“Marchezan é nosso Ragnar Lodbrok!”- Reflexões sobre as eleições em Porto Alegre

Coluna Democracia e Política

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Foto: Ricardo André Frantz/Wikipédia

Foto: Ricardo André Frantz/Wikipédia

Alianças e oposições

A posse de Nelson Marchezan Jr (PSDB) na Câmara Municipal no último dia primeiro de janeiro, sacramentou não só a derrota de Sebastião Melo (PMDB) mas da própria esquerda que desde o final do primeiro turno foi excluída do pleito em Porto Alegre. O período entre as eleições e a posse foi, para o candidato vitorioso, diferente do antecedente, José Fortunati, marcado pelo grande esforço em finalizar as alianças políticas, foi marcado pela escolha do secretariado. Ao contrário de Fortunati, que a época conseguiu o maior feito pós-eleitoral de atrair candidatos da oposição como Wanfred di Lorenzo (PSDB) e Jocelim Azambuja (PSL) para o governo, Nelson Marchezan não teve sucesso em constituir uma base explicita na Câmara Municipal: o seu primeiro teste, a derrubada do projeto de Fernanda Melcchionna, que vetava o parcelamento dos salários, foi conquistada com apenas 1 voto de diferença, prova de que as bancadas que se dizem independentes no legislativo estão alinhadas, salvo raras exceções, ao governo municipal. Delas, o PMDB, que saiu derrotado das eleições e principal partido interessado em ficar na oposição, mostra-se dividido, com dois vereadores apoiando claramente o governo. Nada mais nefasto para a memória de Plinio Zalewsky Vargas, morto durante as eleições e que defenderia, se vivo fosse, um afastamento do governo. A oposição no legislativo ficou reduzida mais uma vez ao PT e PSOL, já que o PCdoB não elegeu vereador, que poderão fazer um barulho danado, mas sem o apoio das bancadas que se dizem “independentes”, pouca força terão para implementar medidas de maior peso como CPIs, por exemplo.

Cenário político local

A verdade é que os candidatos derrotados, Sebastião Melo (PMDB) e Raul Pont (PT) saíram muito rápido da cena eleitoral, com um breve período de reflexões sobre as causas da derrota e que seguiu-se a aceitação e a eleição de novos planos. Para quem é de esquerda, ainda é cedo para esquecer os 16,37% de votos conquistados no primeiro turno, mas é preciso lembrar que é bem melhor do que os 9,64% da eleição anterior, número que ficará gravado na consciência do Partido dos Trabalhadores de Porto Alegre conquistado por Adão Villaverde. Porto Alegre, outrora “vitrine” do Partido dos Trabalhadores, sede do Fórum Social Mundial e lugar de lideranças expressivas como Raul Pont e Olivio Dutra, esboça uma frágil reação a queda livre de 30% do eleitorado para cerca de 10% que obteve na eleição anterior.

No cenário político local o PT municipal está em eleições e há quatro candidaturas, uma temeridade para um partido que depende da união das esquerdas para chegar ao poder. Da mesma forma como ocorreu quatro anos antes, quem acompanhava a cobertura jornalística pelos meios de comunicação podia ver o consenso dos cientistas políticos de plantão: a eleição de José Fortunati era prova de que uma esquerda desunida não vence eleição. José Fortunati, do PDT, venceu porque reuniu nove partidos de centro-direita e 245 candidatos a vereador, transformando o horário eleitoral no seu latifúndio e Nelson Marchezan Jr venceu porque contou com a desaprovação da cidade com o governo representado por Sebastião Melo, além de contar com uma poderosa máquina publicitária. Ao contrário da eleição anterior, a candidatura de Raul Pont era ideologicamente superior a de Adão Villaverde porque enquanto este último tinha Arlindo Bonele, filiado ao PR, como vice, Raul Pont  apostava em Silvana Conti, do PCdoB e professora municipal, representando o retorno do partido a sua identidade de origem., Por outro lado, tanto Villaverde no passado como Marchezan agora eram marcados pela sua imagem, ou ausência dela. Enquanto que Villaverde, um notável quadro petista, era praticamente desconhecido do grande público, Marchezan soube capitalizar a imagem de “pavio curto” a seu favor. Enquanto que Raul Pont não conseguiu convencer que sinalizava uma possível união de esquerdas e recusava no segundo turno sinalizar o apoio ao “menos pior”, Marchezan conseguiu convencer que seus defeitos eram notáveis qualidades para a cidade.

