o modo, a renovada discussão sobre a aplicação de normas do processo comum ao processo do trabalho, vitalizada pela promulgação de um novo CPC, pode servir ao menos para que tenhamos coragem de aplicar o que realmente interessa para tornar mais efetiva a realidade das lides trabalhistas. De todas as (muitas delas falsas) novidades do momento atual em que vive o processo comum, essa é seguramente a mais importante.
Sua aplicação, afinada com a norma geral de proteção contida no artigo 769 da CLT, talvez seja a única realmente capaz de fazer evoluir o procedimento trabalhista.
Proponho, portanto, se quisermos advogar a tese de aplicação supletiva do novo CPC ao processo do trabalho, que comecemos por esse dispositivo. E se não tivermos coragem de aplicá-lo, que reconheçamos ao menos a desnecessidade de todos os demais, que servem apenas para burocratizar o processo e esvaziar o sentido das decisões de primeiro grau.