Ler liberta: sobre ler e (re)existir

                        Coluna (Re)pensando os Direitos Humanos, por Ralph Schibelbein, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

*Ralph Schibelbein

           Por mais lugar comum que seja falar dos inúmeros aspectos positivos da leitura, parece que eles ainda não são suficientes para aumentar o número de leitores em nosso país. Afinal, se nós estamos cientes de todos os benefícios trazidos pelos livros, o que leva quase metade da população brasileira a não se considerar público leitor? E por que os que leem não ultrapassam a média tímida de dois livros ao ano? Esses dados são fornecidos pela pesquisa realizada pelo Ibope e Instituto Pró-livro (2016) que traz também os principais motivos apontados para a carência do hábito de leitura: a falta de tempo e o não gostar de ler.  

           Mesmo que tenhamos vidas cada vez mais aceleradas e compromissadas, pesquisas também mostram que o brasileiro está no topo do ranking quando o assunto é tempo na internet. Gastamos em média três horas e meia por dia só em redes sociais. (Global Digital 2018). E além do tempo, convenhamos que dizer que não gosta de ler é um tanto genérico. É como dizer que não gosta de comer. (se você só experimentou mocotó e não gostou, precisa provar outros pratos e provavelmente perceberá que não gosta de mocotó, e não que não gosta de comer).

           Esses dados já citados do Ibope indicam que a obra mais lida no Brasil é a Bíblia; seguida de outros livros religiosos. Na atual lista dos mais vendidos figuram somente livros de autoajuda. (Nielsen 2019) Não quero ter a pretensão de estipular o que devemos ler, mas essas informações já nos mostram um diagnóstico preocupante.

           Os livros são portas para aumentarmos nossas visões de mundo, conhecermos os outros e a nós mesmos. São uma forma de viajar sem pagar excesso de bagagem. Permitem percorrer do passado ao futuro aproveitando o tempo presente. Enriquecem o vocabulário, tornam mais compreensível a realidade e mais suportável a vida. Ler é um exercício para o cérebro e para o coração. Mas o que quero falar hoje não é sobre os preços dos produtos literários, nem das condições das bibliotecas públicas ou da leitura em equipamentos eletrônicos. (temas esses que também merecem toda nossa atenção)

           Quero refletir sobre a leitura em um espaço específico: sistema carcerário. As prisões abarrotadas no Brasil oferecem pouquíssimas oportunidades de ressocialização, mas no meio desse concreto todo, vejo uma flor. (ou melhor, um livro).

           Em um país onde o encarceramento em massa é um dos maiores do mundo e as taxas de reincidência estão em torno de 70% (LEMGRUBER, 2015) a garantia da remição pela leitura parece ser uma possibilidade de esperança. Segundo o Conselho Nacional de Justiça o preso deve ter o prazo de 22 a 30 dias para a leitura de uma obra, apresentando ao final do período uma resenha a respeito do assunto, que deverá ser avaliada pela comissão organizadora do projeto. Cada obra lida possibilita a remição de quatro dias de pena, com o limite de doze obras por ano, ou seja, no máximo 48 dias de remição por leitura a cada doze meses. Essa proposta já é realidade em muitos presídios brasileiros e precisa sobretudo de incentivo. Na maioria das vezes os quatro dias de remição acabam sendo só um detalhe para quem entra no mundo das letras.

           Semana passada tive o prazer de participar da I Jornada de Leitura no Cárcere. Foi o maior evento já ocorrido no país para abordar a leitura em contexto prisional. Com organização do Observatório do Livro e da Leitura, O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) as palestras reuniram cerca de 3 mil participantes, por meios virtuais e presenciais.

           Refletiu-se sobre a expansão gerada pela leitura na vida e no mundo dos apenados. Exemplos de egressos que atualmente estão graduados e depoimentos de presos que participam de clubes de leitura enriqueceram o debate. “Você conhece o mundo, os outros, a sociedade e até você mesmo. É prazeroso” disse uma detenta que por incentivo da leitura escreveu seu primeiro livro em um rolo de papel higiênico dentro do presidio de Emaús no Rio Grande do Norte.

           Tive a oportunidade de mediar uma atividade de troca de livros e cartas entre meus jovens estudantes da rede privada e presos do sistema carcerário paranaense. Lembro de uma ocasião que ao fazer uma oficina de leitura e gêneros literários com apenados, um homem já de idade avançada ao pegar um livreto que levei para eles com os Direitos Humanos me perguntou “Professor, isso é ficção né?” Até hoje penso qual deveria ser a melhor resposta a ser dada.

           A partir de leituras, saraus e debates sobre as obras, é comum que os leitores passem a ter vontade também de escreverem suas próprias histórias. Melhoram as relações, a linguagem e a comunicação, a autoestima e o comportamento, dizem os agentes penitenciários e demais profissionais que acompanham os presos leitores.

           Como dizia Antônio Cândido, “todos nós temos o direito à leitura”. Mas fora do sistema carcerário, em recente vazamento ficou revelado que o governo do PSL de Rondônia realizou uma lista de obras que deveriam ser retiradas das bibliotecas escolares. O caso ganhou repercussão nacional e contou com uma nota de repúdio da ABL (Academia brasileira de letras).

           Que sigamos o conselho do Monteiro Lobato quando ele dizia que um país se faz com livros, e que possamos fazer o que estiver ao nosso alcance para estimular a leitura na família, escola, amigos e comunidades. Há inúmeros projetos, como o Banco de Livros precisando de doação de livros, contadores de histórias, mediadores, etc. (Essa é uma possibilidade de caminho para alcançarmos um Direito Humano tão necessário que é o da educação, acesso a informação e conhecimento. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. (ONU, 1948, p.14)

           Afinal, em um país onde o presidente afirmou ter como livro de cabeceira a obra de um torturador, ler é uma forma de resistir a todo esse cenário catastrófico que nos assola. A leitura liberta. Não só aqueles que estão em situação de reclusão, mas liberta eu e você dos nossos preconceitos e ignorância. Liberte-se! Leia…

 

Referência:

CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 3ª ed.. revista e ampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Recomendação n 44 da remição pela leitura disponível em www.cnj.jus.br

ONU, Organização das Nações Unidas – Declaração dos Direitos Humanos, 1948.

DEPEN: Taxas de encarceramento. Dados de 2019 disponível em depen.gov.br

Pesquisa IBOPE e Instituto pró-livro: Retratos da leitura no Brasil 4/ organização de Zoara Failla. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.

Pesquisa Global digital from We Are Social and Hootsuite realizada em 2018 e disponível em wearesocial.com

Pesquisa com a Lista dos mais vendidos Nielsen 2019 disponível em istoe.com.br

 *Ralph Schibelbein é Professor, Mestre em Educação (UDE/ UI – Montevidéu- 2016), onde estudou a relação da educação e dos Direitos Humanos com o processo de (re)socialização.                                 Pós-Graduado em História, Comunicação e Memória do Brasil pela Universidade Feevale (2010), sendo especialista em cultura, arte e identidade brasileira. Possui licenciatura plena em                         História pelo Centro Universitário Metodista IPA (2008) e pela mesma faculdade é graduado também em Ciências Sociais (2019). Atualmente é Mestrando em Direitos Humanos na                                   Uniritter e cursa licenciatura em Letras/Literatura (IPA). Email: rschibelbein@gmail.com – http://lattes.cnpq.br/2564622103700471

 

 

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