Direitização crescente

A posse do novo governo Nelson Marchezan Jr significa que o eleitor de Porto Alegre deixou de ser de esquerda? Desde a eleição de José Fortunati aponto para a um processo de direitização da capital que as duas últimas eleições só mostraram que se agudizou: o PT não encontrou novos nomes para a disputa da Prefeitura, uma necessidade de estratégia política que está em pauta desde a vitória do governo José Fortunati. As urnas mostram que o que resta da esquerda está se  bandeando para o PSOL, partido que desde a eleição de José Fortunati cresce e agora chega a Câmara Municipal quatro vereadores, elegendo uma liderança, Roberto Robaina e um forte opositor, o professor Alex Fraga.  Junto com o deputado  Pedro Ruas e a também vereadora Fernanda Melchionna, o PSOL disputa o espaço com o PT no imaginário como a esquerda autêntica Pedro Ruas, vereador do PSOL na gestão anterior e agora deputado, desponta como nome do próximo candidato a Governador e Prefeito da esquerda. As eleições municipais do diretório são a oportunidade do PT se mexer para escolher o candidato que possa enfrentar Nelson Marchezan Jr para governar o que sobrar da capital após as privatizações e o desmonte do funcionalismo público. As eleições mostraram que foi um erro Raul Pont criticar duramente o PSOL, seu antigo aliado, pois manteve a cisão na esquerda e agora sabemos as consequências que o PT construiu desde a disputa com Fortunati: perder as últimas eleições. Por tudo isto o PT inicia 2016 na capital amargando a redução de vereadores que não conseguiram se reeleger porque o partido ficou refém dos efeitos do julgamento do mensalão, do marketing político do candidato vitorioso, mantendo apenas como destaque, Sofia Cavedon e Adeli Sell, com poucos novos nomes lançados e vitoriosos do PT local.

A maldição do Partido dos Trabalhadores

Que aconteceu com o PT?” se questionam seus mais antigos militantes. Já escrevei a respeito mas retorno mais uma vez. A imagem que me vem a mente é que o PT de Porto Alegre é vitima de uma maldição, como no filme Piratas do Caribe, o Baú da Morte. No filme, Johnny Depp é o Capitão Jack Sparrow, capitão do Pérola Negra e Bill Nighy é Davy Dones, capitão do Holandes Voador. Dones já foi um ser humano, mas sem suportar a perda de seu amor, arrancou seu coração e o colocou no Baú da Morte, transformando-se numa criatura bizarra. Hoje, o PT da capital é o novo Holandês Voador, um partido condenado a vagar pelo mar da política como o veleiro que navega contra o tempo. Como Dones, sofre por sua perda, a cidade de Porto Alegre, que mais uma vez negou-lhe, ao dar posse a Marchezan Jr, o seu amor. Porto Alegre é a Calipso do PT – personagem interpretada por Naomi Harris – a quem precisa reencontrar para superar sua maldição.

Foto: Pixabay

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Só porque Marchezan tomou posse não acredito que seja hora de encerrar as reflexões sobre as razões que o levaram ao poder na capital, ao contrário.  Claro, os argumentos já são conhecidos: a excelente campanha do candidato conservador, o abandono de obras em andamento, a “música-chiclete”, a fragilidade do candidato petista e peemedebista, a falta de recursos do PMDB e erros das campanhas da esquerda ainda no primeiro turno. Mas como na piada do Monty Phyton, tirando tudo isso, o que foi que REALMENTE garantiu a vitória esmagadora da direita na capital? Arrisco uma hipótese que não foi em nenhum momento formulada: a vitória do PSDB deve-se mais uma vez a adoção, em determinado momento, do mesmo mote de campanha de José Fortunati e que encontra-se estampada na página do prefeito nas redes sociais,  algo que estava diante do nariz da esquerda durante todo o tempo, em destaque na campanha que repetiu a exaustão: “Por amor a Porto Alegre”.

Amor à capital

O discurso do “Amor à Porto Alegre” é uma construção simbólica imersa na ideologia que em nenhum momento foi criticada pelo PMDB nem pelo PT na eleição de José Fortunati. Ambos candidatos não disseram “Eu amo TODOS vocês” – a humanidade – mas selecionaram um ponto de vista que diz “Eu amo você – a capital – ACIMA de qualquer coisa”. O PMDB não aprendeu com este erro do PT, não foi incapaz de responder a este discurso, o que seria feito com uma crítica veemente ao seu discurso como contrário ao ideal de solidariedade mundial, contrário a luta contra as desigualdades no planeta e as heranças do Fórum Social Mundial, etc. O PT e o PMDB  foram incapazes de reagir a um discurso que dizia que não existe nada ALÉM de Porto Alegre!. É claro que todos gostam da cidade como tudo mundo, etc, mas isto é manipulação grosseira do sentimento de “proxemia” definido por Michel Maffesoli, o sociólogo francês autor de “O tribalismo”, como o sentimento natural que todos sentem pelo lugar em que nascem em qualquer lugar do planeta. Isto não tem nada a ver com política, é antropologia pura!. Marchezan até as eleições foi o Jack Sparrow do PT, ele encontrou o Baú da Morte e tocou o coração da cidade para logo após, se transformar em Ragnar Lodbrok, o antigo e lendário rei viking, descrito no seriado Vikings, famoso por sua violência e agressividade. Marchezan, como Ragnar, não poupa uma gota de sangue sua administração, com brigas com professores, comunidade negra, cobradores de ônibus e demais servidores. Como Ragnar com sua fé cega a seus deuses, Odin, Thor e Loki, Marchezan tem sua fé cega na lógica de mercado.

É claro que tem as razões políticas como justificativas da vitória, mas elas são sempre fáceis demais, para mim são outras as razões. Saindo do imaginário e indo para a política propriamente dita, Marchezan aprendeu com Fortunati a transformar sua candidatura em um projeto popular, convencendo as pessoas de que elas queriam o que o PSDB representava; mostrou que a política do PSDB não era apenas desejável, mas realista; que o PSDB representava efetivamente todos os porto-alegrenses e que o PSDB ainda tem futuro na capital. Tudo o que deveria ser feito pelo PMDB e PT! A única estratégia perversa que defendeu foi alimentar a versão simbólica do servidor público como escravo da sociedade, sem direito algum, praxe que revelava sua visão deste trabalhador como objeto e que ficou clara nas primeiras medidas de seu governo contra os professores municipais.

A analogia do amor individual para o amor na política tem consideráveis conseqüências. Como se sabe, ela é tributária do idealismo e produz uma subversão, ela introduz na política certo sentimentalismo, transformando o campo político (Bourdieu) numa espécie de “garotão sentimental”. Estratégia “transpolítica” fatal (Baudrillard), o PMDB não se deu conta de que esse “eu-te-amo” do PSDB, que se dirige ao Outro, a Cidade, era sua forma de colocar seu candidato e seu partido em pé de igualdade e frente a frente com os cidadãos – exercício notável no qual o poder desce até a pessoa com o objetivo de “ligá-la pela palavra” (Zizek). Quer dizer, o que o PT e após o PSDB não se deram conta é da força do simbólico nas eleições: na política, a dimensão intersubjetiva da palavra importa. O PSDB soube tirar partido dos espaços vazios deixados pelo PT e pelo PMDB no imaginário da capital. Mais, a estratégia do PSDB é a mesma do PSOL local: o PSDB  quer tirar o PMDB  da política real, ele quer tomar seu lugar no campo simbólico.

Foto: Tetraktys/Wikipédia

A Psicanálise já tinha explicado do que se trata: é sempre o problema da relação com o Outro que define o que somos e o que fazemos, é sempre o modo como as coisas funcionam no simbólico que determinam o plano real, isto é, o discurso político-amoroso de Marchezan “Te amo Porto Alegre” recuperou uma função de base da esfera política ao estabelecer uma ligação primordial com o público. Mas o discurso do PSDB estava mais para um amour flou (amor vago) enquanto que o discurso do PT sempre esteve mais para um amour fou (amor louco). Diz Finkielkraut & Bruckner em A nova desordem amorosa (Brasiliense) que “signos vazios veiculam a plenitude de uma responsabilidade”. É verdade, quer dizer, eles tem o poder de afetar os seres a que se dirigem para transformá-los em parceiros. O PT, por seu lado, afastado do governo local, das universidades, da periferia, na condição de oposição perdida em meio a uma disputa entre o PMDB e o PSDB e o PSOL disputando com o PT o espaço de esquerda, o que esses fatos disseram à cidade esses anos todos? Que a esquerda, apesar de sua oposição atuante, foi incapaz de montar uma estratégia de união. Por esta razão, ao dirigir-se com um singelo “Te amo Porto Alegre”, que só altera a posição do “Eu-te-amo Porto Alegre” do PDT em seu elemento discursivo incorporado pelo discurso da direita terminou por dominar as eleições porque representava que o Prefeito deu a cidade  sua palavra, e por assim dizem, obrigou-a a devolve-la – pelo voto. O seu “Te-amo-Porto Alegre”, como diz Finkielkraut & Bruckner tornou a cidade sua devedora, estabeleceu a exigência de um imperativo “Me ame. É preciso que você pague sua dívida”. Essa falha no simbólico só é expiada pela reciprocidade e voilà, Marchezan assume como Prefeito. A leitura lacanomarxista é inspirada no próprio depoimento de Nelson Marchezan Jr, que passou a repetir que em política que o que importa é a felicidade do cidadão. Esse Prefeito-Auto-Ajuda, preocupado mais com  a explicitação do desejo de felicidade alheia não contradiz com as manifestações de pais, alunos e professores atingidos pelas reformas educacionais de Marchezan, não são exatamente o contrário do que prometia imaginariamente o Prefeito?

Incapacidade de reação

Mas há outro aspecto de política para as massas envolvido no processo, essa incapacidade da esquerda em reagir ao desvio ao centro-direita promovida pelo PMDB na eleição anterior, e agora, a agenda neoliberal de extrema direita promovida por Nelson Marchezan, transformação do PSDB no mais novo partido catch all, expressão criada por Otto Kirchheimer para designar os partidos que reduzem sua carga ideológica e reforçam suas lideranças – transformam Marchezan,  da noite para o dia, como candidato ao governo do Estado. Quer dizer, o PSDB pode ter ganhado a Prefeitura e alcança um novo posicionamento politico mas ele perdeu mais em termos de ideologia do que quando assumiu o PDT de José Fortunati. Não é o que indica essa explicita ligação de Marchezan com o governo José Ivo Sartori?

Na minha visão, a Porto Alegre e sua classe média das ruas cede a cada eleição que passa à Porto Alegre de classe média de centro-direita dos shoppings centers, saem as preocupações sociais e voltamo-nos cada vez mais preocupados com o individual: nasce a política da era da geração shopping-center. Diz-se que foi democrático porque houve uma opção. É claro que sim, aliás, vivemos mais do que a democracia, vivemos, como assinala Slavoj Zizek, tempos “pós-democráticos”: eleições livres, soberanas, transparentes, parlamento atuante, participação da sociedade no legislativo, etc, podemos votar em quem quisermos, mas o que revela esta legitima opção? Para mim, ao contrário, as eleições mostraram um processo galopante de despolitização dos cidadãos, vista pela ausência de bandeiras nas ruas, o abandono dos ideais de esquerda, o fim da militância autêntica de rua, o debate morno às vésperas das eleições e esquecimento da agenda proposta pelo FSM. A nova questão política é justamente o que fazer após a democracia, que agenda política moverá os seus cidadãos?

É duro para quem é simpatizante do PT ver uma multidão dar uma guinada a extrema-direita. Para quem como eu viveu os anos 80, o resultado é democrático, mas é duro. Nós, os “da antiga”, eleitores do PT há trinta anos, nos perguntamos sobre as estratégias que as lideranças locais vão adotar para o futuro do partido. Que avaliação faz o PT de si mesmo nesse período em que esteve fora do Executivo? Se deu conta que o racha com as demais esquerdas assentadas na Câmara Municipal dominou a possibilidade de apresentar um contra-discurso à administração do PDT/PMDB de José Fortunati/Sebastião Melo e o que fará em oposição a Marchezan/PSDB? Será que os petistas se deram conta de que o partido cedeu tradicionais espaços onde exercia a hegemonia para os partidos de centro-direita, seja na universidade e nos espaços na periferia onde seu governo deu inúmeras conquistas? Será que se deu conta do atraso que é romper com os demais partidos de esquerda? Minha resposta é não.

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Por outro lado, o PT não foi capaz de mostrar ao seu eleitor o caminho que a opção PMDB/PSDB estava traçando para a cidade, o significado de deixar a cidade a administração de um partido de centro à centro-direita do espectro político. Caminho que é seu direito fazer, opção dos cidadãos e que a crítica da esquerda – a minha entre elas – quer apontar. Claro, num contexto repressivo à esquerda principalmente em função do mensalão e após, da Lava Jato, o cidadão terminou por identificar o PT local ao PT nacional dando uma vitória também à mídia conservadora, ao contrário do PMDB, que conseguiu descolar sua imagem, ao menos parcialmente, dos escândalos. Para mim, o partido perdeu o eleitorado porque o aspecto ideológico conta muito para o eleitor.

Vimos nos últimos anos vitória esmagadora da candidatura José Fortunati (PDT) e Nelson Marchezan (PSDB) colocar a questão: como refundar o PT na capital? Marchezan e o PT sabem que o primeiro venceu legitimamente a batalha, mas ainda não venceu a guerra. Para Marchezan se credenciar definitivamente como a nova liderança peessedebista para uma disputa de nível estadual – e com isso arrasar o que resta de espaço eleitoral para o PT nos próximos anos,  sabe que terá que sair vitorioso no teste final que tem pela frente: a retomada dos serviços públicos. José Fortunati perdeu também porque seu teste, a conclusão das obras da Copa, foi um fracasso só agravado por ter seu  nome envolto no escândalo recente envolvendo uma universidade privada. A segunda batalha de Marchezan ainda está em andamento, a da reforma do secretariado, pois, 60 dias após a posse, secretarias ainda não tem liderança. Diferente do inicio da gestão Fortunati, onde o primeiro escalão foi definido na partilha entre os apoiadores, Marchezan impôs seu critério técnico, que, salvo raras exceções, é bem vindo a administração pública. Para mim sempre foi um erro entregar as secretarias a base de sustentação, como fez Fortunati, privando os funcionários e técnicos e experientes de carreira assumirem o lugar – só o tempo que o secretario leva para aprender suas funções já é um problema. Marchezan, ainda que não revele, sabe que isso foi uma lição do PT, que foi responsável pela consolidação de quadros técnicos na politica. Quanto tempo levará para Marchezan ceder ao modelo pragmático de alianças fez a vitória dos prefeitos no passado, ainda é cedo para avaliar. Sempre é um problema como acomodar tanta gente  da qual se tem pouco controle no governo.

Ideologias originais

Para refundar o PT, sou um dinossauro: acredito que somente o retorno à defesa de sua ideologia de esquerda original fortalecerão sua identidade. Isto serve também para o PDT e o PMDB, partidos que vivem sua própria divisão de interesses  Sejamos honestos: é que é sempre ela, a ideologia, é que deve definir de forma mais rigorosa o que fazer, seja para a esquerda ou para a direita. Para a esquerda, deve ser o balizador do leque de alianças que deseja o PT nas próximas eleições, cujo efeito é atrair para seus quadros  as novas gerações e dando a chance da capital ter, no futuro, disputas políticas mais eletrizantes do que a que tivemos agora. Para mim o PDT sofre um processo de desideologização e isso não pode ocorrer no PT, mesmo processo vivido pelo PMDB, salvo raras exceções. O PT, por sua vez, já atravessou esse processo e lideranças no seu interior sinalizam sua reconstrução, como Adeli Sell e Sofia Cavedon.  Pela primeira vez, o PT encontra-se na encruzilhada: ele precisa escolher entre continuar no caminho de ser um partido comum, onde fatalmente desaparecerá, ou de se reinventar de forma radical. A ideologia de esquerda é como o coração de Dones: assim como ele o tornava humano, só a ideologia fará o PT ser um partido de verdade. Mostrar a defesa da identidade genuína de um partido de esquerda é a única forma de reconquistar o amor das novas gerações, única chance o tirar o partido da condição de novo Holandês Voador em que se encontra.

Sorriso de Monalisa

Marchezan teve sucesso na sua estratégia de sedução política e agora o PT amarga mais uma vez o fim de sua era na capital se não fizer nada. Ao seu lado, paradoxalmente, está o próprio mote da campanha de Marchezan. É que a vontade de amar é também a vontade de um desenlance: “Eu-te- amo” e “Vamos-acabar” são os dois lados da mesma moeda. No fundo, no fundo, o PT da capital ainda pode esconder um sorriso de Monalisa, pois como na relação amorosa, o que a Cidade não sabe é qualquer relação/eleição é uma relação com o desconhecido e mesmo Marchezan deve ter, no fundo no fundo, ao subir as escadarias da Prefeitura  ao tomar posse de seu cargo, um medo que só se expressa na forma interrogativa: “Me ama realmente?”

Se o projeto do PSDB falhar, maiores são as chances de nascimento de um movimento anti-marchezan. Esse parece ser o confronto da esquerda em a partir de agora. O que resta da esquerdização da cidade hoje em dia? Aquilo que definir o cidadão: a cidade pertence, em primeiro lugar a eles. O PSDB teve sucesso em estabelecer uma nova ordem política, um novo “dominus mundi” na capital. Mas mantê-lo não será tarefa fácil principalmente pelo comportamento autoritário do prefeito. O PT precisa perguntar-se quem e o que o PSDB venceu nestas eleições. Para mim, o PSDB venceu uma razão para viver que tinha tomado conta da capital, tirou sua nostalgia em defesa da humanidade, esse delírio suave e violento de encarnar o ideal de luta pelos oprimidos, ideal de esquerda tornado liquefeito pela própria esquerda. Estranha a cultura política que toma conta da capital, que faz o “amor a Porto Alegre” “o amor – APENAS – por Porto Alegre” um discurso vitorioso, encantador, mas problemático, nova forma de desconstrução de um discurso de solidariedade planetária, elemento de base da cultura política da esquerda. Quiçá Marchezan possa fazer um bom governo para benefício dos cidadãos e quiçá o PT possa reconstruir a sua trajetória na capital, recompondo a aliança de esquerda dos partidos locais para as próximas disputas, é tudo o que podemos esperar dos tempos que hão por vir.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.
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